terça-feira, 27 de agosto de 2013

Um bloco uma caneta e o divã


Ai que delícia! Ai que brinde! Ai que decepção!
Uma das polêmicas mais banais que já vi sobre comida, e nesse ponto leia-se gordices, é sobre o artifício de conquistar o consumidor infantil com brindes na compra de algo. Mc Donald’s usa frequentemente esse recurso e não é ali que está o problema, até mesmo porque, olhando para a minha timeline, só vejo galalau desesperado atrás de brindes do Mc Lanche Feliz supostamente esgotados para completar a coleção.
Engana-se quem pensa que com brindes você cria uma criança dependente de comidas ruins e açúcar. Uma família com má alimentação e dieta nada regrada de açúcar que cria uma criança assim. Eu sou um caso de que uma coisa nada tem a ver com a outra. Sempre tive uma relação ruim com brindes e ainda assim sou viciado em açúcar (chocolate principalmente), além de priorizar sempre a pior alimentação possível.
Na minha infância, a relação gordice e brinde não era tão sofisticada como é hoje em dia. A lembrança mais antiga que tenho remete ao biscoito de chocolate que hoje leva o nome de Bono. Naquela época, ele nem tinha nome, era apenas biscoito de chocolate da São Luiz. Já o brinde era um adesivo daqueles fofos (no sentido de apertar e afundar mesmo) da Turma do Snoopy. Confesso que comi muitos pacotes, mas nunca completei a coleção. Eram sempre os mesmo que apareciam: Lucy, Marcie e Paty Pimentinha. Como não ligava muito para brindes, só queria mesmo comer o biscoito, aquilo não me incomodava tanto.
Passado um tempo, veio o chocolate Surpresa. O nome é obviamente explicado por trazer uma surpresa, cuja, diga-se de passagem, era de uma pobreza sem tamanho: um cartão com a foto de um animal e informações sobre ele na parte de trás. Se fosse hoje em dia, isso seria motivo para um filho dessa geração bunda-mole justificar um trauma e sair matando todos os coleguinhas na escola, somente porque ganhou um brinde ridículo dos pais. Mais uma vez, minha relação com os brindes não era a melhor de todas. O brinde do chocolate Surpresa era voltado para algum assunto em específico em cada época do ano. Tivemos Feras da África, Animais do Cerrado, Mundo Marinho e por aí vai. Na época de Animais do Cerrado, sempre tirava o veado campeiro. Quando foi Feras da África, revezava entre gazela e antílope, mas esporadicamente aparecia um gnu, que nada mais do que uma gazela metrossexual bombada com chifres estilo Lady Gaga. Na época do Mundo Marinho era a minha chance de tirar algo um pouco diferente, mas, aparentemente, a diversidade dos setes mares também é grande o suficiente para me pregar peças. Quando achava se tratar da oportunidade de tirar um temido tubarão branco ou o cobiçado marlin azul, me apareciam a estrela-do-mar, a moréia e o peixe-espada (que nem é tão másculo quanto o nome sugere).
Na época em que o Kinder Ovo chegou ao mercado, eu já era suficientemente viciado em chocolate para me abalar com brindes ruins e, convenhamos, esses eram o piores. Não que sejam de baixa qualidade ou não existia interesse nos temas que eles escolhiam. Não! Muito pelo contrário! Vi diversos conhecidos colecionando miniaturas da Hanna-Barbera, veículos bem transados de todos os tipos, peças que quando reunidas formavam robôs irados e até personagens de mundos fantasiosos de elfos e ogros. Mas comigo, bem, comigo nada disto aparecia. Comigo era sempre peça para montar uma réplica da Barbie. Eu podia comprar uma caixa fechada com 50 Kinder Ovo (seria o plural Kinderes Ovos?) que não sairia, sequer, um brinde diferente de uma peça para montar a cópia fajuta da Barbie. Se comprasse por teimosia a caixa com 50 unidades, ao final teria uma Barbie feia de três metros de altura.
