Um para lá, dois para cá
Casa
noturna com pouca iluminação direta. Balcão de bebidas, uma mulher encostada
nele se distrai com o cardápio de drinks. Um homem para ao seu lado.
[Henrique] Boa noite!
[Vanessa] Boa noite!
[Henrique] Se incomoda se fizer uma cena
clichê de cinema da década de 50?
[Vanessa] Hum... O que seria isso?
[Henrique] Oferecer para você uma
bebida.
[Vanessa] [RISOS]
[Henrique] É tão cafona assim?
[Vanessa] Não, não é. Foi divertido
mesmo o que disse. E se eu quisesse algo década de 40? O que receberia?
[Henrique] Provavelmente ofereceria
para acender sua cigarrilha.
[Vanessa] Ah é? Que pena. Eu não fumo.
Então vamos para a década de 30. O que teria para mim?
[Henrique] Neste caso, só me restaria
me comunicar com você em linguagem de mímico ou me oferecer para ganhar um
balde de água na cabeça.
[Vanessa] [RISOS]
[Henrique] Por favor, volte à década
de 50. Por favor.
[Vanessa] Ok, década de 50. Pode me
pagar uma bebida.
[Henrique] O que você achou
interessante aí do cardápio? Bebidinhas divertidas com chapeuzinhos? Drinks
coloridinhos?
[Vanessa] O que você vai beber?
[Henrique] Bem, como sou um homem
simples, de gostos rústicos e hábitos populares...
[Vanessa] Gostos rústicos? Você vai
pedir uma dose de água de cachoeira? Ou vamos cortar um pedaço de cactos e
beber seu néctar?
[Henrique] Tem essa opção aqui?
Prevejo uma ótima noite.
[Vanessa] Bobo.
[Henrique] Muito precoce para iniciar
os elogios, não?
[Vanessa] Muito... Bobo.
[Henrique] Ok, já entendi seu ponto de
vista. Bem, vou pedir uma cerveja. E você?
[Vanessa] Está bem, eu te acompanho na
cerveja.
[Henrique] Tem certeza? Esta é a
chance de pedir alto. Depois de pedir uma cerveja no primeiro encontro, não tem
como elevar mais o padrão nos seguintes.
[Vanessa] Isto não é um encontro.
[Henrique] Baby, o que te disse sobre
não discutirmos a relação em público?
[Vanessa] [RISOS]
[Henrique] Enfim, é a última chance de
subir o valor de mercado... Peraí... Isso soou péssimo. Estou dizendo do valor
dos seus gostos.
[Vanessa] Você é péssimo.
[Henrique] Já pedi para diminuir com
os elogios.
[Vanessa] Ah, você não viu metade. E
pode ficar tranquilo, sou uma mulher fácil de se agradar. Mas não se empolgue
com isso porque...
[Henrique] Nem mais uma palavra...
Rapaz! Tudo bem? Duas cervejas, por favor, enquanto a gata aqui do lado dispara
mais um elogio para mim... Obrigado. Estava dizendo?
[Vanessa] Dizia que você é péssimo e
que isto não é um encontro.
[Henrique] Tá bom! Vou respeitar seu
ponto de vista. Como prefere chamar?
[Vanessa] Duas pessoas bebendo cerveja
e conversando de maneira descontraída por um curto tempo.
[Henrique] Curto tempo? Como assim? Já
vai me deixar? Não acredito. O que está acontecendo? Bem que notei que
ultimamente andava fria e distante comigo. É aquele cara da contabilidade que
fica te cercando na hora do almoço? Pode falar. Não, não diga. Não sou capaz de
lidar com isso. Vamos focar em nós dois. Vamos salvar este relacionamento. Uma
viagem no fim de semana. Vamos para a serra. Serra, frio, lareira, edredom,
fondue, vinho. Faremos nosso primeiro filho e dessa vez deixo você escolher o
nome. Mesmo se insistir em colocar Henrique.
