O Ódio Nosso de Cada Fila
Eu
posso entender e, até mesmo, aceitar que certas pessoas tenham uma relação
diferenciada com o tempo. Acredito que existam pessoas capazes de não se
preocuparem com o tempo, ou de simplesmente não terem a mínima ambição em
chegar ao destino, seja ele um local físico, ou apenas uma meta. O que acho
inconcebível é a indiferença dessas mesmas pessoas em relação a como o estilo
de vida delas afeta por muitas vezes a vida de outras pessoas. Claro que, em
certos casos, estamos falando unicamente de pessoas desligadas ou indivíduos
que entram em estado catatônico em momentos cruciais. Mas, é fato que, na maior
parte do tempo, quando alguém resolve parar tudo por não estar ligado no momento,
isto é uma consequência direta da falta de um relacionamento afetivo entre ele
e o curto tempo de vida que temos.
Pessoas
com essas características me afetam diretamente em várias esferas. A primeira,
obviamente, roubando preciosos segundos do meu dia, que já é apertado a ponto
de precisar conciliar banho, refeição e sono ao mesmo tempo para conseguir ser
razoavelmente produtivo. A segunda é me causando diretamente um prejuízo
financeiro. Sou ansioso por natureza, e ficar aguardando por algo me obriga a
consumir doses consideráveis de ansiolíticos. Quando resolvem prolongar a
espera, daí o consumo vai para o teto, fazendo com que compre mais drogas
lícitas para me acalmar. Por último, é psicológico mesmo. Apesar de ser como
sou, possuo um mediano nível de discernimento, portanto me recuso a criar
tumulto por situações como essas. Todavia, ao conter esse sentimento, fico o
resto do dia imaginando situações nas quais o causador da minha maior espera esteja
sofrendo muito e vagarosamente (claro!), e aparentemente isto não deve fazer
nada bem para a mente de uma pessoa (principalmente como eu).
Já
perdi a conta de quantos eventos diferentes desse tipo já aconteceram comigo. E
notem que excluo da lista eventos protagonizados por gente velha, porque velho
não se enquadra no quesito de ser desapegado ao tempo do dia. Velho é apenas
velho e faz o que bem der na telha, quase como um labrador em uma quitinete. Mas,
enfim, vamos à lista de alguns dos eventos mais corriqueiros que me fazem sofrer
e imagino que façam o mesmo com você:
No
banco: O desgraçado fica quase trinta minutos na fila esperando. Olha para um
lado, olha para o outro. Puxa assunto com todos. Em alguns momentos até ensaia
um comentário reclamando da demora, mas é fachada. Quando finalmente chega a
sua vez, ele chega ao caixa e, somente naquele momento que, ele resolve abrir a
mochila, pegar a pasta, tirar as contas, separar as que serão pagas e assim por
diante. E eu aqui na fila vendo tudo;
No
ponto de ônibus: A maldita fica quase vinte minutos esperando pelo intermunicipal
que vai levá-la até o trabalho. Consulta o relógio umas setenta vezes, se
abana, pergunta para as pessoas ao redor se o ônibus passou tem muito tempo
etc. Daí, somente depois de embarcar, finalmente, no ônibus que já está em
movimento, ela tenta se equilibrar e procurar moedas na bolsa gigante para
pagar a passagem. E eu aqui atrás com dinheiro em uma mão e me segurando com
toda a força na outra;
No
supermercado: Filas enormes e lentas nos caixas. A espera é superior a meia
hora. Quando finalmente chega a vez do infeliz, ele nota que a lata de milho está
amassada e vai correndo (mentira, andando) trocar (como se o amassado fosse
capaz de danificar o milho). Na volta, ele lembra que se esqueceu de pegar refil
para SBP do quarto do filho. E eu aqui meditando enquanto espero;
No
trânsito: O sinal é relativamente demorado. A luz vermelha de pedestre está
piscando avisando que o sinal vai abrir em breve e o imbecil lá parado com as
mãos entre as pernas, olhando para o nada com expressão vazia como uma das
estátuas da Ilha de Páscoa. Obviamente, segundos depois o sinal abre, ele
continua parado até um desesperado sem pudor meter a mão na buzina e, até que
enfim, o cérebro manda a mensagem pausadamente: “Pre-ci-sa pi-sar na
em-bre-a-gem e en-ga-tar a pri-mei-ra!”. E eu aqui com um motor quente de moto
no meio das pernas parado;
No
cinema: O sem mãe na fila com celular em mãos jogando Candy Crush, respondendo
os amigos no Whatsapp, curtindo fotos no Facebook de meninas que nunca vai
pegar e vendo vídeos de acidentes bizarros na Rússia. Quando se aproxima do
caixa, ele pergunta: “Quais sessões ainda estão vendendo?”. E eu aqui pensando:
“Sessão de descarrego do seu cérebro ralo abaixo!”.
Na
lotérica: A fila é longa. Primeiro é atendido o desgraçado do banco que separa
tudo no guichê. Depois, a maldita do ponto de ônibus que só vai pegar o
dinheiro da aposta na hora. Em seguida, o infeliz do supermercado que pede um instante
para pegar mais dois cartões de aposta porque descobriu que errou em um deles. Posteriormente,
o imbecil do trânsito que demora a conectar a informação “guichê vazio” com a
ordem cerebral “ande até ele”. E, por fim, o sem mãe do cinema que pergunta se
tem RASPADINHA DA MEGA-SENA. E eu aqui rasgando todas as pregas só de raiva.