Era claro que alguma entidade relacionada a chocolate e brindes estava tentando me mandar alguma mensagem subliminar. Até mesmo para alguém da minha idade na época isso estava bem óbvio, tanto que passei a observar melhor a rotina das outras pessoas para tentar identificar em qual gordice teria mais sorte com os brindes. Foi então que notei os picolés de fruta da Kibon. Existiam quatro sabores: coco, limão, tangerina e uva. Ao final sempre era possível encontrar uma frase no palito, ou dizendo para ter mais sorte na próxima vez, ou anunciando que acabara de ganhar outro picolé grátis. A premissa ali envolvida era a ideal, não tinha surpresa desagradável. Existiam apenas duas opções e ambas, mesmo sendo uma delas nula, me agradavam. Passei então a notar o padrão da Kibon de influenciar a demanda dos picolés. Os sabores que tinham mais saída raramente eram premiados, já o de limão, o qual poucas pessoas compravam, sempre era premiado. Estratégia estabelecida, lá fui eu na padaria comprar o picolé de limão, somente pelo prazer de ganhar algo. Optei por comprar quatro de uma só vez, assim teria quatro palitos premiados, três deles trocaria pelos de outros sabores e o quarto trocaria por outro de limão para dar continuidade ao suposto fluxo infinito de sorvete de limão grátis. Chegando então em casa, terminado o primeiro veio a mensagem: “Não foi dessa vez. Kibon agradece!”. Fiquei um pouco frustrado, confesso, mas as chances permitiam essa possibilidade. Segui para o segundo com a certeza de ter mais chances: “Não foi dessa vez. Kibon agradece!”. Parecia que tinha conseguido comprar do único lote não premiado de picolés de limão, mas não desisti e segui para o terceiro certo da vitória: “Não foi dessa vez. Kibon agradece!”. Sobrou apenas um e nem pensei duas vezes, mesmo com a cabeça doendo de tanto gelo, fui voraz para chegar logo ao final e terminado me deparei com a mensagem: “Mas vai gostar de chupar assim lá em casa, hein?”.
Pois é, e aí, vai insistir em falar que brindes e má alimentação andam juntos? Só não entreguem este texto ao Feliciano, ou ele vai ligar os pontos e criar a relação entre brindes e homossexualidade.

sábado, 17 de agosto de 2013

Um bloco uma caneta e o divã





 
Fim de Ciclo (Cefet-RJ)

Aproximadamente oito anos atrás, lá estava eu entrando na antiga coordenação do curso de Administração Industrial no terceiro andar do Bloco E do Cefet. Logo na entrada, um balcão enorme, um funcionário me dá boa tarde (lembro que era bem perto de seis da tarde) e respondo que precisava falar com a professora Mirian. Após ser chamada por ele, ela aparece. Por breves segundos, ela me analisa da cabeça aos pés. Novo, em torno de 26 anos, All Star branco, uma calça de tecido mole (sou péssimo para essas coisas) de cor cinza, camisa polo branca, barba feita e cabelo curto com gel. Em suma, uma pessoa totalmente distinta do que sou hoje.
Pela imagem que tinha à sua frente, sua suposição de que se tratava de um aluno era potencialmente correta. Perguntou no que podia me ajudar e respondi com a cara de cretino que o tempo não muda e ainda tenho: “Não, eu estou aqui para te ajudar!”. Ela deu um largo sorriso, já sabia quem eu era, e me convidou para entrar. Ali se iniciava, quem diria, a minha, até hoje, mais longa experiência profissional. Tanto no meio acadêmico, como no meio corporativo.
Supostamente, como me foi apresentado, a necessidade da minha ajuda por lá era baseada na total incapacidade de um professor em lidar com as turmas de Cálculo I e Cálculo II do curso em questão. E isso era algo amplo, envolvia relações interpessoais, montagem do curso, transmissão do conteúdo etc. Enfim, eles tinham um problema que só poderia ser resolvido de duas maneiras: Ou trocava o professor, ou assumia o risco fazendo a turma ter de aprender a lidar com tal excentricidade. Escolheram a primeira.
Naquele mesmo dia montamos uma nova ementa para as duas disciplinas. Foram tantos os cortes que passou a ser imprescindível fornecer uma carga considerável de exercícios para suprir a carga horária. Após isso, foi combinado de retornar no dia seguinte para a primeira aula com a turma.
No dia seguinte, no Auditório 4-H, iniciava efetivamente a experiência. Confesso que não tive a menor maldade quando a Mirian disse que as aulas aconteceriam em um auditório. De qualquer forma, maldando ou não, lá estava eu e exatos 117 (CENTO E DESESSETE!!!) alunos. Este é um número que nunca mais esquecerei. Mesmo com já alguma experiência em sala de aula, seja com turmas grandes ou pequenas, um número como esse assusta. Com isso, no primeiro momento é inevitável ter a vontade de ser Moises, levantar os braços, separar a turma em duas partes e anunciar: “Turma da esquerda, estão todos aprovados! Podem sair! Turma da direita, vocês aprenderão cálculo!”. Mas não era possível, então tive de, literalmente, enfrentar os 117.
