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Você não prefere pegar um vinho, alguns queijos e vemos um filme na sua casa?
Com
essa pergunta, Juliana respondeu à minha proposta de nos encontrarmos na
sexta-feira. Foi muito bacana da parte dela optar por deixar a Tatiana dormir
lá em casa depois do porre que ela tomou comigo na segunda-feira. Caso não
tenha sido bacana, foi educativo ao menos. Aprendi que existia a possibilidade
de Juliana dispensar uma noite comigo, mesmo com um fogo acumulado. Bem, eu
estava com fogo acumulado e imagino que ela também estivesse. Agora já sei que,
para encontrar Juliana, outros fatores externos deverão ser omitidos para não
correr o risco de ela se comover e adiar nossa programação. Evitando a
possibilidade de a Juliana ficar indecisa, caso propusesse outra atividade,
acabei aceitando.
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Ótimo! Sairei do trabalho e vou direto para sua casa.
Como
ainda era uma quarta-feira, tinha bastante tempo para providenciar as bebidas e
quitutes para o nosso primeiro encontro oficial. Todavia, achei mais prudente
já me organizar antecipadamente. Fui ao mercado e, na dúvida sobre o quanto
Juliana bebia, comprei quatro garrafas de vinho. Duas eu beberia dentro da
minha normalidade. Caso a mesma quantidade para Juliana fosse exagero,
dividiria mais uma com ela que ficaria com uma garrafa e meia. Esperava que ela
tivesse tolerância para uma garrafa e meia no mínimo. Um relacionamento com
alguém com pouca resistência ao álcool seria difícil de administrar no início.
Eu
já passei por essa situação. Pedia dois chopes, uma para mim e outro para quem
me acompanhava. Terminado o meu primeiro chope, a pessoa ainda estava na metade
do seu primeiro. Pedia o meu segundo, depois o terceiro e, ao pedir o quarto,
nada ainda da pessoa acabar com o primeiro. Não bastante, a pessoa cometia a
heresia de jogar uma boa quantidade fora porque esquentou.
Não,
Juliana não podia ser assim. Pelos poucos lampejos de memória que eu tinha de
sua formatura, ela virou uma boa quantidade de copos com bebidinhas
coloridinhas. Obviamente, é necessário ser razoável nessa recordação, pois se
tratava de um evento pontual em que todos enfiam o pé na jaca mesmo. Ou na
melancia, que é o meu caso. De qualquer forma, ela não era fraca em bebida.
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Bom dia! Comprou algo para nosso encontro?
Foi
assim que a Juliana me acordou na quinta-feira ao telefone. Em condições
normais, ser acordado, no dia seguinte em que combinou um encontro, com perguntas
sendo feitas, iria me provocar calafrios. Entenderia que a pessoa era pegajosa
e não estava sabendo como se portar em um início de relacionamento. Contudo,
não era o nosso caso. A rotina de nos falarmos era constante antes mesmo de começarmos
a flertar um com o outro. Conversávamos quase todos os dias, falando sobre tudo e
nada ao mesmo tempo. Se, por algum acaso, não acordasse com uma mensagem ou
ligação dela, eu que entraria em contato assim que me levantasse da cama. Naquele
dia, não seria apenas pela força do hábito, mas, também, porque tinha algo
engraçado para contar. Ao menos, era engraçado para mim.
Contei
que fui ao mercado e estava com muitas dúvidas sobre a quantidade de vinho a
ser comprada. Fato que ela rapidamente me tranquilizou dizendo que uma garrafa
e meia era suficiente para ela. Portanto, antes que me prolongasse, já tinha
uma boa notícia. Em seguida, comentei sobre a indecisão que tive sobre qual
tipo de vinho levar. Que seria vinho tinto, não existia dúvida. O problema
estava em saber se tinha alguma uva de preferência da Juliana, ou alguma uva que
ela não gostasse. Mais uma vez ela me tranquilizou dizendo que não tinha
frescura para isso. Bastava ser tinto e ela se daria por satisfeita. Juliana
não parava de se mostrar uma garota perfeita para mim. Tinha uma tolerância
razoável para álcool e bebia qualquer vinho.