[Vanessa] [RISOS]
[Henrique] É, eu sei que ouvindo em
voz alta Henrique é um nome horrível. Todo Henrique um dia já foi uma criança gordinha
com tetinhas.
[Vanessa] Você é horroroso. E o pior é
que já conheci um Henrique que era gordinho na infância.
[Henrique] Todos são. Todos.
[Vanessa] Enfim... Apesar de toda a
sua loucura, até que gostei da proposta da serra. Exceto a ideia de ter filhos
que não me agrada nem um pouco.
[Henrique] Ok, sem filhos. Vamos criar
gatos. Doze gatos. Gatos pedem nomes eruditos. Colocaremos nomes de autores
neles: Hemingway, Veríssimo, Dostoievski, Neruda, Clarice...
[Vanessa] Para, homem! [RISOS] Pare!
Se controle.
[Henrique] Tudo bem... Parei...
[Vanessa] Muito bem. Apesar de você
ficar mais interessante falando compulsivamente.
[Henrique] Ahá! Eu sabia...
[Vanessa] Pare! Deixe-me falar.
[Henrique] Quietinho.
[Vanessa] Como dizia, somos duas
pessoas bebendo cerveja e conversando de maneira descontraída por um curto
tempo. Já, já, minha companhia chega.
[Henrique] Ahn... Você é comprometida.
[Vanessa] Não diria comprometida.
[Henrique] Opa!
[Vanessa] Não se anime. Como disse, é
minha companhia. Estamos nos conhecendo.
[Henrique] Conhecendo? Então estão
no... Sei lá... Terceiro encontro?
[Vanessa] Segundo.
[Henrique] Ahá! Até o fim do segundo
encontro tudo pode ser cancelado sem prejuízo para o solicitante. Isto é uma
cláusula universal das regras básicas de relacionamento a dois. Pode ler nos
termos de compromisso do Tinder. Está lá. Não que eu tenha o Tinder. Apenas
soube por um amigo de uma prima que comentou em uma rede social algo do tipo.
[Vanessa] Não vai ter cancelamento
algum. Eu já disse que estamos nos conhecendo.
[Henrique] Para quê? Nessa nossa
conversa você já me conhece mais do que ele. Sabe que curto serra, frio,
edredom e fondue. Descobriu também que sempre queimo a língua na parte do
queijo e sujo a camisa com o chocolate.
[Vanessa] Não sei, não!
[Henrique] Bem, é bom saber porque te
farei passar vergonha. Sempre uma lambança generalizada.
[Vanessa] Que horror! Bem... Eu também
sou bastante desastrada.
[Henrique] Deixe-me adivinhar. Estabanada,
esbarra em tudo, vive cheia de roxos misteriosos pelas pernas e evita entrar em
loja de taças de cristais.
[Vanessa] MEU DEUS! Como sabe?
[Henrique] Essa frase é quase uma
previsão de horóscopo, se adequa a quase todas as mulheres.
[Vanessa] Quase todas?
[Henrique] Sim, quase todas, exceto
pelas que não acreditam nisso. Só que como elas não vão ler mesmo, então
podemos dizer que se adequa a todas que leem.
[Vanessa] Que terrível. Faz sentido,
mas é terrível.
[Henrique] Bem, posso pedir outras
duas cervejas enquanto liga para o rapaz cancelando o encontro?
[Vanessa] Não vai ter cancelamento.
[Henrique] Você às vezes é muito
turrona, sabia? Rapaz, mais duas cervejas, por favor. E dessa vez, traga aquela
te paguei para dissolver sonífero.
[Vanessa] [RISOS]
[Henrique] Aqui está. Um brinde ao
nosso primeiro encontro!
[Vanessa] Um brinde à minha advogada
que vai ter de dar entrada no pedido de uma medida cautelar contra você na
segunda bem cedo.
[Henrique] QUE HORROR!
[Vanessa] Como que horror? Você me
parece muito maluco e mal te conheço.
