Chega a época de
eleições, e o que mais se vê por aí são propagandas políticas, discursos,
promessas, mentiras, calhordagem e, acima de tudo, debates e entrevistas. Quem
quiser um minuto de atenção do leitor ou do eleitor, dependendo do interessado,
precisa trazer um candidato para a pauta. Nós não somos diferentes e, na
tentativa desesperada de conseguir mais um minuto de vossa leitura, iremos
entrevistar um candidato. Obviamente, por conta do nosso ridículo orçamento e
total falta de poder de mobilização, nosso convidado não tem, digamos, grande
apelo. Em todo caso, o que deveria ser algo engraçado e divertido, sem querer
virou algo crítico e para reflexão, quase um desejo para que façam o mesmo com
todos:
Repórter:
Olá, candidato. Obrigado pela presença. Gostaria de começar perguntando pelo
motivo da escolha do nome de campanha Jorginho da Pipoca.
Candidato:
Obrigado pelo convite. Bem, sou pipoqueiro por mais de vinte anos na praça
principal de Tartarugalzinho e é exatamente assim que as pessoas me conhecem.
Repórter:
Entendo. Então a escolha do nome é simplesmente para que as pessoas saibam quem
você é?
Candidato:
Perfeitamente.
Repórter:
E não acha que uma estratégia desse tipo limita sua a campanha a que votem no
senhor simplesmente porque é conhecido, não por ter potencial de resolver problemas
ou ser responsável por outros projetos de importância para a comunidade?
Candidato:
Eu não tenho outros projetos, pois essa é minha primeira eleição, jovem.
Repórter:
Perfeito. Esse pode ser um ponto de partida da nossa conversa. Por que tentar a
carreira política então?
Candidato:
Porque estou cansado dessa roubalheira, dessa pouca vergonha. Acho que posso
fazer algo para melhorar a situação da população que tanto sofre.
Repórter:
Claro, toda motivação de um candidato deve ser essa. Tanto que antes comentei
que a campanha deveria ser baseada em ações já feitas, que não é o seu caso,
pois sempre temos uma primeira vez, ou na capacidade de ajudar a comunidade. O
seu caso deve ser focado na segunda parte. Como pretende ajudar a população?
Candidato:
Criando leis.
Repórter:
Possivelmente essa seja uma das opções, mas para isso precisa ter conhecimento
de como funciona todo o processo político desde a criação da lei, passando
pelos setores que serão atingidos por ela, até a aprovação final. Qual seu
conhecimento sobre poder legislativo, executivo e judiciário?
Candidato:
Meu jovem, sou um simples pipoqueiro que completou o fundamental com muita
dificuldade.
Repórter:
E não acha que para ocupar um cargo com tamanha importância não precisa ter
preparação? Estamos falando de algo, que como suas intenções mesmo confirmam,
atinge muitas pessoas.
Candidato:
Mas daí só teremos os filhos dos ricos no poder. Assim nunca teremos um
verdadeiro representante do povo. Eu sou um representante do povo e quero
ajudar o povo que represento.
Repórter:
Mais uma vez acho justa sua colocação. Isso lembra quando meu filho caiu da
bicicleta e fraturou o braço. Ele caído ali no chão, chorando muito, destruiu o
meu coração. Sabe o que fiz? Eu o levei para o hospital, pois mesmo que tivesse
a boa intenção de ajuda-lo, não saberia como e poderia piorar ainda mais as
coisas.
Candidato:
Ora, mas essa comparação não tem cabimento. Você tentando ajudar seu filho
podia piorar a fratura. Já eu, mesmo sem estudo não tenho como piorar, pois os
outros colegas de profissão não deixariam passar alguma proposta de lei minha
que iria prejudicar o povo.
Repórter:
De fato, mas com isso você passaria a ser um gasto público desnecessário tendo
em vista que não teria utilidade.
Candidato:
Já acho que isso é melhor do que gastar com políticos que nada fazem e ainda
roubam.
Repórter:
Bem, então sua campanha se limitaria a convencer os eleitores a votarem em você
por ser conhecido e porque é melhor pagar salário para alguém que não rouba, do
que para alguém que rouba, mesmo ambos não fazendo coisa alguma por eles.
Candidato:
Isso é você quem está falando, meu jovem. Eu tenho propostas.
Repórter:
Pois diga uma então.
Candidato:
Quero aumentar a quantidade de médicos, de equipamentos e consultórios no
Hospital Jamil Muanis do centro de Tartarugalzinho.
Repórter:
Uma excelente proposta que, com certeza, ajudará a população. E como pretende
fazer isso? Sabe que é necessário levantar verba, não? E esse é um dos mais
entraves da saúde pública nacional.
Candidato:
Usaria o dinheiro do governo.
Repórter:
Qual governo? Federal? Estadual? Municipal?
Candidato:
O que tiver disponível.
Repórter:
Entende por que é estritamente necessário que conheça um mínimo de política e
do cenário econômico nacional? Saber pelo menos se estamos falando de um
hospital municipal, estadual ou federal já é alguma coisa.
Candidato:
Eu sei que é público.
Repórter:
Tudo bem. Vamos prosseguir na sua proposta. Como disse, um dos maiores
problemas é a falta de recursos e uma das causas é o excessivo gasto com cargos
do setor público inchado e caro. Você criaria uma proposta para que reduzisse o
salário dos deputados, senadores, vereadores e demais políticos?
Candidato:
Diminuir o salário?
Repórter:
Sim! Por exemplo... Suponhamos que ganhe hoje como pipoqueiro por volta de dois
mil Reais e seu salário como vereador será de dezoito mil reais...
Candidato:
Na realidade, dezenove mil e quinhentos. Andei me informando.
Repórter:
Claro, imaginei que sim. Enfim, você seria capaz, se possível obviamente, de
propor que seu salário permanecesse na cada de dois mil e o restante fosse
destinado para a saúde, por exemplo.
Candidato:
Mas tem dinheiro. Não precisa disso.
Repórter:
Não, não tem. Ainda assim, se tivesse, vamos supor que não tenha. Você poderia
sugerir uma rígida redução de cargos, inclusive diminuindo a quantidade de
vereadores e deputados em todo o país, para que sobre verba a ser investida em
outras áreas, como a saúde?
Candidato:
Como disse, isso não faz sentido. Não há a necessidade de debater sobre essa
suposição.
Repórter:
Bem, gostaria de debater sobre a sua proposta de aumentar a qualidade no
atendimento do hospital local. Contudo, não sabe de onde tirar verba. Fato que
não é possível, pois sabemos que não existe verba extra para tal. Daí, caminhei
para uma especulação que seria a possibilidade de criar uma solução alternativa
para um dos maiores problemas atuais. Mas como insiste em fugir do tema, devo
concluir que cortar da própria carne é mais importante que a sua campanha de
fazer pelo povo. Isto é, o individual sobressai em relação ao coletivo.
Candidato:
Meu jovem, você está visivelmente orientado para me desqualificar. Primeiro
ataca minha escolaridade, depois a profissão e agora fica criando especulações
para desvirtuar meu programa de propostas. Eu duvido que isso aconteceria se
fosse com um candidato elitizado.
Repórter:
Tudo aqui dito foi uma consequência das suas respostas e posso ter certeza que
existem candidatos elitizados com o mesmo perfil que o seu. Aliás, acho que é
muito fácil encontrar candidatos com as mesmas intenções e níveis de preparo
que o seu, independentemente da formação escolar ou classe social. De qualquer
forma, agradeço pela sua participação e fica aqui nosso incentivo sobre sua
campanha focada no seu nome popular. Qualquer coisa diferente disso será um
tiro no pé.