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Qualquer vinho, não! Não me venha com vinho rose.
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Como não te amar, baby?
Depois
que ela parou de rir, prossegui. Comentei que outra indecisão foi a respeito
dos rótulos. Compraria quatro rótulos iguais? Quatro rótulos diferentes de uvas
iguais? Ou compraria tudo diferente? Consolidando uma trinca de respostas
perfeitas, Juliana afirmou que era indiferente. Tudo que ela queria era estar
ao meu lado e beber vinho até os olhos ficarem bem pequeninos. Comecei então a
disparar elogios compulsivamente, até que ela me interrompeu:
-
Tá! Tá! E o que de fato você tem então aí para mim?
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Bem, tinha um uruguaio de uvas tannat... – Juliana me interrompeu.
-
Tinha? Como assim tinha? Você comprou ou não comprou?
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Comprei.
-
E então como falou que tinha?
Por
estar empolgado com esse início de relacionamento com a Juliana e com a
expectativa que desse certo, acabei abrindo mão naquela noite de ir para a rua.
Escolhi por ficar em casa colocando algumas ideias e leitura em dia. No início
foi bem complicado, pois, como se sabe, estava com um fogo acumulado desde a
nossa frustrada tentativa de primeiro sexo. Recorrer à velha amiga punheta não
parecia uma boa ideia naquele momento. Teria a mesma eficácia de cantar rock and roll para uma criança dormir.
Optei por abrir o tal vinho uruguaio para me dar uma desacelerada e acabei
bebendo ele todo.
-
Está bem, seu pinguço. Ao menos temos três então.
-
Não exatamente.
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Você está de sacanagem!
Não
estava. A garrafa do vinho uruguaio terminou antes das dez da noite e não me
acalmou na totalidade. Para piorar, só costumava dormir depois das duas da
madrugada. Isto é, teria ainda pouco mais de quatro horas com gostinho na boca de
quero mais vinho. Claro que isso não ia dar certo. Abri então a garrafa de vinho
chileno que também tinha comprado. Infelizmente, ela não durou as quatro horas
calculadas, mas também não foi tão rápida como a primeira.
-
Terminado vinho chileno então, você já estava completamente bêbado e desmaiou
nesse seu sofá imundo, mesmo sendo antes das duas da madrugada, certo?
-
Não! Muito pelo contrário. Fiquei aceso, ativo e cheio de ideias. Pulei para a
cadeira, liguei o computador e comecei a escrever.
-
Deixe-me adivinhar – Juliana fez uma pausa proposital -, você abriu uma garrafa
de vinho italiano para te acompanhar.
-
Argentino.
-
Claro! Argentino.
Ela
sabia que eu adorava beber enquanto escrevia. Conforme mais ébrio ficava, as
minhas ideias ficam cada vez melhores. Minha imaginação era como um Opala,
precisava de muito álcool para render cada vez mais e em uma velocidade
crescente. Obviamente, com muito álcool no sangue, minha digitação ficava
péssima, flertando com momentos de dislexia, analfabetismo e aramaico. Todavia,
isso acabava virando problema apenas para o dia seguinte na hora de revisar o
texto.
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Produziu muito?
-
Umas vinte e poucas páginas.
-
Quanto que isso dá em mililitros?
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Como assim?
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Você matou a terceira garrafa e ainda abriu a quarta?
-
Não, claro que não. Fiquei só na terceira.
-
Porque passar para a quarta garrafa sozinho, aí sim, seria sinal de alcoolismo,
né?
Juliana
tinha um senso de humor debochado que me encantava. Ela sabia fazer graça das
coisas e, principalmente, de mim. O que me tornava especial. Pelo menos assim
eu preferia imaginar. Somado a isso, ela passava a imagem de desencanada com as
coisas. Não que isso fizesse dela desleixada ou desapegada. Era apenas o jeito
dela de deixar as coisas acontecerem como deveriam acontecer. Sem intervenções.
Por ela, as coisas não deviam ser mudadas, mas compatibilizadas. Tanto que no
assunto do vinho, ela se posicionou de maneira contundente e, ao mesmo tempo,
preventivamente. Foram duas ordens. A primeira, ir ao mercado naquela tarde e
repor as três garrafas de vinho. A segunda, não ficar em casa naquela noite. Sugeriu
que eu fosse para a Lapa e chegasse em casa bêbado ao ponto de não aguentar
sequer olhar para as garrafas de vinho.