[Henrique] Como mal me conhece? E tudo
que já sabe de mim?
[Vanessa] Eu sequer sei seu nome.
[Henrique] Hum... Ok... Deixe-me
apresentar. Meu nome é Henrique.
[Vanessa] Você está me zoando?
[Henrique] Não mesmo.
[Vanessa] Céus, você era uma criança
gordinha com tetinhas.
[Henrique] Você tinha me prometido no
nosso primeiro encontro nunca fazer bullying
da minha infância.
[Vanessa] Foi mais forte do que eu. Meu
nome é Vanessa.
[Henrique] Vanessa com W?
[Vanessa] Não, com V mesmo.
[Henrique] Um N ou dois?
[Vanessa] UM! Quem tem dois no nome?
[Henrique] Ah, não duvide da
criatividade de mães que precisam muito afirmar no nome dos filhos o quanto
eles são especiais. Obviamente com o tempo eles vão descobrindo que o nome
acaba virando uma maldição. Poucas pessoas vão escrevê-lo corretamente. Nas lojas
de lembranças raramente terão quinquilharias com os nomes gravados exatamente
como gostariam que fosse. Sem falar do risco de se juntarem com outra pessoa
com um nome tão exótico quanto e acabarem formando um casal cujo nome parece
uma reação química.
[Vanessa] Você é inacreditável.
[Henrique] Inacreditável do tipo ótimo
que dá vontade de agarrar no meio da rua e torcer para chover ao mesmo tempo?
Ou inacreditável por visivelmente possuir transtornos psicológicos que colocam em
risco membros da sociedade analisada, diagnosticada e tratada?
[Vanessa] Eu ia falar inacreditável do
tipo enxergar tudo de maneira desastrosa. Mas já que falou em transtornos...
[Henrique] Ora, para quê prosseguir?
Vamos continuar apenas com a sua tese da minha realidade míope. Segundo
encontro então? Quando foi o primeiro?
[Vanessa] Semana passada. Aqui mesmo.
[Henrique] Frequenta muito este local?
[Vanessa] Não era muito de sair até um
ano atrás. Depois que me divorciei voltei para a vida noturna e virei um pouco
figurinha marcada aqui. E você?
[Henrique] Eu?
[Vanessa] Sim, você! Você frequenta
muito este lugar?
[Henrique] Ah sim. Antes e depois do
seu divórcio.
[Vanessa] Jura? E nunca nos
esbarramos?
[Henrique] Na verdade, eu tinha te
notado semanada passada. Te achei muito interessante, mas como estava
acompanhada... Quero dizer... Estava conversando com um rapaz que provavelmente
é o que você vai dar um pé na bunda hoje...
[Vanessa] PARA!
[Henrique] Ok. Como dizia, tudo
verdade. Só que não iria interromper a sua conversa.
[Vanessa] Olha, a sua personalidade
tagarela descontrolado é bastante divertida, mas mentiroso cara-de-pau para me
agradar não cola.
[Henrique] Saia preta curta, uma blusa
de tecido mole em uma cor meio cinza com brilho e seu penteado era uma trança.
[Vanessa] Meu... Pai... Do... Céu!
Você é mesmo um psicopata Serial Killer.
[Henrique] Ah pare com isso! Foi fofo.
[Vanessa] Foi assustador!
[Henrique] Não vou falar mais coisa
alguma.
[Vanessa] Por que? Acha que consegue
ficar pior que isso?
[Henrique] Meus gostos. Você jamais
entenderia.
[Vanessa] MEU DEUS! VOCÊ LEU 50 TONS
DE CINZA!
[Henrique] Ah para! Foi uma referência
boa e apropriada para a deixa. Vai! Dá um desconto. Fui sagaz.
[Vanessa] Tá, vou dar o braço a
torcer. Foi bem rápido mesmo. Agora disfarce que ele está chegando.
[Henrique] Qual o nome dele?
[Vanessa] Ahn?
[Henrique] O nome! Qual é?
