sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Queimando o filme

Clássicos do cinema em versões mais realistas e factíveis. O texto a seguir pode conter termos chulos e ofender pessoas frescas que não sabem lidar com sarcasmo ou imaturidade gratuita.
Poltergeist – O Fenômeno
O bairro tem novos vizinhos, uma família está de mudança para a casa que por tanto tempo estava à venda. O casal Freeling e seus três filhos acabam de chegar com mala, cuia, caixas de papelão, móveis de MDF com prestações ainda por pagar, mas nunca ficarão firmes novamente e o projeto de construir uma piscina no quintal. A ideia original era que, com a mudança, teriam novos ares e, com novos ares, uma nova vida. Só que eles não sabem o que está por acontecer. Até porque, se soubessem, não teriam se mudado, daí não fariam o filme e a garotinha não morreria nas filmagens. Mentira, isso é só uma lenda.
Logo no primeiro dia, eventos estranhos começam a acontecer pela casa. O primeiro é presenciado pela esposa Diane. Ela está cozinha, se vira para pegar um copo e ao retornar, segundos depois, todas as portas dos armários estão abertas e as cadeiras sobre a mesa. Impressionada com a cena, ela grita: “Alzira!”. A faxineira chega e leva um esporro: “Já não tem falei que não quero a cozinha bagunçada? Está arrumando a sala? Termine a cozinha primeiro. Um cômodo por vez, mulher. Que não se repita!” A empregada sai sem nada entender.
Na noite do mesmo dia, acontece o segundo evento. Dana, a filha mais velha que está na adolescência, escuta um barulho estranho vindo do quarto de sua irmã mais nova. Ela entra para ver o que está acontecendo e se depara com o boneco Bozo de quase um metro de altura andando pelo quarto. O boneco então para de andar, aponta para ela, passa o dedo indicador pelo pescoço como quem diz que vai cortar a jugular de alguém e começa a rir. Dana sai correndo, entra em seu quarto e liga para o namorado. Assim que ele atende, ela grita: “Caralho, seu filho da puta! Esse ácido é muito louco! Não tem ideia das merdas que estou vendo.”.
No meio da madrugada começa a cair um temporal, ventos uivantes, trovões que fazem tremer as paredes e raios que iluminavam até os quartos com cortinas fechadas. Em sua cama, Robbie, o filho do meio está assustado com todos aqueles sons e luzes. Ele não consegue pegar no sono e vai para o quarto dos pais que estão dormindo. Depois de acordar o pai, ele conta que está com medo. Steve, o pai, fala que é bobagem. “Basta contar entre um trovão e outro, se o tempo aumentar é sinal que a tempestade está se afastando”, diz para o filho. O garoto então volta para o seu quarto se cagando de medo. O primeiro trovão explode o ensurdecendo. Ele então fala em voz baixa: “Que pai filho da puta. Estou cheio de medo e ao invés de me dar um abraço ou me chamar para dormir com eles, me manda contar e ficar prestando atenção nas merdas dos trovões que estão me assustando.”. Antes que pudesse completar a próxima frase, outro trovão estoura. Assustado, ele corre para a janela e vê a amendoeira que fica logo em frente criar vida e esticar os galhos em sua direção para pegá-lo. Ele grita, volta correndo para o quarto dos pais acordando o casal e conta o que aconteceu. Sua mãe não hesita e diz: “Robbie, todo véspera de prova você inventa uma palhaçada. Cansei. Ouviu? Cansei! Pode voltar para o seu quarto que amanhã você vai para o colégio fazer a maldita prova de matemática.”. Ele então, não mais assustado, mas frustrado, volta para o quarto, anda até a janela, abre e grita para a árvore: “Me leve com você para longe desses pais desnaturados.”. A árvore se vira para ele e diz: “Está pensando que sou o Barbárvore, moleque? Se enxerga!”. Ela então se solta do terreno e vai embora.