-
Baby, essa segunda ordem vai ser complicada.
-
Eu confio em você. – Juliana debochou mais uma vez, provocando um sorriso
espontâneo em mim. – Tente o seu melhor.
No
dia seguinte, acordei no sofá. Talvez acordar não seja o termo mais apropriado.
Ressuscitei era a palavra que melhor se encaixava na situação. Tinha adormecido
no sofá ao chegar em casa. Ao menos era o que aparentava, pois estava sem
camisa, mas de calça jeans ainda. Tinha obedecido à ordem de Juliana e fui à
Lapa na noite anterior. Logo após ela ter desligado, fui pesquisar qual era a
melhor opção para aquela noite de quinta-feira. Descobri então que tinha um bar
com rodada dupla de chope das seis até nove da noite. Obviamente que cheguei
pouco antes das seis para aproveitar na totalidade a promoção. Lembrei então
que tinha dado um bom trabalho para o garçom durante aquelas três horas. Depois
disso, tinha uma pequena recordação de alguém tocando um grande sino para
avisar que a promoção tinha acabado. E só. Nada mais me vinha à cabeça.
Levantei-me do sofá então e peguei o celular para ver se tinha algum registro
do resto da noite nele. Três mensagens. Duas eram da Juliana. Uma dizia que
estava contando as horas para me ver. A outra era avisando que, ao sair do
trabalho, mandaria uma mensagem. A terceira mensagem era um áudio de um número
não salvo no celular:
-
Cheguei bem. Adorei te conhecer. – dizia a voz feminina.
Talvez
fosse engano. Resolvi conferir o horário da mensagem. Quase sete da manhã. Era
impossível eu ter ficado tanto tempo na rua. Mesmo não tendo mais uma
recordação sequer após a daquele sino dos infernos, achar que bebi por mais de
doze horas era inconcebível. Entendo que não necessariamente teria literalmente
bebido pelas supostas doze horas na rua. Poderia ter bebido mais uma ou duas
horas e depois me atracado com a dona da voz feminina. Não, não era possível.
Não teria feito isso. Achei melhor mandar uma mensagem perguntando quem era.
Depois desisti. Existia a possibilidade de ter passado esse tempo todo na rua
na companhia da moça do áudio. Mesmo que remota, a possibilidade existia.
Talvez, receber uma mensagem do cara que conheceu há poucas horas perguntando quem
era, não fosse algo bom para a autoestima dela. Decidi ouvir novamente o áudio:
-
Cheguei, baby. Adorei te conhecer.
Ouvi
mais outras três vezes para ter certeza se ela dizia bem ou baby. Era baby. Sim,
baby. E, se era baby, era para mim com certeza. Não era possível. Estava
prestes a iniciar um relacionamento da pior maneira possível, saindo com outra
mulher horas antes do primeiro encontro. Isso era digno de registro em alguma
enciclopédia sobre o assunto. Achei que seria melhor ligar para a pessoa e
esclarecer tudo.
-
Nossa – a voz feminina atendeu demonstrando grande receptividade à minha
ligação -, quando disse que era um cavalheiro, achei que era papo de alguém
bêbado. Vejo que me enganei, pois está ligando no dia seguinte.
Tecnicamente
não era o dia seguinte. Era o mesmo dia. Além disso, acreditava que deveria
existir alguma regra na legislação dos encontros informais que pudesse prever
aquela situação. Isto é, se a pessoa entrasse em contato com a outra poucas
horas depois demonstrando arrependimento, o fato seria automaticamente
cancelado. Pelo menos, na minha cabeça, isso fazia sentido.
-
Relaxa – ela reagiu com tranquilidade quando expliquei o que estava
acontecendo. – Você está muito encanado com uma coisa simples.
-
Preste atenção – fiz uma pausa para escolher melhor as palavras. – Você diz que
é uma coisa simples, mas eu não posso dizer o mesmo.
-
Ora, por que não?
-
Porque não me lembro de coisa alguma.
