Fui jantar pela primeira vez com a família da minha nova namorada. Acabou sendo pior que imaginava. Não sabia que o irmão dela trabalhava como flanelinha. Ele me pediu R$ 10,00 para me sentar em um lugar que ele supostamente guardou para mim no sofá da sala. Falei que pagaria quando fosse embora. Em determinado momento me levantei para ir ao banheiro. Ao voltar, o estofado do meu lugar estava todo rasgado. Tive de pagar um sofá novo para a mãe dela. Saudades de quando namorava a filha de um miliciano.
sexta-feira, 27 de novembro de 2015
terça-feira, 24 de novembro de 2015
Início... ou fim
Meu prato favorito é língua. Língua
defumada com molho madeira, batatas levadas ao forno e feijão manteiga com
paio. Depois, em segundo lugar, está fígado acebolado com fritas bem sequinhas, ou com purê, e feijão.
Sei que muitos farão careta para pelo menos um dos pratos sem ter provado sequer
uma vez na vida. Que pena. Não dá para dizer que algo é ruim sem antes
experimentar. Obviamente não preciso comer merda para falar que é ruim. Não
vamos generalizar também. Talvez por isso exista o tabu de tentar relações com
o mesmo sexo. Quem suportaria o peso de mudar toda a forma de ver um dos
principais alicerces da vida antes renegado por pura teimosia? Bem, no meu
caso eu concentrei toda a minha coragem provando língua. Acredito que tenha
sido emoção suficiente.
Estranhamente, essa teimosia de dizer
que algo é ruim sem provar ou que algo é muito bom sem tentar enxergar por
outra perspectiva me acompanhou por toda a vida. Talvez esteja sentimental pelo
momento, mas o fato é que hoje olho para trás e vejo como insisti em
pensamentos teimosos. E como fiz merda na vida também, mas isso fica para outro
momento.
Nunca achei que diria isso, mas a Lapa
é uma merda. O bairro que tanto frequentei, idolatrei e fiz de quintal da minha
vida é a pior coisa que pode existir. Acredito que antes tinha uma imagem tão
distorcida porque sempre chegava entorpecido pela euforia da expectativa de
mais um dia de total descompromisso com a responsabilidade e, quando a transe
eufórica dava sinais de ceder a ponto de me mostrar a realidade, já estava
quimicamente tomado pelas coisas de sempre. É como uma criança chegando a um
aniversário de algum coleguinha. Aquela empolgação de ter vários amigos para
correr aleatoriamente em recreações com regras sem sentido. Com o tempo, você,
de tanto suar, vai desidratando, resolve repor calorias consumindo refrigerantes e doces, seu
nível de açúcar sobe descontroladamente e você começa a agir como um maníaco.
Fica então incapaz de notar que o homem de meia idade fantasiado de super-herói
é patético, que você arrancou sapatos de estranhos por pontos imaginários em
uma gincana sem valor e depois vai lutar pela vida para ganhar um saquinho com
lembranças que, de tão ruins, você sequer ganharia no dia de Cosme e Damião em
alguma comunidade carente. É uma furada óbvia, mas você está iludido pelas
circunstâncias, não enxerga o todo e se contenta com a felicidade superficial
momentânea. Em casa, depois com o corpo recomposto, você olha para aquele monte
de porcarias monocromáticas e se pergunta “Céus, o que eu fiz?”. O mesmo vale
para mim, só que no dia seguinte. Com um corpo que parece ter sido surrado,
usando todo o esforço possível, abria os olhos, olhava ao meu redor e exclamava
“Ah, mas que merda!”.
Não bastante, o argumento da criação
equivocada de um mito não pode se limitar às condições químicas ludibriadoras
das conexões nervosas do cérebro. O fator sazonalidade também é preponderante
no que tange o argumento. Sim, porque quando se passa a frequentar um local com
mais assiduidade, tudo fica evidente, principalmente os defeitos. É como um
namoro. Você encontra a gatinha apenas nos finais de semana. Sexta rola aquele
cinema ou barzinho depois do trabalho. Sábado praia com almoço. Domingo, no
máximo, um churrasco com amigos. Nem vou citar sexo. Depois retornam aos dias
úteis à distância. Não é uma maravilha? Só que um dia se casam, passam a se ver
todos os dias, inclusive nos que um dos dois não está disposto, motivo que
antes, no namoro, era suficiente para suspender a programação. Mas agora que é
tarde. Tudo que não conseguia ver em algumas horas, agora são esfregadas na sua
cara sete dias da semana, vinte e quatro horas por dia. Talvez isso faça
sentido para mim porque sou um pessimista com casamento, mas a teoria é
fundamentada para o caso em questão.