Naquela primeira turma podíamos separá-los em calouros que tinham acabado de entrar no curso (Cálculo I é uma disciplina do primeiro período) e repetentes. O grupo que mais me preocupava era o dos repetentes. Alguns estavam fazendo aquela disciplina pela terceira, quarta, quinta vez, e, convenhamos, independentemente de ter sido com um professor adequado ou não, muitos estariam fazendo novamente. O receio imediato era de que essa parcela de alunos se aproveitasse da turma grande que, por consequência, teria um controle limitado por mim, e utilizasse métodos escusos para conseguir a aprovação.
Enfim, a solução para isso era mais simples do que se imaginava: Tocar o foda-se! Não sou músico e nem tenho talentos musicais, mas se pudesse entrar para uma orquestra, pediria sem pestanejar o Foda-se. Toco o Foda-se como ninguém. Solos, arranjos sofisticados, improvisos, tudo bem fodido (literalmente). Talvez este seja o meu charme que faça grande parte dos alunos gostar de mim.
O curioso é que, mesmo estando em um ambiente novo, com características que tendem a um cenário hostil, consegui me adaptar e sobreviver. Aliás, um pouco acima do esperado. Aquele semestre transcorreu muito bem e, ao término, mesmo com poucos meses de casa, deixava já registrada a minha marca: Facilidade no relacionamento interpessoal com os alunos.
Nesses oito anos, ou dezesseis semestres, podemos estimar uns 1.300 alunos nas sete disciplinas diferentes que lecionei. Já tive de tudo, alunos excepcionalmente bons, zebras falantes, psicopatas, doidos, picaretas, almas polacas de tão puras e os dentro da média. Obviamente, o que se espera é que os extremos se destaquem de alguma forma, conservando alguma lembrança, enquanto que os aparentemente normais acabam sendo lembrados muito mais pela convivência.
Não vou cometer a injustiça de falar pontualmente de alguns alunos, tão pouco de turmas. Até mesmo porque nas vossas colações de grau já costumo falar sobre cada um, sem exceção.
A primeira coisa que fica clara quando se começa a dar aula por lá é que, apesar de ser em uma graduação, todos serem maiores de idade e pleitearem um tratamento de adulto, agem sempre como crianças perdidas esperando por algo na mão. É sempre mais fácil perguntar aleatoriamente algo do que pegar as informações no sistema ou procurar no mural do curso. A consequência imediata é um bando de alunos vagando pelos corredores até achar a sala de aula e, como nos meus primeiros anos por lá, as portas não tinham vidro, eles precisavam abrir. Era um inferno! A cada dez minutos um aluno abria a porta, via o que estava acontecendo dentro da sala e ia embora. Sabe aquela mania de que para espairecer um pouco a pessoa vai até a cozinha e abre a porta da geladeira para pensar? Então, me sentia como uma margarina na geladeira de um albergue para pessoas com problemas de concentração.
Com o tempo passaram a colocar vidros nas portas e, o curioso foi que, as pessoas que antes tinha cara-de-pau suficiente para abrir a porta e interromper uma aula, agora tinham vergonha de parar por cinco segundos para ver o que estava acontecendo. Resultado, a cada cinco minutos era um aluno passando devagar pelo corredor rente à porta, olhando para dentro da sala “de canto de olho” para tentar identificar que aula era aquela. Como se não bastasse, para alguns aquela “olhadela” não era suficiente para identificar, e, com isso, iam e vinham algumas vezes, naquela velocidade bem lenta, encarando a sala. Era aterrorizador! Parecia que tinha um serial killer escolhendo a sua vítima.
Dentre as diversas experiências que vivenciei, lá tive a oportunidade de conviver com relativa frequência com duas irmãs gêmeas: Carolina e Vanessa. Sempre tive a curiosidade sobre gêmeos. Acho assustador duas pessoas idênticas das quais, você não consegue saber quem é quem. Algumas pessoas afirmavam que era possível diferenciá-las. Para mim, eram idênticas e isso sempre revela aquela metáfora de conhecer a pessoa sem saber de fato quem é. Isto é, de rosto, sei quem você é, mas por dentro, não tenho tanta certeza. Agora imagine isso com gêmeos, troque a personalidade pelo nome. Pronto, fica bem clara essa dualidade.
Ainda sobre o mundo dos gêmeos, um dia, para saciar minha curiosidade, cogitei colocá-las sentadas em locais opostos da sala para fazer prova. Daí, em determinado momento de total concentração, beliscaria uma delas para ver se a outra gritaria de dor. Sei que é bizarro, mas já ouvi tanta coisa sobre gêmeos. Soube de uma mulher que, certa vez, teve uma longa crise de falta de ar com momentos ofegantes. Depois descobriram que sua irmã gêmea, que morava em outro estado, estava tendo uma intensa relação sexual naquela mesma hora. Ou o caso dos irmãos gêmeos da Pavuna, os quais quando um tomava banho, o outro que ficava limpo.