-
Baby... – eu a interrompi antes que completasse a frase.
-
Não deboche de mim me chamando de baby.
-
Não é deboche. Eu gostei de você se referindo a mim como baby. Tanto que passei
a te chamar assim à noite toda e você confessou que curtia porque dava a
entender que estava na sua. Nem disso se lembra?
-
Não, nem disso.
-
Você se lembra do meu rosto ao menos?
-
Baby... – ela que me interrompeu dessa vez.
-
Sem baby, por favor.
-
Ok! É justo. Não, não me recordo do seu rosto, do que falamos, do que fizemos,
sequer de onde fizemos. Nada! Nada mesmo!
-
Então você é muito mentiroso, pois, quando fui embora, disse que estava
adorando ir dormir com meu gosto na boca e meu cheiro na sua cama.
-
Minha cama?
-
É! Sua cama! E, se não tem meu gosto na boca ou meu cheiro na cama, com certeza,
ao menos, tem vários fios de cabelo meus na sua cama.
-
MERDA!
Desliguei
acreditando que ela não iria me ligar de volta. Não a condeno. Mesmo se
ligasse, não teria como atender. Fui correndo para o quarto trocar lençol,
fronhas e edredom. Depois passei uma vassoura no chão para não deixar vestígios
algum. Não queria imaginar a frustração da Juliana, ao passar a primeira noite
comigo, encontrando cabelo que não fosse dela na cama. Quando terminei que fui
me atentar para a hora. Já era mais de cinco da tarde. Pelo tempo que demorei
dando um trato no quarto, estimei que tivesse acordado por volta de três da
tarde. Coloquei então uma camisa qualquer e, com o resto de roupa da noite
anterior, fui correndo ao mercado comprar os frios para aquela noite. Enquanto
já voltava do mercado, recebi a mensagem de Juliana me avisando que estava a
caminho. Apertei o passo para chegar logo em casa. Por lá, tomei banho, me
arrumei e poucos minutos depois ouvi a campainha tocar.
-
Chegou agora da rua também? – Juliana me perguntou assim que abri a porta.
-
Não. Por quê?
-
Está todo arrumado.
Não
estava todo arrumado. Vestia uma calça jeans e uma camisa social com as mangas longas
enroladas. Imaginei que seria compatível com um primeiro encontro oficial,
mesmo com ele acontecendo na minha casa de maneira improvisada. Depois da
chegada de Juliana que percebi que era um pouco demais. Não por conta do
comentário dela, mas pelo todo. Estávamos na minha casa toda bagunçada e, de
quebra, a Juliana estava vestindo o uniforme do trabalho. Cheguei a especular a
possibilidade de dizer o que tinha pensado. Contudo, ao me ouvir, dentro da
minha cabeça, dizendo que estava todo arrumado só para ela, fez com que eu
percebesse o quanto soaria patético.
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É... – abri a porta totalmente para ela poder passar. – Não sei o que me deu na
cabeça.
-
Hum... Aqui que é o seu novo matadouro?
-
Não, aqui é o novo lugar que você vai frequentar bastante. – E em seguida a
beijei.
Não
foi um beijo daqueles de se perder o fôlego e sair faísca. Tampouco foi um
beijo protocolar para cumprir com a norma de conduta de se receber alguém. Foi
um beijo sincero, digamos assim. Houve entrega por ambas as partes. Foi
demorado e intenso, sem ser forçado ou fogoso. Acima de tudo, foi um beijo em
que nitidamente os dois estavam à vontade. Juliana, com seus braços ao redor do
meu pescoço e passando suas mãos pela minha cabeça, nuca e rosto, demonstrava
confiança e conforto ao estar comigo. Ela queria estar lá comigo, não havia
dúvidas. Eu também queria aquilo. Ah, como eu queria aquilo! E tinha tempo que
queria aquilo. Como eu queria que aquele beijo nunca mais acabasse. Em um
momento acabou e ficamos próximos nos encarando. Naquele momento a ficha caiu.
A garota, com quem fiquei meses flertando, que tirou minhas noites de sono,
provocava sorrisos bobos em mim por qualquer motivo e fez uma enorme bagunça na
minha cabeça, estava finalmente comigo. Não sendo suficiente, ela era linda.