[Vanessa] Por que quer saber?
[Henrique] Mas que raios de mulher
teimosa. Nem quero imaginar quando estivermos com setenta anos morando em
Iguaba. Fale o nome dele.
[Vanessa] Você é doido! César! O nome
é César.
Um
homem se aproxima e Henrique toma a frente de Vanessa.
[Henrique] César! Ainda bem que você
chegou. A Vanessa não para de falar de você. Só que preciso te pedir uma
coisa...
[Vanessa] Não vai pedir coisa alguma.
Oi, Cesar. É o seguinte... Este é o Henrique. Ele é ex-namorado de uma prima
minha. Não sei se comentei deles para você. Relação conturbada. Vai e volta.
Terminam, fazem as pazes, brigam novamente. Enfim... Aquela coisa chata de
sempre. Esbarrei com o Henrique aqui e ele começou a lamentar as pitangas
comigo.
[Henrique] Muito triste.
[Vanessa] Fica quieto. Ele fica
nervoso quando o assunto é minha prima e fala compulsivamente. Ele a ama
demais.
[Henrique] Demais.
[Vanessa] É, ele ama a minha prima.
[Henrique] Eu amo a Jenifer.
[Vanessa] Quem?
[Henrique] Jenifer, sua prima.
[Vanessa] É, ele ama a minha prima
Jenifer.
[Henrique] E não é Jenifer com apenas
um N e um F, não. São dois.
[Vanessa] Exato, ela mesma. Posso
continuar?
[Henrique] Pode. Foi só para ele se
situar melhor na história. Amo a prima Jenifer, irmã de Jeferson.
[Vanessa] Pois é, irmã de Jeferson que
se não me engano deve ter até um W no final do nome.
[Henrique] EXATO!
[Vanessa] Então, César. Desculpe-me
por esse papo maluco, mas estou apenas te explicando a conversa aqui com ele.
Tem como esperar uns dez minutos lá na área externa e já saio. Só vou tentar
colocar a cabeça desse rapaz em ordem.
[Henrique] Obrigado, César. Juro que
não vou ocupar muito o tempo dela...
César
saindo de cena.
[Henrique] Não vou ocupar muito tempo,
não. Vou ocupar minha vida com você, sua doida. Esse foi o pé na bunda mais
sutil e discreto que já vi na vida. Como não te amar?
[Vanessa] Pare de se achar. Não foi um
pé na bunda de ninguém. Apenas ganhei mais dez minutos.
[Henrique] Com dez minutos dá tempo de
irmos a algum cartório 24 horas e nos casarmos. Se aqui fosse Vegas, nos
casaríamos com um padre Elvis e Storm Troopers como testemunhas.
[Vanessa] Pare, homem. Não é nada
disso. Estou apenas curiosa sobre o que viu na sexta passada.
[Henrique] Ah sua danadinha! Você quer
que eu massageie um pouco seu ego para depois se agarrar com aquele almofadinha
que pelo corte de cabelo deve dormir de rede na cabeça? É isso mesmo? Pois
saiba que ainda bem que tenho uma combinação de baixa auto-estima como
inocência de uma chinchila e, só por isso, farei o que está pedindo.
[Vanessa] Cara, você fala muito para
quem tem apenas dez minutos em jogo.
[Henrique] Temos algo em jogo? Parece
que as coisas agora ficaram interessante para o meu lado, não é mesmo?
[Vanessa] Homem de Deus, você é a
versão humana do coelho da Alíce no País das Maravilhas.
[Henrique] Olhas os elogios voltando
para...
[Vanessa] FALA!
[Henrique] Ok... Você estava de
saia...
[Vanessa] Eu sei como estava vestida.
Quero saber da sua impressão.
[Henrique] Ahn... Você estava linda.
Estava estonteante. Naquele dia, sim, você poderia e teria todo o direito de me
achar um Serial Killer. Acho que
fiquei uns dez minutos te admirando. Com um detalhe, fiquei te admirando
conversando com outro cara. Daí quando cheguei aqui hoje... Bem, estava despretensioso...