Nesta jornada pude comprovar duas teorias minhas. A primeira, que o aluno tem pacto com o diabo. Se existe uma pergunta que você não saberá responder, ele vai fazer. Se você estiver em uma situação constrangedora, ele vai aparecer. Se ele puder infernizar sua vida, ele o vai fazer.
A segunda, de que as meninas amadurecem muito mais rápido que os meninos, e, por consequência, ao final do curso, temos mais meninas que meninos se formando. Eu mesmo posso me usar como exemplo, pois, assumidamente, tenho a maturidade proporcional a de um garoto de 15 anos em uma loja de gibis. Ainda assim, existem casos de evolução que merecem ser destacados. Um deles é o do Túlio, cujo não me canso de falar, tanto para ele, quanto para os outros. Tulio entrou no Cefet com a mentalidade de um adolescente fútil. Nada queria com a vida, tanto que seu desempenho era uma prova disso. Hoje, 48 semestres depois, ele mudou muito. Está responsável e focado para se formar e seguir a carreira. Tudo bem que medindo com calma, talvez sua maturidade hoje bata com a de um guaxinim apaixonado que saiba usar o Instagram, mas a reconhecida evolução precisa ser dada.
Assim como tenho orgulho de falar que participei do processo de amadurecimento do Tulio, digo que tenho todas as fichas apostadas no João Otávio. Sei que vou perder feio por apostar naquele lambari comprido, mas vou me divertir muito enquanto isso pelo menos.
Em sala de aula tive todos os tipos de experiências possíveis. As mais inusitadas viraram histórias e aprendizado, as divertidas viraram lembranças, as tensas viraram assunto de sessão de terapia e todas, mesmo beirando o clichê, foram prazerosas.
Como disse, minha facilidade de relacionamento interpessoal com os alunos sempre foi uma vantagem. Ao mesmo tempo, foi um problema, pois algumas pessoas não entendiam muito bem aquela cena de o professor no meio do bosque do Cefet falando besteira como se fosse um deles. Para muitos dos medalhões ali presentes, o professor universitário precisa ter um posicionamento verticalizado e distanciado dos alunos. Aquilo que fazia era uma afronta e uma aberração. Bem, para eles. Para mim era normal. Construí minha carreira em colégio passando o recreio todo no pátio. Jogava bola com os alunos, ficava ouvindo as lamentações das meninas, discutia seriados, filmes e desenhos animados. Em suma, estava sempre no meio deles e sempre fiz questão de fazer com que se sentissem relativamente próximos de mim. Obrigado a todos os alunos.
Do outro lado da porta da sala de aula estavam alguns professores que tive o prazer de conviver cujos merecem, pelo menos, um parágrafo. Não falarei da Miriam por motivos óbvios (que é não parecer óbvio), tão pouco do Marcelo Nogueira que me atura por 15 longos anos de amizade torturosa. Mas outros, sim, precisam ser lembrados.
De todo o corpo docente, dois professores, para mim, são monstros: Manhães e Teylor. Ambos pela inconfundível capacidade de preparar uma aula, repassar o conhecimento e, antes disto tudo, dominar o conteúdo. O que os diferencia entre si está na personalidade deles.
Mario Manhães tem aquele jeito tranquilo, algo bem sulista, uma fala mansa, quase uma lábia. Quando se dá conta, ele já te ensinou uma grande carga de conteúdo e ainda passou a mão na sua bunda sem que percebesse. Já o Teylor é ácido, mordaz, está te sacaneando e você nem percebe. Talvez por isso ele viva nos extremos. O lema dos alunos com ele é 8 ou 80, ame-o ou deixe-o. Mas isso é compreensível quando, de um lado, temos com cara que por saber muito e ensinar muito, pode cobrar muito e do outro, temos alunos que estudam pouco, se dedicam pouco, mas querem reclamar muito.
Outros professores tiveram influência mais na minha forma de pensar sobre as coisas e refletir decisões. Foram praticamente orientadores profissionais e/ou pessoais. Mauricio Castanheira, o qual é impossível não se apaixonar pelo seu perfil de ursinho Pimpão. Na primeira vez que o vi tive vontade de colocá-lo na estante do meu quarto. Só não o fiz porque ela já estava lotada com o Manoel, Henrique e Laryssa. Ainda assim, tive o prazer de várias conversas com ele. Todas foram pautadas com determinados assuntos e falamos outros completamente diferentes. Beth entrou como o maestro da orquestra. Disse para que parasse de tocar o Foda-se e começasse a tocar a Cautela. Confesso que esse novo instrumento é complicado demais, mas tenho praticado bastante. Em tempo, nenhum dos dois passou a mão na minha bunda.