Enfim, o fato é que a Lapa é uma
merda. Antro de mendigos e cracudos, frequentado por travestis, putas baratas e
traficantes de merda que topam de tudo por qualquer dinheiro. Além de feder a mijo a qualquer hora do dia, o bairro, não necessariamente os profissionais citados. Não me falem sequer de Carnaval! O comércio local é decadente, exceto pelos bares. Não existe uma loja
que não tenha prateleiras cheias de poeira com produtos velhos sendo vendidos
por um funcionário no mais baixo patamar da carreira profissional, à beira de
desistir e entrar para um dos personagens citados no início deste parágrafo. Os
prédios são pombais frequentados também por tudo isso que já falei. Tanto que é
aconselhável fazer um buraco na parede e na porta principal para passar uma
corrente e prender com cadeado. Se as pessoas soubessem o que acontece por
aqui, teriam medo de andar de chinelos. Ou sandálias rasteirinhas, como as
gatinhas fazem na noite.
Eu sei que é muito amargor por minha
parte, só estou vendo o lado ruim, mas, na essência, não há o que contrapor.
Estou morando aqui tem seis meses e quero me matar. É sério. Cheguei aqui
reconhecendo que era o fundo do poço para mim. Joguei todas as oportunidades
que me deram fora. Destruí vínculos profissionais, afastei amigos, esmigalhei
relacionamentos amorosos e me transformei em uma bomba relógio. Estou só, sem
saúde, falido e tudo que tenho é um caderno que poderia me vangloriar dizendo que
é de folhas recicladas, mas na realidade é um caderno velho de páginas
amareladas que peguei em uma prateleira encardida de uma papelaria mequetrefe
qualquer do bairro. Não tenho o que beber e fumar. Trepar atualmente é um verbo
eticamente proibido no meu dicionário. Fui vítima da minha própria frase feita.
Achei que estava no fundo do poço, mas sempre aparece um filho da puta para
começar a cavar e achar um porão.
Saudades de comer língua, beber a
minha cerveja favorita, desmaiar bêbado de vinho no sofá. Daria tudo para ter
qualquer livro em minha estante, inclusive aquelas merdas que sempre odiei gratuitamente.
Sinto falta de poder me dar ao luxo de tomar café na padaria, almoçar na
esquina para não sujar louça (mentira, não sei cozinhar) e ficar andando
impaciente pela casa ouvindo as ladainhas de sempre da minha mãe ao telefone. Queria
ter minha ex-mulher aqui comigo, a única mulher que me conheceu na totalidade e
ainda assim me amou de verdade. Tenho vontade de voltar no tempo, mas também
tenho medo de acabar repetindo tudo igualmente. O que eu fiz? Vou te contar
desde o princípio. Espere-me apenas atender o interfone, a única pessoa que ainda fala comigo chegou. E pelo tom de voz de quando me ligou, depois de
hoje, nem mais ela terei por perto.
Continua em Recomeço
sábado, 14 de novembro de 2015
Recomeço
Capítulo anterior Início... ou fim
- Porra!
Talvez não seja a resposta imediata
esperada a uma campainha sendo tocada, mas foi espontâneo. Só podia ser uma
pessoa, afinal apenas ela sabia que estava morando ali. O espanto foi porque
poucos minutos atrás nos falamos ao telefone, dei o meu novo endereço e lá
estava ela em tempo recorde. A curiosidade muitas das vezes é um grande
motivador para certas ações.
- Você foi rápida – disse assim que
abri apenas uma fresta da porta. – Pensei que estava na sua irmã.
- Eu estava. Peguei um taxi. Posso
entrar?
- Taxi? Era só pegar o metrô. Você é
burra?
- Estava com pressa e curiosa. Dá para
me deixar entrar?
- Pressa? Você sabe que eu fiz um
contrato de 30 meses, não sabe?
- Ah jura? Pensei que era de um dia e
a casa se autodestruiria na manhã seguinte. POSSO ENTRAR NA MERDA DESTA SUA
CASA SECRETA?
- Não sei se quero essa atitude
deflorando os ares puros da minha nova residência.
- Ares puros? Você está aí não faz nem
24 horas e tenho certeza que já levou uma puta, vomitou na sala e peidou o quarto
todo.
- Que horror você pensar isso de mim.