Aí te vi no balcão e nem pensei na possibilidade de estar acompanhada do tal
cara. Respirei fundo e apareci. Então... Cá estou...
[Vanessa] Acho que é a primeira vez
que fala mais de uma frase em sequência sem me irritar.
[Henrique] Ora, sua fofa. Bem, parece
que sobrevivi a você então. Além disso, você ganhou o tal elogio que queria
ouvir. É neste momento que você faz um elogio que soará mais como um eufemismo
para mim e irá embora?
[Vanessa] Você ainda tem mais cinco
minutos e quero outro elogio.
[Henrique] Outro?
[Vanessa] Sim, você me elogiou pelo
que viu na semana passada. Quero algo de hoje.
[Henrique] Vanessa, não sei onde está
querendo ir com essa conversa, mas não se esqueça que sou uma pessoa um pouco
descontroladamente articulada.
[Vanessa] Quatro minutos.
[Henrique] Você está tão linda como se
fosse a primeira vez, mesmo parecendo hoje uma mulher completamente diferente da
semana passada.
[Vanessa] Ahn? Como assim?
[Henrique] Bem, basicamente na semana
passada você estava uma mulher da noite. Sua saia curta e blusa com brilho
chamavam atenção igualmente à maioria das mulheres solteiras por aqui. Hoje,
com esta calça e uma blusa social em cor clara, você está mais discreta. É como
se na semana passada você estivesse vestida para curtir e badalar. Já hoje está
parecendo namoradinha de relacionamento estagnado. Ou alguém indo para festa de
criança sem pais divorciados interessantes.
[Vanessa] Que horror! Não acredito que
gastou seus últimos minutos falando esta besteira tão grande.
[Henrique] Acabou o tempo?
[Vanessa] Sim, acabou. Passar bem,
Henrique.
[Henrique] Peraí! Não saia daí. Eu
tenho direito a uma apelação.
Henrique
se afasta, vai até uma porta que dá acesso à área externa e grita:
[Henrique] CESAR! AQUI! NÃO! PODE
FICAR MAIS UM POUCO AÍ. PRECISAMOS DE MAIS DEZ MINUTOS. NÃO VAI ACREDITAR. A
VANESSA ESTÁ LIGANDO PARA A MÃE DA JENIFER PARA TENTAR COMOVÊ-LA A ME AJUDAR.
QUEM DIRIA? ELA ESTÁ LIGANDO PARA A DONA STEPHANIE. MAL QUEIRA SABER COMO SE
ESCREVE.
Henrique
volta para Vanessa.
[Vanessa] Você é inacreditável. Não
bastante tudo, ainda difama minha família imaginária.
[Henrique] Pois é, eu te avisei antes.
Deixe-me refazer a minha colocação. Note que não vou mudar o sentido do que
disse, talvez explicar melhor a minha intenção. Semana passada... Vanessa da
semana passada. Mulher produzida para a balada. O que eu vi ali? Mulher descontraída
que antes de qualquer coisa está procurando diversão. Uma mulher que não se
preocupa como a noite vai terminar. Hoje. Vanessa de hoje. Contida, discreta e
tentando passar despercebida pela casa. E tem um detalhe. Está no segundo
encontro. Quer mostrar que não é apenas baladeira, mas tranquila. Mulher para
namorar. Aposto que seu ex-marido não curtia sair.
[Vanessa] Hum... Entendi seu ponto de
vista... Talvez seja meu subconsciente me pregando uma peça. De fato, quando
casada, raramente saíamos para vida noturna. Ele tinha um péssimo hábito de
levar os amigos para ficar jogando videogame lá em casa e eu passava a noite na
varanda com as esposas bebendo prosecco e tentando rir das mesmas histórias de
sempre. Depois de quase um ano divorciada e dando oportunidade para vários
caras que confundem as coisas achando que mulher na noite é só para a noite,
acho que me sabotei. Conheci um cara legal e...