Dentre os professores cujos desenvolvi uma relação de coleguismo, o Fabio Simone é a prova viva de que desenho animado pode virar realidade. Ele é a versão em carne e osso do Charlie Brown e Linus em uma única pessoa. Já o Marcelo Maciel é o cara ideal para os dias nos quais estiver cabisbaixo. Ele ri de todas as suas piadas, fala que tudo dá certo e ainda te deixa comer os biscoitos do próprio armário. Sobre mão na bunda, o Fabio não sabe ao certo se passou ou se passaram, disse que depende, e o Maciel riu coçando a cabeça.
Mas de todos, o que mais ganha a minha admiração reconhecida é o professor Silvino, cujo sempre chamo de “Meu Herói”. Ele tem o perfil perfeito para os que querem uma desculpa para colocar o burro na sombra e ficar como inútil. Mesmo assim, continua dando aulas e participando ativamente de seus projetos de caráter de responsabilidade social e ambiental. Seu engajamento é tamanho que para conseguir um ponto nas suas disciplinas basta levar 10 latinhas de alumínio para reciclagem, levando uma garrafa pet com óleo de cozinha usado, você ganha dois pontos, e, para aprovação definitiva, basta levar um moleque da cracolândia ou um índio do Maracanã para casa.
Por fim, só tenho a agradecer a todos por tudo. Por terem me recebido de portas abertas, dado um tratamento igualitário e criado condições para que pudesse fazer o meu melhor. Sei que nos veremos por aí e espero que isto aconteça.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Transbordando o ácido


Games e a raivinha descontrolada


O tema mais discutido no momento é a chacina de uma família de policiais militares no Estado de São Paulo. Tema mais recorrente, a suspeita de o filho de 13 anos ter feito tudo sozinho.
Confesso que não me aprofundei nem um pouco sobre os maiores detalhes do caso para emitir uma opinião sobre. E, mesmo se tivesse, não tenho energia para esse tipo de discussão. A minha motivação para falar sobre o assunto é o retorno àquele batido argumento de que os jogos violentos que o menino era fã foram potencialmente cruciais para influenciá-lo nesse tipo de comportamento.
A ladainha começou quando os jornais, revirando os perfis de redes sociais das vítimas, notaram que a foto principal do menino era de um personagem de jogo de tiro, mortes, sangue e outras nojeirinhas supostamente influenciadoras de personalidade. Daí, a coisa se desenrola (ou piora) quando um amigo diz que ele era viciado em jogos deste tipo. Pronto, começam as opiniões dos especialistas em nada, e normalmente esses são os mais procurados para dar entrevista. Pois bem, já publicaram, ficou por dias nas capas de jornais, revistas e portais de notícias. Não vou discutir, vou usar a mesma premissa e ver onde errei.
Iniciei minha vida nesse meio dos jogos pelo Atari. Meu jogo favorito era Pitfall. Foram anos e mais anos pulando jacarés, me balançando em cipós e, ainda assim, na única vez que tive a oportunidade de usar um cipó, minhas mãos não aguentaram e caí de costas no chão. Talvez por tanto jogar com aquele controle maldito do Atari, minhas mãos ficaram frágeis demais e não suportaram tamanha aventura selvagem.
Outra influência, ainda sobre este jogo, que deixei escapar, foi a certeza de que nunca me perderia. Bastava continuar correndo que chegaria ao mesmo ponto que passei alguns minutos atrás. E, diga-se de passagem, esta influência do jogo, somada aos cenários dos desenhos do Manda-Chuva, criava a eterna sensação que de estamos sempre andando em círculos. Ainda assim, continuei andando por aí prestando atenção no caminho para não me perder. Não foi dessa vez que o videogame influenciaria de forma perigosa nas minhas ações.
O tempo passou, trocamos as plataformas e mesmo assim continuávamos expostos às más influências de games. A febre do momento era o chamado Nintendinho e seu garoto-propaganda Mário Bros. Foram tardes e noites seguidas pulando, correndo, entrando em canos, crescendo de tamanho, diminuindo novamente e por aí fomos. Por sorte, ou por não ser tão sugestionável assim, quase não fui influenciado por eles também. Hoje não dou cabeçada em tijolos para achar moedas, não pulo em tartarugas que estão pelo meu caminho, nem entro em manilhas na esperança de achar um novo mundo. De fato, uma vez ou outra tomei cogumelo, mas tenho certeza absoluta que não foi para crescer.
Nesta mesma época surgiu a paixão pelo futebol. Salvo engano, desperdiçava em média 8 horas por semana assistindo partidas de todos os tipos. Ironicamente, mesmo sendo diversas vezes anunciado que a televisão influencia no comportamento da mesma forma que o videogame, não me tornei craque. Muito pelo contrário, tornei-me preguiçoso e, possivelmente, atrofiei alguns músculos do corpo de tanto sedentarismo.