Sabe bem que jamais peidaria no meu quarto – ela riu e eu também. – Enfim, qual
a palavra mágica para entrar?
- IDIOTA!
- Não, não é essa, mas tem sorte que
estou apertado.
Saí em direção ao banheiro deixando
para que ela abrisse a porta e entrasse. Já de frente ao vaso escutei Tatiana
espantada perguntando em voz alta se tinha alugado um apartamento ou um
almoxarifado. Não podia condená-la, a sala era uma interminável pilha de caixas
que por si só impressionava, mas ao lembrar que levei apenas minhas coisas de
necessidade básica tornava-se uma cena exagerada. Se tivesse que incluir algo,
seria a moto, que estava na rua obviamente.
- Ei, achei um sofá atrás das caixas –
é, tinha um sofá na sala. – Ele está meio sujo.
O sofá veio com o apartamento, ou
sempre existiu ali e construíram um prédio ao redor dele. O fato é que se
tratava de um sofá muito velho que permiti que fosse deixado, caso contrário
não teria onde dormir. Sim, foi uma decisão de desespero, inclusive depois de
ouvir o porteiro Pereira dizer que, na época que o apartamento estava vazio,
levou muita faxineira para trepar naquele sofá. Naquele momento optei por não
imaginar a cena dele com outra pessoa suando e respingando fluidos corporais
naquele estofado que um dia já foi bege e hoje é cinza. Assim como também
escolhi não imaginar como um homem de 1,90 metro de altura como eu dormiria em
um sofá de dois lugares. Como disse, foi uma decisão de desespero. Ou era o
sofá, ou era o chão.
- Por que você trouxe um sofá velho
imundo?
- Eu não trouxe, ele já estava aqui –
respondi voltando para a sala e pulando nele. – Faz algo de útil na sua vida e
pega uma água para mim.
Tatiana foi para a cozinha e, depois
de alguns segundos de silêncio, gritou que não tinha geladeira. Não dei corda
esperando os próximos gritos que aconteceram como esperava:
- NÃO TEM FOGÃO – ela gritou para
depois repetir as duas constatações juntas. – Essa casa não tem geladeira, nem
fogão.
- Você tem certeza?
- Bem, eu acho – ela respondeu ainda
da cozinha.
- Quanto tempo a mais você precisa
para confirmar isso em uma cozinha de 15 metros quadrados?
Tinha acabado de me mudar para um
quarto-sala minúsculo. A sala tinha espaço para um sofá, uma pequena mesa para
colocar um computador para trabalhar, um pequeno móvel para uma televisão e um
armário de uma porta para meus livros, restando apenas ao centro um espaço para
brincar apenas de guarda do Palácio de Buckingham, ou qualquer movimento me
faria esbarrar em um dos itens móveis recém listados. A cozinha era menor
ainda, sendo que sequer tinha área de serviço. Era tudo junto e apertado. Já
imaginava com antecedência que, quando chegassem os eletrodomésticos, para
abrir o forno, teria de colocar a máquina de lavar na sala e a geladeira na
casa da vizinha. Ainda bem que não cozinho, logo o fogão vai servir apenas para
fazer café e acender cigarro dos outros.
Tatiana concordou que a cozinha era de
fato pequena e depois contemporizou dizendo que para um solteiro era mais que
suficiente. De lá, ela voltou para a sala e foi para o quarto, de onde gritou
que estava vazio. Claro que estava vazio. Se tivesse cama, não estaria deitado
naquele sofá repleto de resíduos de terceiros. E se tivesse um armário, minhas
roupas não estariam amontoadas em caixas.
- Então qual o sentido em um monte de
caixas amontoadas aí na sala obstruindo a passagem e escondendo o sofá com
tanto espaço aqui no quarto?
- Tanto espaço?
Não tinha como evitar, o quarto era
pequeno em proporções minimalistas à sala. Com muito esforço e criatividade,
colocarei uma cama de casal e um armário suficiente para a quantidade necessária
de roupas para um cara sem vaidade que só usa jeans e camisas pretas.
- Tem razão – ela concordou. – Tanto
foi espaço foi exagero. Mas me explique tudo amontoado aí na sala e espaço
aqui.
A ideia era deixar o quarto vazio para
pintar, depois levaria tudo para o quarto e pintava a sala. E isso enquanto os
móveis não chegavam. Depois de explicado, ela se ofereceu para ajudar a pintar.
Dispensei, afinal o rodapé era do mesmo material do piso frio, logo não
precisava ser pintado.
