Carina
- Você quer ficar solteiro para
sempre?
A pergunta da Carina percorreu todo
meu sistema nervoso como se fosse um fantasma arrastando correntes por uma casa
assombrada. Gelei e nenhuma outra reação era possível.
Nós homens nascemos com alguns defeitos
de programação de fábrica que nos fazem reagir de maneira exagerada a algumas
situações inocentes. É algo inerente por mais que reconhecemos. Basta fazer um
teste com seu companheiro. Quando ele estiver na sala distraído, por exemplo,
grite do quarto algo como:
- O QUE É ISSO, PEDRO HENRIQUE?
Estou supondo que ele se chame Pedro
Henrique. Do contrário, aí você que vai ter um problema. Enfim, ao gritar isso,
mesmo que o dito cujo não tenha culpa no cartório, instintivamente, sob efeito
de algo mais forte, ele se tremerá todo, gaguejará e, não me surpreenderia caso
chorasse pedindo desculpas enquanto se encaminha engatinhando para o quarto.
Algo do tipo já aconteceu comigo certa
vez. Estava dando aula pela primeira vez para uma turma de primeiro período.
Toda aula é sempre a mesma coisa, um aluno ou outro fica ao final para falar
algo, útil ou não. Na maior parte das vezes, são lamentações gratuitas. Em
turmas de primeiro período, inevitavelmente, por cautela ou excesso de
respeito, os alunos costumam me chamar de senhor, professor, mestre ou algo do
tipo. Naquele dia, uma aluna, mais velha que a média, algo em torno de uns
vinte e cinco anos, ficou por último para falar comigo. Ela começou a conversa
com:
- Preciso falar com você.
O pronome informal derrubou qualquer
barreira que me deixaria ressabiado com as famosas lamentações de primeiro dia
de aula. Pior ainda, criou um falso ar de intimidade entre os dois. À vontade,
deixei que a aluna prosseguisse. Foi quando que ela sapecou:
- Estou grávida.
As minhas pernas fraquejaram. A pele,
sempre branca, ficou da cor de uma vela. O suor surgiu abruptamente na testa. E
dentro da minha cabeça ouvia a banda do Programa do Ratinho tocando “Parabéns pro papai!”. O desespero
aflorava cada vez mais quando finalmente me toquei que nunca tinha visto aquela
menina até então. Tudo não passava de mais uma reação exagerada por conta do
nosso defeito de programação original.
Voltando à pergunta da Carina. Fui
pego de surpresa. Não esperava que um dia ela tocasse nesse assunto. Quando a
conheci, me alertavam que ela precisava de escolta. A garota não marcava
bobeira. Chegava junto e na pressão. Era daquelas que se você piscasse, ela te
sacudia e só se daria por si quando estivesse estirado em um motel, com ela
sentada à beira da cama se penteando e te apressando para pedir a conta, pois
não quer perder o capítulo da série sobre as Kardashians. É, ninguém é
perfeito. Evitei-a em algumas oportunidades para não ter dor de cabeça, até que
um dia foi inevitável. Numa madrugada de dia de semana, Carina apareceu bêbada debaixo
da minha janela gritando meu nome. Algo precisava ser feito antes que os
vizinhos reclamassem. Ou me chamassem de frouxo. Deixei que entrasse e
obviamente que o bicho pegou. Sem cerimônias, ao final, ela tomou um banho e
foi embora. Mantivemos até então uma relação que não sei ao certo como
classificar. Era quase que um delivery
reverso. Ela ligava, perguntava se estava disponível e vinha ao meu encontro.
Satisfeita ou com a tarefa razoavelmente encerrada, pois não vou mentir que
sempre dou conta da libido dela, ela ia embora e a vida seguia.