Mais uma vez mudamos de plataforma, Super Nintendo e Mega Drive. Com eles, vieram Street Fight, Shadow of the Beast, Revenge of Shinobi, Street of Rage e, o mais polêmico e violento de todos, Mortal Kombat. Pronto, tinha tudo para ser a criatura mais agressiva do bairro. Aliás, se me permitem a correção, o meu prédio tinha tudo para ser o mais violento de todos. A molecada toda era viciada nesses jogos. Excluindo dois dementes, que já eram assim antes da televisão colorida, ninguém mais por lá foi visto arrancando cabeças, destruindo carros por livre prazer, praticando o arremesso de estrelas ninja ou andando com latas de lixo nas mãos para jogar nos outros no Metrô. Confesso que uma vez ou outra fui flagrado em batalhas épicas com monstros imaginários na piscina do prédio, mas isso estava muito mais atrelado à esquizofrenia do que influência de games.
Assim como a televisão, segundo muitos daqueles especialistas em conhecimentos diversos, os filmes também eram capazes de influenciar a personalidade e as ações do indivíduo. Não preciso entrar no mérito dos filmes que mais assistia a partir da minha puberdade, mas se essa teoria deles fosse de fato verdade, hoje seria a melhor máquina de sexo já vista. E, convenhamos, o que melhor sei fazer na cama é dormir!
Enfim, pode até ser que em algum momento essa teoria faça sentido comprovado em alguém, mas comigo foi uma nulidade. Anos de games, filmes, televisão e não tive um pingo da minha personalidade alterada. E, para piorar, ainda moro de aluguel. Vejam só, foram quase duas décadas jogando Banco Imobiliário e ainda não comprei meu hotel na Rua Augusta ou duas “casinhas” na Brigadeiro Faria Lima! Deve ter tirado cartas de revés demais. Vai ver foi isso.

Bloco, caneta e divâ


Aniversários
Nunca gostei de comemorar o meu aniversário e várias pessoas sabem disso. Talvez seja por conta do meu complexo de adolescência tardia. Mentira! Não tenho isso. Para sofre disso, preciso primeiro sair da adolescência e depois, quando já adulto, tentar reviver essa época. Eu nunca saí da adolescência! O que tenho é complexo de Peter Pan. De qualquer forma, o fato é que não gosto mesmo! E acredito que isso tenha causado estranheza quando decidi comemorar por cinco dias seguidos este ano.
Sendo justo, eu não optei por comemorar, optei por exorcizar esse trauma de aniversário que possuo. Não deve ser muito normal uma pessoa não gostar de comemorar o próprio aniversário. Ficar velho até entendo, mas comemorar? Não, de fato isso nada tem relação com o desejo de permanecer sempre jovem.
Sou da bandeira que toda pessoa deve fazer terapia. O problema está em encontrar um profissional bom o suficiente para lidar com seus dilemas e frescuras intraneurais (sic?). Já tive alguns terapeutas e mais alguns tarjas-preta, mas nenhum que fosse satisfatoriamente capaz de abordar esse assunto. E, na falta de, nada como o bom e velho papel. Bem, nesse caso, o Word mesmo.
Minha recordação mais antiga de aniversário deve ser de quando fiz dois ou três anos. Festinha dentro de casa, bolo Pullman com jujubas ao redor (era uma época difícil), várias tias, senhoras, pessoas de idade e nenhuma criança. Minhas duas avós resolveram me dar o mesmo presente, um triciclo. A avó paterna, por possuir uma situação mais apertada, me deu um modelo mais simples: banco de duro, guidão de ferro cru e buzina de plástico. Já minha avó materna, sempre elitista, deu um modelo completo: banco ergonomicamente projetado, guidão com pegada mais fácil (quase uma direção hidráulica), na frente o rosto de um palhaço e rafias penduradas na manete. Foi um duelo entre elas, qual modelo ele vai gostar mais? Teremos de trocar o que for rejeitado? Acho que acabei ficando com ambos e, ainda assim, meu presente favorito foi um quadro-negro. Minha mãe odiou aquilo:
- Mas nem a pau que o Rafael vai brincar com isso! Vai cagar a casa toda de giz!
Ela sempre foi muito enfática ao expressar sua opinião e, sem opções, fui uma criança muito obediente. De fato, não me lembro de ter brincado com ele. Assim como não me lembro de ter brincado com a barraca de índio e a da Turma da Mônica que supostamente faziam muita bagunça na casa.