- SENHOR – ela gritou, imaginei eu, do
banheiro. – ISSO AQUI É MÍNIMO! É UM BANHEIRO DE PLAYMOBIL?
O banheiro era um detalhe à parte no
quesito medidas ridículas daquela casa. Acredito que a privada estar
posicionada exatamente de frente para a porta era uma solução logística para
que a pessoa já entrasse de costas com as calças arriadas e bunda com a mira
apontada. Não bastante, tinha um box que, em tamanhos e estética, parecia uma
geladeira velha. Era impossível passar shampoo na cabeça sem bater com o
cotovelo na torneira. Tampouco podia abrir a água com vontade, caso contrário
ela passaria por cima da porta de acrílico (sim, sequer era um blindex) e
inundaria rapidamente o pequeno banheiro.
- Me explica – ela disse assim que
voltou para a sala, parando em frente ao sofá. – Por que um apartamento tão
pequeno?
- Cadê a minha água?
- De onde vou tirar água? Da privada?
Não tem geladeira aqui!
- Já pensou em pegar no filtro?
- Que filtro? Onde tem filtro?
- Vou te dar uma dica: começa com
“tor” e termina com “neira da cozinha”.
Logo após me chamar de idiota, ela se
virou de costas para mim e seguiu para cozinha. De lá, Tatiana gritou espantada
com minha torneira abóbora que, segundo ela, era ridícula. Bem, naquele momento
estava realizado porque ela reparou em todas as coisas bizarras da minha nova
casa, poupando assim meu tempo.
- Não tem copo nessa casa – depois que
ela me alertou que me lembrei que faltava esse item da lista das coisas
bizarras: a casa não tinha louça ou talheres. – Como vou servir água?
Tatiana voltou para a sala e perguntou
em qual caixa estavam os copos. Expliquei que em nenhuma. Nada de copos,
pratos, talheres, panelas, potes ou qualquer objeto útil para a alimentação de
um ser humano civilizado.
- E o que tem nessas caixas?
- Roupas e livros.
- Só?
- Pois é, foi o que consegui trazer.
E, veja bem, quase que nem isso eu consigo.
- Céus! Para que tanta caixa então, se
trouxe tão pouca coisa?
- Para brincar de forte e esconder esse
sofá imundo.
A verdade era que eu tinha muitos
livros e a minha ex-mulher não queria aqueles trambolhos ocupando espaço na
casa dela. Por isso consegui trazer todos. O resto das caixas era ocupado com as
minhas roupas que poderiam ter sido acomodadas em metade delas se eu fosse um
mínimo cuidadoso ao organizar. Leia-se no lugar de organizar, jogar dentro das
caixas.
- Ah sei lá – ela ainda queria divagar
sobre as caixas. – Podiam estar com outras coisas.
- Tipo o que? Minha louça chinesa? Meu
jogo de jantar francês? Minhas panelas profissionais de cerâmica?
- Seus pirus de borracha em diversos
tamanhos e cores.
Tínhamos uma diferença de quase dez
anos de idade e parecíamos duas crianças de onze anos conversando. Nossos
diálogos eram rasos e comumente terminavam com ofensas gratuitas ao reto
alheio. Ao olhar de outras pessoas, tínhamos uma relação nada saudável. Muitas
das vezes, para quem era novo, ficava a sensação de que estávamos brigando.
Não, nunca brigávamos, apenas implicávamos gratuitamente um com o outro da
maneira mais covarde e fora dos padrões possível. Talvez as pessoas tivessem
razão em dizer que não era algo saudável, mas nossa amizade se sustentava nisto
e estava funcionando perfeitamente.
- Quando chegam as coisas?
- Que coisas?
- Como que coisas? Não percebe que
estão faltando algumas coisas nesta casa? Tipo um porta-retrato, um recipiente
para colocar a escova de dente – ela faz uma pausa, revira os olhos e
prossegue. – A geladeira, idiota! Fogão! Cama! E um lança-chamas para incinerar
esse nojo de sofá.
- Ah tá – apesar de não colar mais com
ela, adorava me fazer de idiota. – Ainda não comprei.
- Como não comprou?
- Sei lá – dei com os ombros. – Estava
sem saco. Precisava tirar as medidas das coisas, pesquisar preço e rever necessidades.
- Larga de ser idiota – ela foi até a
cozinha e acenou para o vazio que lá existia. – Vai ficar vivendo como índio
até quando? Essas coisas demoram a ser entregues. Quanto mais para tempo
comprar, mais tempo sem isso.