Era uma dinâmica tão bem resolvida e
prática que não tinha motivos para mexer naquilo. Eu mesmo tentei dar um toque
especial algumas vezes. Em uma delas, chamei a Carina para comer uma coisa na rua
antes. Ela dispensou. Nada em público. Para ela, nossa relação se limitava ao
meu quarto. Noutra, propus um vinho antes. Foi rapidamente colocado de lado por
ela. A possibilidade de um dos dois cair bêbado ou ter de lidar com uma ereção
capenga por motivos alcoólicos fizeram Carina manter o protocolo objetivo. Nada
fugia da rotina que era chegar, um agarrava o outro, tirávamos a roupa, transávamos
como dois babuínos no cio e, se ela estivesse com uma folga de tempo, um
papinho depois, do contrário, banho e ia embora.
Por conta da sua personalidade e do
implícito contrato sexual consentido por ambas as partes, a pergunta me causou
pânico. Sem falar do famigerado defeito de programação já citado, obviamente.
Não acreditava que chegaria ao ponto de ter de inventar uma desculpa para me
desvencilhar dela. Era tudo ótimo como estava. Por qual motivo ela queria
entrar em um relacionamento sério? Aliás, por que transformar em um
relacionamento?
- Você está doido? De onde tirou que
quero algo sério com você? Eu nunca quis algo sério com alguém. Imagine com
você. – ela terminou a fala rindo.
- Não precisava me magoar também. Era
só falar que entendi errado.
- Você entendeu MUITO errado. – Carina
fez questão de enfatizar o muito. – Aliás, você sempre entende tudo errado. A
única coisa que me interessa é se pretende ficar nessa por muito tempo ou corro
risco de perder meu objeto sexual para alguém disposta a desenvolver uma
relação com um pervertido incorrigível.
- Estou confuso se devo ficar mais
magoado ou se isso foi um elogio.
- ANDA! – ela demonstrou um pouco de
impaciência. – Responde logo!
- Responder o que, baby?
- Corro o risco de perder o meu
brinquedinho por demanda?
- Não, não corre. Por quê? Posso
saber?
- Porque estava pensando em dar um
passo à frente nessa brincadeira. – vendo que meus olhos se arregalaram
novamente, Carina se antecipou em me acalmar. – Não é o que está pensando,
desesperado. Quero apimentar mais as coisas que estão começando a ficar
monótonas.
Já tinha um tempo que a Carina dava
sinais que ia pedir algo do tipo. Mesmo sendo bem resolvida, tinha a impressão
que ela ficaria nas indiretas e dicas soltas no ar até que eu me tocasse e pedisse.
Engano meu. Ela mandou na minha lata, direto e reto. Queria fazer um ménage à trois. Sim, meus caros. Ela
propôs por iniciativa própria o Santo Graal da perversão masculina. A menor das
surubas. Apenas uma condição foi imposta, eu quem deveria arrumar a terceira
pessoa. A euforia dela com a minha pronta aceitação foi tamanha que desistiu de
se vestir para ir embora e pediu mais umazinha.
- Tá, mas preciso de uns quinze
minutos que ainda estou meio cansado. – eu tive de ser honesto.
Já tinham se passado dois dias e nada
de chegar perto de ter um nome. Mesmo empolgado, ou ansioso, ou excitado mesmo,
com a proposta, estava empacado na parte do arrumar a terceira pessoa. Na
teoria, essa parece ser a parte mais fácil. Inocência da minha parte. A
primeira coisa que me veio à cabeça foram as amigas lésbicas. Ora, é, no
mínimo, ofensivo achar que a pessoa por ser lésbica tem um nível de perversão
diferenciado ao ponto de topar uma surubinha. Por que uma amiga heterossexual
não teria tal nível de perversão? E o pior? Por que acreditar que uma amiga
lésbica está mais propensa a topar algo com um homem do que uma amiga
heterossexual topar algo com uma mulher? Achei melhor abordar quatro amigas.
Era sempre a mesma ladainha inicial. Comentava do meu dilema e perguntava se
elas tinham uma conhecida para indicar. Notem que em nenhum momento convidava a
própria amiga. Para enfatizar o desapego da proposta, não perguntava por amigas
delas, mas por colegas. Tudo para deixar no ar uma falsa intenção de não ter
intimidade com a presa que seria devorada por mim e pela Carina. Obviamente,
era uma estratégia escalafobética para a pessoa se candidatar. Das quatro, três
chegaram a pedir para ver uma foto da Carina. Não sei por qual motivo, mas
pediram. De corpo inteiro e uma do rosto de perto. Nenhuma das quatro se
propôs, tampouco indicaram alguém. Em compensação, todas pediram relatos caso
eu conseguisse colocar em prática. Claro que daria relatos sensacionais, mesmo
não acontecendo, inclusive.