[Henrique] Sou eu!
[Vanessa] Cala a boca! Conheci um cara
legal que não estava cheio de pressa e parecia querer dar uma chance maior a
coisa e o que faço? Me visto como a antiga Vanessa caseira. Que ódio! Qual o
problema de vocês?
[Henrique] Vocês quem, Fraulein Maria?
[Vanessa] Quem?
[Henrique] Fraulein Maria! Noviça
Rebelde! Suas roupas. Você recatada.
[Vanessa] Ah não pesquei. Enfim, estou
falando de vocês homens que não nos levam a sério, confundem tudo e nos deixam
assim como baratas tontas.
[Henrique] Novamente... Vocês quem? Eu
não faço isso. Quero dizer... Eu levo vocês a sério. Não faço o tal negócio de
confundir a cabeça de vocês. O que precisa estar bem definido dentro de você é
qual Vanessa você quer ser. Hoje estou lidando com as duas ao mesmo tempo.
Esteticamente, na minha frente está a mocinha da varanda. Já na interação está
a Vanessa baladeira, capaz de ficar um bom tempo conversando com um total
estranho... Estranho nos dois sentidos, não precisa falar... Fica conversando
com um total estranho ao ponto de dispensar, mesmo por alguns minutos, o
encontro que tinha marcado.
[Vanessa] E qual você prefere?
[Henrique] Faz diferença?
[Vanessa] Para mim, sim.
[Henrique] Consegui ter importância
para você.
[Vanessa] A sua opinião tem.
[Henrique] Você sabe ser cruel, não é
mesmo?
[Vanessa] Você não viu nada. Jamais
entenderia meus gostos.
[Henrique] Sua cafona! Uma mulher
vestida assim jamais leria 50 Tons de Cinza.
[Vanessa] [RISOS]
[Henrique] Bem... O que importa para
mim é a interação.
[Vanessa] Não, quero saber dos trajes.
[Henrique] Eu prefiro você sem eles.
[Vanessa] Estava indo tão bem que
diria que ia conseguir isso.
[Henrique] Peraí... Deixe-me consertar
mais uma vez... Isso não é justo. Eu sou ansioso.
[Vanessa] Confessa. Seja honesto.
Vamos. Se, na semana passada, eu estivesse vestida assim, jamais chamaria sua
atenção.
[Henrique] Claro que não! Digo... Como
discordo do que disse?
[Vanessa] Dizendo que sim.
[Henrique] Discordo com um sim?
[Vanessa] Sério que acha que vai me
conseguir ver nua assim?
[Henrique] NÃO! Digo... Ok... Serei
sincero. Só reparei na sua roupa semanada passada bem depois de quando te vi. O
que me chamou a atenção foi seu sorriso. E que inveja daquele maldito
almofadinha bananão aceitando esperar passivamente lá fora que te provocou um
sorriso tão lindo.
[Vanessa] Meu senhor! O César!
[Henrique] Ah agora você vai esperar.
Prometo que serei rápido. Vou começar citando na íntegra a passagem de Dante e
Virgílio pelo primeiro círculo do inferno em A Divina Comédia.
[Vanessa] Fala logo, homem. Pare com
essa baboseira de referências que você já me ganhou com a proposta da serra com
fondue.
[Henrique] Sério?
[Vanessa] FALA!
[Henrique] Eu já entendi o ponto da
sua curiosidade. Você quer saber com qual das duas vestes de Vanessa eu me
interessaria para namorar, correto?
[Vanessa] Exato!
[Henrique] Nenhuma das duas.
[Vanessa] Ah, e você é o cara que não
gosta de confundir as cabeças e que leva as mulheres a sério? Ficou com meu
suposto sorriso lindo na cabeça e veio puxar assunto apenas para tentar me
pegar. Depois iria me descartar no meio da madrugada, né? Eu já devia desconfiar.