Disse que não estava com saco de abrir
computador e conectar com o celular, pois não tinha internet na casa ainda.
Essa foi outra coisa que a levou à loucura, não ter contratado uma tv a cabo e
internet. Eu disse que faríamos tudo isto outro dia, naquele dia não. Ela
aceitou facilmente dizendo ser problema meu mesmo. Então se sentou no braço do
sofá e, depois de um tempo me olhando com uma expressão pensativa, sapecou a
pergunta:
- E como está a sua cabeça com a
separação?
- Ai caralho! Pega o notebook naquela
mochila preta. Vamos comprar as coisas.
- Vou pegar seu cu, se continuar
desconversando. Jamais imaginaria que...
- Está com fome?
- O que? O que isto tem a ver com a
história?
- Responde! Já almoçou?
- Não. Por quê?
- Vamos comer na rua. Lá conversamos.
Sempre consegui desconversar com a
Tatiana, mas hoje dificilmente o faria. Estava à mesa uma quantidade de
assuntos do interesse dela. Quando digo interesse, estou me referindo à
curiosidade dela. A separação era um deles. Ela sempre apostou que terminaria a
vida casado com a Maria Fernanda. Até eu imaginava isso no início, mas depois
que o tempo foi passando, somente uma idiota otimista como ela poderia
acreditar nisso.
Saindo do prédio, poucos passos depois
tinha um restaurante com jeito de arrumado, espirito de pé sujo e preço dentro
do meu orçamento. Estava sacramento que, na sua maioria das vezes, ali seria a
minha cozinha. Sim, porque não sabia cozinhar sequer um ovo frito, logo almoço
e janta ficariam sob a responsabilidade da Adriana, a simpática garçonete que
me atenderia pela primeira vez naquele dia.
- Olá – Adriana estava de volta logo
após nos deixar lendo o cardápio por alguns segundos. – Já escolheram?
- Eu vou querer a língua com purê – tomei
a iniciativa dos pedidos. – E, para ela, preciso de uma carne de segunda mal
passada que exija ser mastigada muitas vezes e assim evitar que fique falando.
- Idiota – a Tatiana me interrompe. –
Eu quero o frango grelhado com fritas.
- Ok! Frango com fritas para ela. Eu
continuo com a língua. É possível que seja servida a língua dela?
Adriana saiu rindo, mal sabia ela o
que aturaria pelos próximos meses. Tatiana, depois de misturar risada com
alguma ofensa a mim, voltou a tocar no assunto. Primeiro, afirmando que jamais
esperava aquilo. Pois é, ela é bastante repetitiva. Depois perguntando o que
disse quando saí de casa, o que ficou acordado, como a Maria Fernanda ficou e
outras coisas. Para a sorte dela, pratos do cardápio demoraram muito para ficar prontos, então deu tempo de responder tudo no detalhe.
Era óbvio que poucas pessoas não ficaram
surpresas com a notícia. Quase ninguém sabia do inferno que estavam sendo os
dois últimos meses. A saída foi rápida para diminuir a dor. Comuniquei à Maria
Fernanda que estava para sair de casa. Durante os três dias que dormi na sala
por escolha, procurei apartamentos pela região, no quarto dia me mudei. Estávamos
no quinta dia, ou primeiro oficial de separado. Nada foi acordado.
Indiscutivelmente, a Maria Fernanda ficou na merda. Proibiu-me de cogitar levar
qualquer coisa. Saí de casa com o básico como já dito. Confesso que não foi inesperado.
Orgulho ferido misturado com ódio. Ela precisava me atingir de alguma forma.
Claro que me fudeu com isso, mas não foi dessa forma que me atingiu.
- Como você está com isso tudo?
Não sabia responder. Era algo que já
vinha se consolidando por tanto tempo que acabou sendo imperceptível. Era
necessário. Eu precisava daquilo, mesmo sabendo que não queria. Precisava de
espaço, de individualidade e de paz. As pressões eram cada vez maiores. Muitas
dessas pressões eram naturais e esperadas em uma vida adulta de casado. Eu sei!
Não ligava para elas. Cresci em uma vida apertada de merda. O que estava
ficando cada vez mais intolerável era o ciúme pelas coisas erradas. Sim,
diversas alunas sem noção de limites se ofereciam das diversas maneiras
possíveis, mensagem pelo celular, redes sociais, festas do colégio etc. Não,
nunca me relacionei com elas. Não com estas que davam pistas, balançavam
bandeiras ou acendiam os holofotes sobre elas. Sempre fui maluco, mas nunca
burro.