Já estava com aquela missão nas mãos
há mais de uma semana e nada. A solução mais óbvia de todas martelava minha
cabeça toda vez que me lembrava dessa pendência. Carina começou a me cobrar e,
num ato de desespero, segui com a famigerada solução. Contratei uma garota de
programa. Claro que para ficar por cima, combinei com a profissional que ela
deveria ser atriz, fato que fez com que tentasse me extorquir umas notas a
mais. Não colou. Acordei com ela que fingisse ser minha amiga. Dei umas dicas
para que ela tivesse histórias em comum comigo, dentre outras futilidades que
denunciaria a nossa amizade fictícia.
No dia combinado, Angel, a garota de
programa chegou bem antes do horário marcado. A ideia era fingir intimidade.
Ela estaria descalça deitada no sofá como se fosse antiga frequentadora da
casa. Pedi também que ficasse só de blusa e calcinha. Ah, e mudamos o nome
dela. Porque, convenhamos, Angel era demasiadamente óbvio. Virou Patrícia
mesmo.
- Mas já iniciaram os trabalhos na
minha ausência? – Carina disse assim que entrou e encontrou a Patrícia
refestelada seminua no meu sofá.
- Que nada – Patrícia tomou à frente.
– Foram uns amassos de leve. Coisa de matar a saudade.
- Matar a saudade, é? – Perguntou a
Carine.
- É, matar a saudade. – Concordei sem
ter a mínima ideia do que a Patrícia falava e em seguida perguntei à própria. –
Matar a saudade, né?
- Claro – Patrícia seguiu com seu
roteiro inventado sobre algo que não combinamos. – Desde Cabo Frio, lembra?
Devem ter uns seis meses que não nos vemos. Não é?
- Sim, imagino que seja isso. –
Confirmei. – Não tinha noção de quanto tempo não nos víamos. Tanto que não
comentei algo sobre com a Carina. Aliás, ainda bem, né? Digo... Aliás, esta é a
Carina e esta é a Patrícia.
As duas se cumprimentaram e ficaram sentadas
uma ao lado da outra no sofá. Fui à cozinha pegar uns copos para servir a
tequila que a Carina exigiu para tirar a timidez. Seja lá o que ela chamava
timidez. Enquanto buscava copos, garrafa, limão e sal, eu fiquei com os ouvidos
ligados na conversa da sala. Sabe-se lá o que a boca descontrolada da Patrícia
aprontaria. Ela deu sorte no assunto do tempo que não nos víamos. Nem queria
imaginar o que aconteceria se tivesse dito para a Carina que eu tinha a visto
recentemente ou algo que fosse contraditório à demência que ele resolveu
improvisar.
- Você é muito mais bonita
pessoalmente – ouvi da cozinha a Patrícia dizer para a Carina.
- Jura? O baby mostrou foto minha para
você?
- Baby?
- Sim, ele é o baby.
- Nossa que apelido fofo. Por que
disso?
- Porque ele chama todo mundo de baby.
Nunca ouviu isso?
- Claro que ouviu! – Voltei da cozinha
interrompendo o diálogo das duas. – Praticamente pontuo as frases com baby. Sua
tequila.
- Carta ouro? – Carina perguntou num
misto de exclamação e demonstração de ter ignorado a mancada. – Você capricha
mesmo.
- Não é um dia qualquer, baby.
- Tem razão – Carina concordou para
depois ponderar. – Ainda assim me senti meio desprivilegiada. Você mostrou foto
minha para ela, mas não me mandou uma foto dela sequer.
- É como ela disse, baby. Tinha muito
tempo que não nos víamos, então mandar uma foto antiga poderia criar uma
ilusão.