Quando minhas festas começaram a ser comemoradas fora de casa e com crianças, elas adquiriram uma característica bastante peculiar dentre as outras: ninguém roubava brigadeiro antes do “parabéns”. Como disse, minha mãe era muito enfática e, naquela época, além de expressar bem que era contra o consumo precipitado de doces, ela andava pela festa com um apito em mãos. Isso é sério! Se algum fedelho ameaçasse mover a mão na direção da mesa, o apito era soado em alto som. Bastou uma festa para a fama de Dona Sonia e seu apito se espalharem. Nunca mais uma criança ousou roubar um brigadeiro nas minhas festas. Alguns amigos desenvolveram diabetes psicológica só para não cair em tentação. Aquilo foi a Era do Terror.
- Muitas felicidades – cantavam todos batendo palmas. – Muitos anos de vida!
E ao final todos ficavam paralisados olhando para minha mãe. Daí, ela dava o sinal de positivo e todos avançavam seguindo as regras dela:
- UM DE CADA VEZ – ela berrava! – E SÓ CINCO PARA CADA UM!
Graças à Dona Sonia, era uma época sem obesidade infantil. E o mais engraçado nisso era que, mesmo com o sistema comunista do brigadeiro imposto por ela, em casa tinha sempre uma caixa lotada só para mim. Deve ser por isso que até hoje sou viciado em chocolate. Coisas de filho único.
Caso ainda esteja lendo isto, saiba que a parte dos presentes era a pior. Nunca na história um convidado me cumprimentou com o presente em mãos. Ao chegar à festa, o convidado entregava o presente para algum encarregado de Dona Sonia que o devidamente identificava e guardava em um baú (o presente, não o convidado). No dia seguinte, antes que pudesse tocar no presente, ele era minuciosamente aberto para não estragar o papel de presente (era importante ter o papel em bom estado para casos de troca) e catalogado em uma lista com o nome de quem deu e o que era. Minha mãe praticamente tinha inventado o sistema de segurança hoje utilizado na Casa Branca. Imagine o demônio que ela seria hoje com o Excel e SQLs da vida.
Naquela época era muito comum a presença de animação e/ou pessoas fantasiadas nas festas. Em uma delas contrataram quatro personagens da Disney: Mickey, Pateta, Pluto e Pato Donald. E só podemos afirmar que eram eles porque olhei com muita atenção na época, eram feios de dar dó. Posso dizer que tive na minha festa um protótipo da Carreta Furação. Juro que me senti lisonjeado ao ter ilustres presenças no meu aniversário. Mas isso só durou uns dias, mais precisamente, até a inauguração da primeira Drogaria Pacheco da Praça Saens Peña com os mesmos personagens lá presentes.
Dois anos depois tive a minha primeira experiência nerd, contrataram três super-heróis para a minha festa. Não posso negar que foi um alvoroço: Homem-Aranha, Capitão América e Mulher Maravilha. Contudo, como sabemos bem, eram os anos oitenta. Acontecia de tudo e nada era considerado estranho. O Homem-Aranha visivelmente era viciado em algo, pois ficava traqueando o tempo todo. Acredito que a fantasia era muito conveniente para esconder as marcas de pico. O Capitão América era uma bichona. Todo afetado, calça entrando na bunda e bulinando as crianças na hora do aperto em volta da mesa do “parabéns”. Diz a lenda que ele fazia performance na Galeria Alaska como Cindy Lauper. E a Mulher Maravilha, segundo alguns pais, era uma garota de programa bem conhecida na região. Com seu short deliciosamente curto, pernocas de fora e fama de fazer preços promocionais, ela provocou um problema sério. As mães ficaram possuídas com os pais que não paravam de babar sobre ela. Inclusive, teve um que babou literalmente nela depois da festa no banheiro e acabou ganhando um divórcio. Mas isso é outra história. De qualquer forma, acabara de completar oito anos e finalmente ganhara minha primeira boa recordação de aniversário: uma puta paga!
Com a chegada da puberdade tivemos as famigeradas Festas Surpresa que deveriam mudar o nome para Festa Óbvia Modinha. TODOS ganhavam esta festa. Ficava claro que, se no seu aniversário TODOS esqueciam de te desejar felicidades, era porque teria essa festa e, de quebra, era muito mais barato, nada que meia dúzia de refrigerantes, alguns salgadinho e bolo não resolvesse. Ainda dispensava a necessidade de brigadeiros e sua vigilância antissaques.