- Acha que a Juliana acabou influenciando
nisso?
Juliana era uma aluna do terceiro ano
do supletivo no colégio que lecionava na Pavuna. Tatiana sabia das
intermináveis trocas de e-mails, olhares e carícias entre nós dois. Ela foi
minha aluna por quatro anos, desde os 18 quando decidiu retomar e terminar os
estudos. No primeiro dia que a vi, ela mexeu comigo. Séria, cabeça boa para
idade dela e, para completar, linda. Seu sorriso era hipnotizador.
- Claro que não! Nunca ficamos. Nem
selinho aconteceu.
- Nunca? E aquele monte de conversas que
me mostrou? Os dois estavam tão apaixonadinhos.
- Pois é – talvez tivesse pesado muito
na mão nas minhas mensagens na tentativa de envolver a Juliana, mas uma parte
do que dizia era verdade, sim. – Ela nunca ficaria com um homem casado.
- Sempre fui fã dessa garota. Ela tem
cabeça! Gostei dela de vez.
Claro que tinha gostado dela. A
Tatiana pode ter vários defeitos, mas não posso dizer que ela não veste a
camisa. Neste caso, ela veste a minha camisa. Aconteça o que acontecer, ela
sempre está do meu lado. Era do fã clube da Maria Fernanda sem nunca ter a
conhecido. Larguei a Fernanda, falei da Juliana, o slogam mudava para “Vai,
Juliana!”. Bastaria não dar certo que ela a odiaria mesmo sem motivo. A
retardada era muito fiel mesmo.
- E quando vão ficar então?
- Sem ser neste sábado, mas no outro,
será a formatura dela. Fui convidado para a festa. Acho que vai ser lá.
- Lá? Na frente de pais e amigos? Você
é louco?
- Sim, sim e sim.
- Por que não a chama antes para sair?
- Porque tenho coisas mais urgentes para
resolver.
- Mais urgentes que ficar com a pivô
da sua separação?
- Ela não foi pivô.
Não era justo jogar esta carga de
responsabilidade nas costas da Juliana. Ela já era especial demais para mim
naquele momento, mas estava longe ser a motivação. No lugar dela poderia ser
qualquer outra. Podia inclusive não existir outra. O casamento estava
inegavelmente fadado ao fracasso.
- Tá! E quais são as coisas mais
urgentes?
- Contar para os meus pais...
- Eles não sabem?
- Sabem, mas não por mim.
Assim que a caminhonete que aluguei
para levar aquele monte de caixas chegou, Fernanda foi para a rua para não
presenciar o momento. Talvez entediada, desorientada ou em busca de consolo,
ela ligou para minha mãe. Deve ter sido uma tragédia aquela ligação. Fernanda
era tudo para minha mãe. Era Deus no céu e ela na Terra. Fazia tudo por ela,
inclusive inventar dívidas inadmissíveis para realizar o sonho da Fernanda de
se casar em uma igreja e ter uma recepção digna do evento. Elas se amavam desde
o dia que as apresentei. Meu pai também tinha um carinho enorme por ela, além
de depositar todas as suas fichas nela como solução para me colocar
definitivamente nos eixos.
- Bem, o fato é que liguei rapidamente
para minha mãe hoje e no sábado iremos almoçar. Daí, conversaremos com calma.
- Ok, seu sábado estará comprometido
com seus pais. E nos outros dias? O que vai fazer de tão urgente para não poder
antecipar o desastre de ficar com a Juliana pela primeira vez na formatura?
- Pintar apartamento, arrumar as
coisas das caixas, comprar e receber móveis.
- Meu Deus, precisamos comprar os
móveis.
Ótimo, consegui desconversar. Pedi a
conta, agradeci à Adriana e saímos. Passamos na padaria antes para comprar umas
cervejas para bebermos enquanto fazíamos as escolhas. Já em casa, com notebook
ligado e conectado pelo celular, começamos a procurar em sites e escolher
móveis e eletrodomésticos. Tatiana se meteu em todas as escolhas com
comentários idiotas e sugestões escalafobéticas. Foi horroroso!
- Você é chata para caralho!
- A cala a boca ou não divido o sofá
com você hoje e te coloco para dormir no chão.
- Você vai dormir aqui?
- Aham!
Foi terrível!
Continua em Aflição de mãe
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