- Exatamente – Patrícia interveio para
o meu desespero. – E sem falar que seis meses atrás eu estava gordinha. Tipo
inchada, sabe? Não foi uma época boa para mim.
- Nossa – Carina se espantou. – Nem
diria que já foi gordinha. Você tem um baita corpão.
- Obrigada! Ah, obrigada! – Patrícia
agradeceu à Carina pelo elogio e a mim pela dose de tequila que foi virada
rapidamente. – Quem diria naquele dia em Ilha Grande em que nos conhecemos que
iríamos um dia estar aqui nessa aventura?
- Ilha Grande? – Carina se espantou e
eu, calado, também. – Baby, nunca te imaginaria em Ilha Grande.
- Que coisa, não? – Interagi com um
sorriso artificial. – Foi uma única vez e foi suficiente só por encontrar essa
pérola. Não é mesmo, meu anjo?
- Patrícia! – A infeliz não entendeu o
meu sarcasmo e corrigiu o que não precisava.
- Esquece – Cortei o tema para evitar
maiores problemas e já puxei outro com o intuito da Carina se expor, já que
tinha acordado com a Patrícia alguns dias atrás que isso precisava ser
combinado antes de começar a fodelança. – Que tal falarmos sobre preferências
ou restrições para a atividade do dia?
- Então, que bom que tocou no tema –
Patrícia, sabe-se lá o porquê, tomou a frente da conversa. – Vai ter de rolar
uma restrição, sim. Sabe como é, né? Ontem tive relações com um cara...
- Um cara? – Carina a interrompeu
espantada. – Você não é gay? Ela não é gay, baby?
- Sim, ela é. Digo, não! Quero
dizer... – Tentei explicar, me enrolei e fui cortado pela Carina.
- Poxa, baby! Imaginei que traria uma
amiga gay para interagir comigo. Você é muito egoísta mesmo. A ideia foi minha
e você quem vai ficar com a atenção das duas.
- Não, não é isso – A Patrícia se meteu
na conversa. – Você está confundindo as coisas, gata. É Marina, certo?
- Carina! – A própria respondeu.
- Então, Carina, eu topo qualquer
parada. Meninas e meninos. Pode relaxar quanto a isso. Inclusive, acho que só
vou te dar atenção hoje, pois, como estava querendo dizer, ontem transei com um
cara e ele me deixou um pouco machucada. Ele era meio sem jeito, sabe? Daí,
hoje não vai rolar anal.
- Patrícia – tentei intervir em vão.
- Pois vou te falar uma coisa, Carina.
Tem bastante tempo que não vejo esse cachorro, mas parece que foi ontem. Lembro
bem do estrago que ele me fez da última vez.
- Patrícia – insisti em interromper a
improvisação não combinada dela.
- Aliás, – ela fez uma pausa para
tomar um shot de tequila me dando a
oportunidade de cortá-la, mas a desperdicei pasmo com o talento da menina para
fazer merda. – da última uma pinoia. Todas às vezes. Impressionante como que,
em toda vez que transo com o bebê, digo, o baby, ele arregaça o meu rabo.
- Ele o que? – Carina se espanta.
- Patrícia – faço mais uma intervenção,
mas já sabendo que talvez seja tarde demais.
- Não! Peraí! – Carina se impõe. – Ele
não gosta de cu. Nunca comeu cu na vida. Baby, quem é essa garota?
Até poderia contornar a situação, mas
minha pausa com uma expressão de derrota acusou tudo. Em questão de segundos, a
Carina ligou todas as mancadas que a Patrícia cometeu naquele pouco espaço de
tempo e concluiu acertadamente que não éramos amigos como tínhamos nos
apresentado. Foram necessários mais uns segundos para a Carina perceber que, se
não era amiga, só podia ser uma garota de programa.
- Ok, você me descobriu. – Patrícia
não sabia mesmo a hora de se calar. – Entenda que isso não tem problema algum.
Sou profissional. Acredite, vai ser bem melhor do que com uma conhecida sem
experiência.