Na adolescência, foram as festas com DJ, música alta e nenhum adulto. Tios, avós e parentes com mais de 30 anos, como era falado na época, seria mico na certa. Só os meninos com tênis da Redley, camisa da Company e bermuda da Píer e as meninas de vestido que esnobavam todos. Ainda assim, na festa de 15 anos todos se divertiram bastante. Desta nada posso reclamar. O problema foi no ano seguinte. O rigor sobre o controle de brigadeiro virou saudade quando Dona Sonia criou o regime facista anti-álcool. Agora imagine uma festa de 16 com adolescentes problemáticos e rebeldes sem uma gota de álcool sequer. É claro que foi um tédio! Mesmo com o DJ se esforçando colocando todos os lixos dance music da época, o clima era de funeral. Enquanto na maioria das festas da época as pessoas faziam esquemas mirabolantes para penetrar onde não eram convidados, na minha rolava túnel secreto e corte na grade do prédio para fugir sem ser notado.
Posso precisar que foi nesse fatídico aniversário que estabeleci de vez que comemorar aniversário não era comigo. A porrada final foi quando precisei ir em casa para pegar algo (provavelmente gasolina e fósforos para tacar fogo em mim e animar a festa). O elevador estava muito tempo parado em um andar e isso é sempre sinal de casal. Não fui maldoso e esperei pacientemente. Ao abrir a porta lá estava ela, minha paixonite da época (hoje o termo é crush) que nunca me deu bola (até hoje, que fique anotado) agarrada com um cara pelo menos 8 anos mais velho que ela. Se soltaram, disfarçaram como nada tinha acontecido e o imbecil me solta: “Vamos embora dessa merda de festa! Vamos para um local mais sossegado!”. Que ótimo não? Em um minuto ouvi o óbvio sobre a festa e recebi em primeira mão que minha musa seria devidamente fodida pela mesma pessoa. Por sorte, ela foi uma pessoa bem sensata. Notou que ele fizera um comentário infeliz na frente do aniversariante e resolveu alertá-lo. Contudo, no desespero de me fazer por superior, resolvi cumprimentá-lo e acabei dando um tapa no pau dele, que diga-se de passagem,, estava bem duro. Ok, podíamos encerrar por ali.
Dali em diante foram confraternizações com pais e avós em pizzarias, grupinho de amigos em bar e nada de especial. Sempre com a minha má vontade de sempre. E, convenhamos, com todo motivo. Tanto que até atender ligações era chato:
- Parabéns!
- Êêêêêêh!
- Tudo de bom!
- Obrigado!
- Muita saúde e paz!
- Sempre!
- Dinheiro!
- Sim! Claro!
- E que todos os seus sonhos se realizem!
- Vamos torcer!
Era sempre a mesma coisa. Em alguns anos desligava o celular. Em outros, respondia tão automaticamente que a pessoa poderia falar qualquer coisa que a resposta seria sempre a mesma:
- Seu verme maldito!
- Êêêêêêh!
- Que tenha gonorreia nos olhos!
- Obrigado!
- Que enfiem uma lança em chamas no cu!
- Sempre!
- NO CU!
- Sim! Claro!
- Espero que sangre lentamente até morrer!
- Vamos torcer!
É sério! Odeio comemorar o meu aniversário. Tanto que se perguntarem qual foi o melhor de todos, responderei sem pensar duas vezes: Um ou dois anos atrás. Era ainda casado com a desgraçada da minha ex-mulher. Não, ela não é uma desgraçada! Muito pelo contrário, é a pessoa mais maravilhosa que conheci, mas qual a graça de se ter uma ex-mulher e não chamar de desgraçada? É como ter um chefe e não chamar de maldito! Enfim, retornando, naquele ano criamos uma mentira. Falamos para a família que iríamos comemorar com o pessoal do trabalho, para o pessoal do trabalho falei que ia comemorar com os amigos, para os amigos disse que ia comemorar com os alunos e para os alunos bastou dizer que não ia ter aula que nem perguntaram o motivo. Ficamos em casa. Foi uma depressão sem fim. Rádio e TV desligados, luzes apagadas e os dois na cama refletindo sobre o rumo das nossas vidas. Rimos, choramos, ficamos calados. Não teve “parabéns” e brigadeiros para tentar roubar. Adorei!
Este ano resolvi sair cinco noites seguidas. Cinco! Dormi em cinco noites menos do que durmo em uma. Fui a lugares completamente diferentes e opostos. Em nenhum cantaram parabéns. Recebi quase 200 mensagens de aniversário no Facebook. Não sei se exorcizei, mas me diverti. Quem sabe ano que vem faço uma festa gigante? Bem, isso vai depender se a Receita Federal permitir.
E neste momento, se ainda está lendo isto tudo, muito obrigado. Acaba de me poupar algumas sessões de terapia. Talvez tenha te ajudado a refletir sobre algo importante na sua vida. Como, por exemplo, como ocupar melhor o seu tempo. Não sei. Aqui ajudou bastante.P elo menos a manhã passou mais rápida enquanto redigia este texto.