Ainda na madrugada, assim que a tempestade para, Carol Anne, a filha mais nova, é acordada com o som da televisão do quarto dos pais chiando. Ela se aproxima do aparelho que está apenas com chuvisco em tela, pois o canal está fora do ar, e depois de alguns segundos a encarando bem perto, ela sorri e começa a conversar com a TV. Ela diz uns “oi”, “olá”, “viva os Teletubbies” e de repente uma mão sai da tela e a puxa para dentro da TV. Toda essa ação provoca um ruído que acorda o casal. Eles olham para a imagem da televisão e parecem incrédulos com o que veem. Um olha para o outro, até que o marido chama a responsabilidade para ele, pega o telefone da cabeceira, disca um número, espera e quando é atendido grita: “Vocês da SKY são uma merda mesmo! Mal pode cair uma chuvinha e o sinal já some! Amanhã vou cancelar essa bosta!”.
Na manhã seguinte, pai, mãe e dois filhos estão à mesa para tomar o café-da-manhã, mas não pensem que é uma família unida. O pai e os filhos que são uns imprestáveis preguiçosos que exploram a mãe para fazer tudo. Tanto que bem depois perceberam que Carol Anne não aparecera para comer. Eles resolvem vasculhar a casa e nada. Não existem dúvidas, a caçula desapareceu sem sair de casa. Decididos a fazer algo para recuperar a filha, tomam a decisão mais acertada que uma família de classe média poderia optar, ligam para o Fantástico.
Algumas horas depois a equipe de filmagem aparece. Tadeu Schmidt inicia os trabalhos usando o detetive virtual para achar alguma fraude na casa. Ele nada encontra e ainda consegue frustrar a todos com suas piadinhas colegiais. Marcio Atalla perde o foco da visita e fica recriminando a comida estocada pela casa. Gloria Maria é confundida com uma assombração e sequer deixam que entre na casa. Acaba sobrando para Renata Ceribelli que fica por horas chamando pela criança, mas sem sucesso, ela não responde. E também nunca responderia. A apresentadora, assim como a maioria dos imbecis que viram o filme, insistia em chamar a menina de Carolaine (escreve-se Caroline). Daí fica difícil que a caçula responda, ela não é adivinha.
Frustrados com a ação fracassada da equipe global, a família então recorre ao Ratinho que não titubeia e manda um grupo de paranormais para a o local. Assim que chegam, Rosamaria de Oxossi, a líder do grupo crava a primeira premonição: a filha está dentro da TV. A família estupefata não entende como isso pode acontecer e pergunta quem está por trás de tamanha atrocidade. A especialista então crava a segunda premonição: a culpa é do local onde levantaram aquela casa. A mãe, de tanto ouvir estórias por aí durante a vida, cogita que a casa foi construída em cima de um cemitério indígena. Só que sua hipótese é rapidamente descartada pela líder da equipe: “Se fosse um cemitério indígena, sua filha não estaria na TV, mas sim em uma cumbuca, canoa ou dentro daquele quadro de tecido cafona pendurado na sua sala de jantar. Esta casa foi construída sobre um antigo posto de saúde do SUS onde diversas pessoas morreram na sala de espera enquanto assistiam TV.”. Convencida, a mãe corre para a televisão e pergunta como pode fazer para falar com a filha. Rosamaria diz que precisam sintonizar no último canal antes dela ser abduzida, para isso bastava apertar a tecla que dá o comando de voltar ao canal antes assistido. É o que mãe faz. A TV sintoniza no canal erótico que passa o filme “Todo mundo na bundinha da Suzana” e todos olham para o pai que rapidamente se justifica: “Ai caralho! Minha filha está desaparecida, fiquei tenso, precisava relaxar!”.