Carina, segundo ela mesma, pouco se
importava com experiência, desenvoltura ou traquejo para a coisa. A preocupação
era higiene. Patrícia, ou Angel, tanto faz, obviamente fez uma cena se
explicando sobre como era uma pessoa limpinha. Não era disso que Carina se
referia. Ela estava preocupada com doenças. Não se sentia segura com uma pessoa
que indiscutivelmente é considerada grupo de risco. A profissional se ofendeu
sem motivos, ficou irritada e começou uma discussão com a Carina. Foi uma
baixaria só. Nada perto da baixaria que esperava que fosse rolar no meu quarto.
Carina, no auge da discussão, afirmou que não falaria mais com ela e decretou
que nada mais aconteceria. Foi uma frustração terrível. Ao menos, ela tomou
partido das coisas e colocou a rainha das gafes para fora da minha casa. Fato
que agradeci, pois não precisei pagar pelos (des) serviços dela. Com a saída da
garota de programa, as coisas se acalmaram um pouco. Tentei aproveitar a
presença da Carina para não ficar na mão, literalmente. Ela ainda estava irada
com a minha atitude. Minhas atitudes, diga-se de passagem. Contratar uma garota
de programa e mentir para ela. Obviamente não rolou coisa alguma. Ainda bem que
ela não foi embora brigada comigo. De quebra, manteve a proposta da mesa. Na
saída, sacramentou:
- Semana que vem sem falta. E nem se
dê ao trabalho de procurar alguém. Você pisou na bola. Agora quem vai arrumar a
pessoa sou eu.
A semana não passou tão rapidamente
como gostaria. Ao menos, pelo lado bom, tive bastante tempo para planejar uns
movimentos e umas posições em que fosse possível dar atenção para as duas
meninas ao mesmo tempo. Pude também me manter em forma com duas séries diárias
de exercícios que prefiro chamar intimamente de punheta. No final de semana,
que ficou bem no meio do período, não saí. Nada de desperdiçar energia. Fiquei
em casa me concentrando fazendo uma maratona de filmes pornôs sobre o tema. Aproveitei
também para providenciar as bebidas que iriam dar aquela animada nas meninas.
Não pensava em outra coisa que não fosse o tal evento. Cancelei todos os
compromissos do dia, dormi até tarde para estar bem descansado, dei uma aparada
nos pelos do playground e me prostrei
no sofá esperando a chegada das duas beldades.
Nunca tinha visto Carina com mulheres
dando pinta de estar se relacionando com alguma delas. Inclusive, ela sempre
comentava comigo que tinha vontade de ficar com meninas, mas não tinha
conseguido. Não sabia ao certo se era uma confissão sincera, ou se ela estava
apenas soltando uma deixa para que eu propusesse algo. Era algo contraditório
se considerasse que ela, sempre que saía, ia para baladas GLS. Seu argumento
era que a música era melhor e que podia dançar sem ser importunada por um hétero
babaca. Argumento inclusive que todos sabemos ser verdade, infelizmente. O fato
era que, sendo verdade ou não, alguém com o perfil dela sempre conhece mais
mulheres, mas não somente mulheres.
- Oi, baby – ela disse assim que abri
a porta. – Esse é o Mateus.
É possível uma pessoa morta ficar de
pé sem apoios? Eu provei que é possível. Sim, podíamos me considerar morto
naquele momento. Meu coração parou, o sangue não correu mais, meu cérebro cessou
com seus sinais e meu pau entrou. Ok, a última informação não serve para
classificar um indivíduo como morto, contudo, achei pertinente para ratificar a
minha reação. Não sei quanto tempo fiquei ali atônito tentando processar a
informação. Eu apenas fiquei e precisei de um tranco para retomar as atividades
biológicas do meu corpo. Tamanha a porrada que o próprio corpo disparou que não
houve comunicação do cérebro com a boca e no instinto falei:
- Você não vai comer o meu cu!
Carina e o rapazinho riram. Ela, em
seguida, entrou puxando-o pela mão. Enquanto atravessava a sala, ela se
vangloriava com ele do fato de ter acertado previamente que eu teria uma reação
daquele tipo ao abrir a porta. Ela sempre foi uma cretina mesmo.
