É aquela cena que todos já conhecemos.
Duas amigas que há muito não se viam passam pela a mesma calçada. Uma está
alterada por hormônios e distraída olhando para o celular, a outra é apenas uma
idiota:
- Vera? VERA!
- Oi? Rebeca! Quanto tempo!
O clichê continuou. Dois beijinhos,
uma mão apoiada levemente no ombro da outra, sorrisos e uma ajeitada de franja
para melhorar o visual. O papo seguiu:
- Garota, você está grávida!
- É, está parecendo!
- Parecendo nada! Você está
gravidíssima. Que barriga enorme!
- Não é? Imagine que constrangedor
seria se não estivesse.
- Impossível! Ela está enorme!
Redondinha! Muito grande mesmo!
- Sim, muito grande mesmo! E o bom é
que nós, grávidas, quase não temos problemas com a autoimagem.
- Ah, pare de ser boba, garota! Está
linda! Deve estar para nascer em breve, né?
- Na realidade, estou com apenas três
meses, mas obrigada ainda assim.
- Apenas três? E deste tamanho?
- Sim, apenas três. Agora não sei se
devo rever meu calendário ou meu espelho.
- Não, deixe de bobagem, menina.
Algumas grávidas ganham mais barriga para o desenvolvimento do feto. É apenas
um?
- Sim, apenas um e acho melhor
mudarmos de assunto antes que insinue que é um rinoceronte.
Rebeca ficou rindo de nervoso e
cobrindo os olhos. Vera ficou parada com cara de quem está com fome, mas o cara
na fila do bufê à sua frente demora muito além de ainda estar na parte das
saladas.
- Por falar nisso, você já sabe o que
é?
- Então – Vera fez uma pausa, respirou
e prosseguiu. – No início eu achava que era uma samambaia, mas fiz uns exames e
confirmou que era uma criança mesmo. O que não teria problema se fosse uma
samambaia. Iria amá-la da mesma forma. Regar, passar pente fino para tirar
piolhos, digo lagartas, essas coisas de sempre.
- Pare de ser boba. Você entendeu o
que quis dizer. É maneira de perguntar sobre o sexo.
- O sexo foi mais ou menos. Eu e o Bê
estávamos bêbados. Espero que isso não comprometa a criança, né?
- Você não muda mesmo. Continua a
mesma – Rebeca permaneceu com a risada descontrolada, sem perceber que era a
melhor oportunidade para fingir um desmaio. – Você já fez o exame para saber se
é menino ou menina?
- Decidimos que não iremos fazer isso.
Vamos descobrir na hora mesmo.
- E isso não é arriscado?
- A ciência avançou muito, então
imagino que o índice de mortalidade no parto por desconhecer o sexo deve ter
reduzido drasticamente.
- Ai, Vera – mais risinhos. – Você
está impossível hoje!
- É, eu estou – ela fez uma pausa
dramática. – Eu estou impossível mesmo.
- Falo do risco de nascer sem saber o
sexo. Não acha perigoso?
- Não, normalmente, ao nascer, o
médico, dentro de todo conhecimento por ele adquirido em anos de faculdade,
sacramenta que é um menino ao ver um pinto. Se tiver uma xereca, dirá que é uma
menina. Ainda assim, em caso de dúvidas, tenho um amigo veterinário que faz
testes para a sexualidade de periquitos, então deste risco não correremos.
- Se falar grosso também, né?
- Rebeca, recém-nascido não fala.
Rebeca reagiu de forma séria ao
comentário de Vera sem perceber que foi apenas sarcasmo. Ela gesticulou, gaguejou,
para depois insistir no mesmo assunto e linha de raciocínio.
- Estou falando do quarto, da
decoração, das coisas. Como ficaria se só depois de nascido você descobrir o
sexo? Não vai ter que mudar muito?
- Bem, estava preocupada antes de
descobrir que era uma criança. Por que antes, né? Não sabia se comprava um
berço, um xaxim ou uma jaulinha. Agora que sei que se trata de um ser humano
bebê, ficou muito mais fácil ajeitar o quarto. Berço, aquela cômoda que trocamos
as fraldas em cima, brinquedos e chão macio.
- Mas e o problema das cores?
- Ah Rebeca, se ele for daltônico,
terá o meu amor mesmo assim.
- Você tirou o dia para implicar
comigo, não foi?
- É, acho que foi isso mesmo, Vera.
Rebeca assimilou o comentário, refletiu
e percebeu que estava pegando pesado. Talvez se tentasse ser um pouco menos
reativa às perguntas idiotas de Vera fosse algo mais justo. Ela então recuou na
sua postura e se explicou:
- Vera, me desculpe. São muitos
hormônios na minha cabeça. Não sei mais como agir e reagir. É como se fosse uma
montanha-russa em altíssima velocidade sem fim. São oscilações intermináveis.
EU ODEIO, EU ADORO, ESTOU TRISTE, ESTOU FELIZ, VAMOS DE NOVO! Não sei mais o
que fazer – disse a Rebeca antes de se debulhar em lágrimas. – Eu não sei mais
o que fazer. Eu não sei se vou aguentar.
- Calma, amiga – falou a Vera
abraçando a Rebeca. – Isso vai passar. Depois do parto, acaba isso tudo.
- Você promete?
- Claro que prometo. Com o parto,
acaba a gravidez, logo acabam as bombas de hormônios que seu corpo está
soltando com frequência.
- Ai, tomara.
- Sim, pode ficar tranquila. E, mesmo continuando,
você nem notaria.
- Por que eu estaria calejada?
- Não – Vera se afastou, enxugou umas
lágrimas no rosto de Rebeca e prosseguiu. – Você teria uma criança chorando sem
parar. Praticamente uma máquina de fazer cocô infinito que vai sugar seus
peitos até não poder mais, deixando os bicos doloridos e murchos. Sem falar da
sua barriga e bunda que nunca mais serão as mesmas. E tem as olheiras! Ah, as
olheiras! Você não terá noites tranquilas, pois ela vai acordar aos berros
duas, três, quatro vezes na madrugada para mais cocô, mais peito, dor de
ouvido, cólicas ou apenas pelo prazer sádico de te acordar. E tudo isso sem a
ajuda do Bê que estará sempre jogado no sofá vendo tevê ou desmaiado babando na
cama. Então, acredite, amiga, continuando a festa dos hormônios, isso será
pinto e nem te incomodará.