Depois de muito tempo, passando de canal em canal, finalmente conseguem sintonizar no que Carol Anne está presa. A equipe então inicia uma conversa com ela para entender melhor como farão para resgatá-la. A equipe faz várias perguntas, toma nota de algumas respostas, tira fotos da casa, usa uns aparelhos estranhos que piscam e fazem barulhos irritantes. Em seguida, se reúnem na sala e em alguns minutos traçam o plano de ação: “Entraremos pelo armário do quarto de Carol Anne e sairemos com ela pelo teto da sala!”. Dana retruca a decisão: “Mas isso não faz sentido alguma!”. A líder com toda sua experiência acalenta o coração da jovem: “Sua irmã está em um TV. Preciso dizer algo mais?”.
Com todos devidamente informados de como devem proceder, a equipe se prepara para entrar em ação. Erivelton, rapaz afeminado e enrustido, por ser o mais leve é escolhido para entrar no armário, por mais irônico que isso soe. Com uma corda amarrada em uma cintura ele inicia a caminhada. Após dados os primeiros passos, o rapaz grita assustado clamando pelo Senhor. As pessoas perguntam o que foi e ele responde: “Que horror esse monte de roupas da C&A, Renner e Marisa. Coisa cafona!”. Diane argumenta: “Precisamos apertar algumas contas por causa da compra da casa.” Robervaldo, irmão de Rosamaria e pai de Erivelton, vai contando a quantidade de corda que entra no armário como um recurso para saber o quão fundo o rapaz está: “Um metro. Dois metros. Três metros. Nárnia. Cinco metros.”
Com o passar do tempo e preocupada com a filha, a mãe começa a gritar para orientar a pequena: “Não olhe para luz, Carol Anne! Não vá para a luz, Carol Anne!”. Robbie retruca: “Legal! Vocês são foda. Estou me cagando de medo e me mandam de volta para o quarto. Minha irmã está sozinha sabe-se lá onde e vocês mandam ela fugir da luz e ir para o escuro. Só pode ser brincadeira.”. Certa de sua decisão, Diane continua com as mensagens para Carol Anne que responde estar com medo. Enquanto isso, Rosamaria pergunta a Erivelton como estão as coisas e ele diz que aquilo é terrível. Ela pede que ele se esforce e encontre a menina. Erivelton pede um tempo, todos se calam por uns minutos, até ele próprio quebrar o silêncio para dizer que a achou, mas logo depois gritar assustado. Diane desesperada pergunta o que houve e ele responde: “O horror! O horror! Esta menina com este pijama da feirinha de Petrópolis. Que coisa medonha! Joaninhas, ursinhos e brigadeiros por todos os lados. Meus olhos!”. Rosamaria ordena que ele pegue a menina e corra para a saída.
A cena que se segue é antológica. Todos no quarto parados, praticamente petrificados, catatônicos, com olhos vidrados apontados para o armário de Carol Anne. Silêncio. Tanto no quarto, quanto no armário. De repente, um enorme estrondo vindo da sala. Todos correm para lá e se deparam com uma enorme cagada. Erivelton e Carol Anne estão de volta. Ao sair pelo teto, ficaram completamente cobertos de plasma espectoral áureo, mais conhecido como geleca nojenta. Não bastante, nenhum imbecil ficou na sala para segurá-los quando caíssem do teto. Resultado, se espatifaram na mesa de centro de vidro, ficaram com cortes pelo corpo todo e sujaram o que não estava cagado de gosma com sangue. A mãe não se conteve de felicidade e gritou: “Minha filha está de volta! Que alegria, meu Deus! Só não te dou um abraço porque está toda nojentinha, né? Vamos tomar um banho antes?”. Rosamaria anuncia que não dá tempo, todos precisam sair correndo da casa que, logo em seguida, começa a tremer. Primeiro sai a equipe paranormal, depois mãe, filhas, filho e por último o pai que demorou porque voltou para salvar o Blackberry da empresa que se sumisse seria descontado. A casa então desaparece, resta apenas o terreno, o buraco de onde seria a piscina e um envelope pardo. O pai se aproxima, abre o envelope pardo, checa o que tem dentro e grita: “SEUS FILHOS DA PUTA!”. Eram as prestações a vencer da hipoteca.