- Nunca imaginei que você fosse tão
inseguro.
- Não é questão de ser inseguro. Eu
apenas não esperava algo do tipo. Estava aqui todo ansioso aguardando por você
e supostamente uma amiguinha. Alguém da sua idade, entende? Cinturinha fina. Peitinhos,
se possível, menores que o seu, só para ter uma diversidade. Sabe do que estou falando?
Abre o bocão para os seus, faz biquinho para os da amiguinha. Quem sabe uma
loura para contrastar com seus cabelos negros? Mas não! Surge-me um caralhudo.
Não que eu tenha reparado na sua virilha para constatar isso. Eu nem olhei para
aí. Droga! Olhei agora apenas para enfatizar o que estava a dizer. Não pense
que sou manja rola que fica encarando o pau dos outros. Caralhudo foi um termo
aleatório para dar mais dramaticidade à coisa. O fato de ter pau grande para
mim não é um drama. Não! Peraí! Não quero dizer que reparei naquela olhada o
tamanho do seu pau pelo volume. Eu nem olhei direito. Foi uma olhada sem ver.
Sequer conseguiria dizer se o seu zíper está aberto. Vejam só! Não está! Não!
Porra! Aí é sacanagem! Ele deu maior ajeitadão. Daí fica impossível não olhar.
Aí, olha! Jogou para esquerda! Pronto, olhei novamente. Já encarei mais o pau
dele do que o próprio rosto. Enfim, por que estou falando do pau dele mesmo?
Terminei a pergunta e fui para a
cozinha para não piorar a situação. Carina gargalhando respondeu à minha
pergunta dizendo que eu era enrustido. Preferi ignorar. Ela prosseguiu me
sacaneando à distância falando para não me preocupar, pois o pau dele não era
maior que o meu. Todavia, era mais grosso. Sequer caberia na minha mão, ela
completou. Depois, finalizou dizendo que era melhor eu tentar segurá-lo para
tirar a dúvida. Eu permaneci na cozinha batendo a minha cabeça contra a
geladeira enquanto aquela cretina se calava.
- Baby – Carina quebrou o silêncio
quando retornei da cozinha. - Vamos ter calma? Ninguém vai fazer nada que o
outro não queira.
- Acho justo – peguei a deixa da Carina.
– Inclusive, na semana passada, antes de começar, íamos deixar claro os limites
de cada um.
- Sim, é verdade. Bem, considerando
que são dois homens hoje, minha única restrição vai ser dupla penetração. De
resto, é festa – Carina encerrou a fala com sua tradicional risada de doida
divertida.
- Bem, as minhas serão... – minha fala
foi interrompida pelo Mateus.
- Além de não permitir que eu chegue
perto da sua bunda, né?
- Ora, vejam só. Parou de coçar o pau
para fazer piadinhas – fiz uma pausa, pois Carina me olhou atravessada
recriminando minha reação. – Enfim, isso que você falou, obviamente, além de
outras partes do meu corpo. Aliás, o meu corpo todo. Por favor, mantenha
distância dele.
- Ih, baby – Carina se levantou do
sofá para ir à cozinha e, no caminho, me deu um tapa na testa. – Homofóbico, é?
Cada segundo uma surpresa. Pego cerveja na geladeira ou congelador?
- Congelador! E não sou homofóbico.
Muito pelo contrário. Sabe bem disso. Vou cumprimentar o Mateus sempre que nos
encontrarmos, o abraçarei quando conveniente, entretanto, com os dois pelados,
quero distância. Não consigo me sentir à vontade. Não é uma questão de
discriminar homens de uma maneira geral ou apena gays. Apenas me sinto exposto quando
nu na presença de um homem e a proximidade com ele me deixa desconfortável.
Para se que tenha uma noção, depois do futebol, quando iam todos para o
chuveiro, eu ficava enrolando do lado de fora. Sei lá. Aquele monte de piroca e
bunda cabeluda não era uma cena a qual queria fazer parte. Não era questão de
desejos reprimidos, não me garantir caso alguém se aproximasse, ou complexo de
comparar medidas. Trata-se de uma cena que não me apetece. Tipo animal sendo
maltratado, escatologia ou pele de idoso um dia depois de uma pancada.