Eu conheço seu tipinho.
[Henrique] Meu tipinho?
[Vanessa] Sim, seu tipinho. Você não
me engana. Devia ter desconfiado quando disse que sempre frequentou isso aqui.
Solteirão convicto. Vem com essa fala cheia de veneno, amolece o coração das
mulheres, usa e vai embora. Eu não estou tão afiada quanto gostaria, mas esse
ano solteira, passando o que passei, consegui ficar um pouco ligada com pessoas
como você. Estou mais arisca e capaz de me defender da tática de caça.
[Henrique] Tática de caça?
[Vanessa] Isso! Tática de caça. Esse
método que usam para cantar a mulherada.
[Henrique] Eu, honestamente, nunca
pensei assim. Sempre enxerguei como uma dança. Minha mãe dizia que na época
dela, na época dos grandes bailes, os rapazes mais namoradeiros... Termos
dela... Os rapazes mais namoradeiros eram os que sabiam dançar. Tiravam as
mocinhas para a pista e mais da metade do trabalho estava feito. Eu nunca soube
dançar. Então a conversa virou a minha dança. Tiro as mulheres para dançar e,
tentando ditar o ritmo, as conduzo para meu habitat natural, a conversa furada
que cerca e envolve. Não vou mentir, sou treinado pelos clássicos. Noivo
Neurótico, Noiva Nervosa. Harry & Sally. MASH.
[Vanessa] MASH?
[Henrique] É, MASH é necessário para
afiar o diálogo de cinismo. Como dizia... Faço isso mesmo, mas porque estou
interessado na pessoa. Essa história de transformar mulher em descartável é
coisa da sua cabeça. Eu nunca fui solteiro a vida toda. Fui casado por quase
sete anos. Nem por isso paramos de frequentar a noite. Éramos um casal da
noite. Acabou, não deu certo, mas continuamos pessoas da noite. Ela com a vida
dela e eu com a minha. Só que isso não implica necessariamente que queremos
ficar solteiros para sempre para curtir a noite. Eu curtia a noite acompanhado
e sei perfeitamente fazer isso.
[Vanessa] E por que não está então?
[Henrique] Não está o quê?
[Vanessa] Acompanhado.
[Henrique] Porque não encontrei uma
pessoa que quisesse entrar nessa vida comigo.
[Vanessa] Ora, se é só isso, por que
respondeu nenhuma das duas? Deveria ter respondido que prefere a Vanessa da
semana passada.
[Henrique] Respondi nenhuma das duas
porque jamais pensaria em namorar alguém que acabei de ver na noite.
[Vanessa] Ah então a mocinha do
sorriso lindo não é mais tão interessante para você?
[Henrique] Claro que é. Tanto que
estou aqui falando com você mesmo sabendo que ao final da conversa é com outro
cara que vai ficar. O que precisa entender é que você ser interessante, depois
de toda conversa que tivemos, virou um atributo óbvio para conseguir minha
atenção. O problema está em você decidir qual Vanessa quer ser. Quando
descobrir é só me procurar neste mesmo balcão que frequento tem muitos anos.
Com certeza estarei preparado para te metralhar com uma sequência de frases
surreais que tentarão te tirar do sério... Rapaz, por favor, apenas uma cerveja
desta vez porque ela está de saída, creio eu.
Vanessa
sai calmamente, vai até a porta que dá acesso à área externa e grita:
[Vanessa] CÉSAR, PRECISO QUE VÁ ATÉ O
MEIER BUSCAR MINHA PRIMA JENIFER. PEGUE UM TAXI QUE VOU TE MANDANDO AS
ORIENTAÇÕES PELO CELULAR.
Vanessa
volta para o lado de Henrique.
[Vanessa] Eu quero ser a Vanessa que
se irrita com sua incapacidade de calar a boca, a ponto de resolver isso te
beijando.
[Henrique] Rapaz, eu me enganei. Pode
pegar outra cerveja, por favor.