- O que acontece com a pele de idoso
depois de uma pancada? – perguntou o Mateus.
- Fica roxo, mas não é como um
hematoma. Apenas a pele mesmo. Coisa nojenta que depois descasca como plástico
de capa de caderno vagabundo.
- Baby, – Carina voltou da cozinha. – é
sério que de restrições sexuais, já está divagando sobre pele de velho?
- Pois é, acabei indo longe. Enfim, é
isso que falei. Ah, e sem contato visual. Não me leve a mal, mas sem olhares
cruzados.
- Vocês dois vão ficar transando comigo
de cabeça baixa como dois submissos?
- Não precisa ser assim... – Carina não
me deixou terminar a frase.
- Você está muito fresco, baby.
- Não é frescura, baby! É questão de
não querer encarar outro homem na hora que estiver excitado de pau duro. Nem em
filme pornô faço isso. Tem umas horas que eles filmam só o rosto do ator para
mostrar a excitação dele. Tá doida? Bater uma punheta olhando para um macho
contorcendo artificialmente o rosto à beira de estirar um músculo. Sem falar quando
dão close na penetração. Estão lá, pau e boceta. Boceta paradinha e pau dentro,
pau fora. Só que ele ocupa a tela toda. E eu balançando o meu encarando a rola
de outro cara. Falta apenas eu comentar em voz alta “que rola lustrosa”. Não,
não quero! Vou ficar olhando para você o tempo todo. Seu rosto, seus peitos,
sua boceta. Se estiver de costas, fico encarando seu rabo. Caso não tenha
ângulo para ver alguma coisa, fecho os olhos e imagino a Penélope Cruz.
- Sério? – Mateus pareceu,
inicialmente, não aprovar meu comentário num todo. – Ela tem cara de suja.
- Não ouse falar assim dela. Bem, mas
que seja! Então me dê um nome. Se fechasse os olhos, em quem pensaria?
- Pierce Brosnan vestido de James
Bond.
- Não prefere o Sean Cornery? Peraí!
Você é gay?
- Sim, claro! Por quê?
- Gay ou bi?
- Gay! Por quê?
- Você já transou com alguma mulher
antes?
- Não, nunca. Mas é que tenho tanta
intimidade com a Carina que acho que não será problema.
- Acha? Você... – eu mesmo me
interrompi. – Carina, ele acha. Sabe o que acho? Que ele não vai conseguir e,
como não cedi coisa alguma que lhe favorecesse, ficamos com poucas opções. Ou
os três ficam apenas conversando, ou apenas transarei com você como sempre e
ele ficará ao redor da cama... sei lá... cantando La Vie En Rose para dar um toque romântico a mais um ménage fracassado.
- Nossa, que cafona. Não tem outra
música melhor?
- MATEUS – eu e Carina gritamos
juntos.
Ficou claro naquele momento que nosso
plano tinha ido por água abaixo. Pelo menos eu e Carina estávamos quites. Cada um
fez uma lambança numa semana. Mesmo assim, não perdemos totalmente a viagem.
Largados pela sala, consumimos tudo que tinha preparado enquanto falávamos as
mais diversificadas putarias. Mateus foi embora com uma imagem diferente de
mim. Percebeu que não era preconceituoso com gays em geral, mas que apenas
tinha restrições próprias com o mesmo sexo nu na minha companhia tão
compreensíveis quanto a incapacidade dele de ter relações sexuais com mulheres.
Carina tentou, com a ajuda dele, fazer um levantamento de nomes em comum para
convocar para uma terceira tentativa. Ao final, nos demos por vencidos e
deixamos o projeto na gaveta. Na próxima semana, seríamos apenas nós dois,
assim ficou combinado. Sem invenções, sem peripécias. Apenas o sexo conveniente
e objetivo de sempre. Até mesmo porque, já estávamos há duas semanas sem.
Outro conto da coleção? Leia Anita