Com seus braços me envolvendo, lábios umedecidos pelos meus lábios e pescoço
esticado para o alto para poder me encarar, ela ficava irresistível. Tínhamos trocado
por todo aquele tempo inúmeras mensagens com confidências recíprocas. Eu a
tinha visto toda produzida na sua formatura, uma das cenas mais lindas que já
presenciei. Todavia, naquele momento, encarando-a de perto, entregue e,
principalmente, comigo, que tive a certeza que era ela. Estava apaixonado.
Apaixonado e sem palavras. Fiquei mudo. Ela, enfim, sinalizou com a sobrancelha
como quem pergunta o que vai acontecer. Interagi dizendo apenas oi. Não um oi de
gíria usado comumente quando não se entende algo. Foi um oi de saudação.
Claramente foi um oi de quem está vendo alguém pela primeira vez. Ela riu,
retirou os braços de ao redor do meu pescoço e andando para ver o resto da casa
disparou:
-
Não sei o que é pior em situações como essas. Você sóbrio sem palavras todo
abobado, ou você bêbado falando putaria achando que é sexy.
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Bem lembrado. – Fui buscar a primeira garrafa de vinho na cozinha enquanto
Juliana entrava no meu quarto para conhecê-lo.
Ela
fez um comentário sobre o apartamento ser pequeno. Sim, era. Sempre disse isso.
Além do mais, era algo que não me afetava. Muito pelo contrário. Morar em um
apartamento com medidas discretas estava sendo perfeito para mim. Passei a usar
apenas o mínimo. Não queria, e nem podia, acumular coisas. A vida tornou-se
prática e simples. Eu precisava de pouco para ter conforto e sossego. Espaço,
naquela fase, era a última coisa que precisava. Quem precisa de espaço para
viver é cavalo e vaca.
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Muito obrigado pela parte que me toca – Juliana respondeu do meu quarto.
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Você entendeu meu ponto de vista – repliquei e fui da cozinha para o quarto com
o vinho aberto e duas taças. – Aqui... pegue uma.
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Nossa – Juliana se espantou. – Temos um homem civilizado. Vamos beber em taças?
Nada de copo de requeijão ou direto no gargalo?
-
Preciso de muita intimidade para dividir o gargalo com outra pessoa.
-
Ah, mas para colocar a sua boca em todas as partes de outra pessoa, não?
Apesar
do deboche de Juliana, o meu ponto de vista não era sobre higiene. Beber vinho
no gargalo vai muito além disso. É preciso ter estilo. Não pode ser em qualquer
situação. Tampouco em qualquer lugar. Do contrário, você fica parecendo um
mendigo prepotente. Beber vinho em casa no gargalo é algo muito específico. Não
pode ser sentado no sofá com as pernas cruzadas, passando um filme na televisão
e com uma bandeja de frios à sua frente. É incompatível, incoerente e beira à
demência. Em casa, para beber um vinho no gargalo, você precisa estar sentado
no chão encostado no sofá. É necessário que ao fundo esteja tocando algo
melancólico. A cada vez que repousar a garrafa no chão, você tem de olhar para
o teto e refletir algo da maneira mais pessimista possível. Ter um ventilador
de teto ligado em baixa velocidade ajuda a criar o cenário ideal. Descrevo essa
cena com tamanha propriedade porque era rotineira para mim. Para completar,
fitava meus livros na prateleira. Relembrava de trechos favoritos de um, me
arrependia por ter lido outros e lamentava por nunca tê-los organizados
adequadamente.
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Você é doido – Juliana me cortou, repousando a taça vazia sobre a mesa de
cabeceira e tomando a garrafa de vinho da minha mão. – Voltando ao assunto
normal. Entendo que prefira agora coisas menores, mas você acha mesmo que aqui
poderá ter tudo que precisa?
-
Claro que sim. E, se abrir o meu armário, perceberá que cabem até coisas suas.
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EPA! – Juliana me deu um corte enquanto se espalhava pela minha cama. – Não
vamos apressar essa parte, tá? Uma coisa por vez.
-
Eu não estou dizendo para se mudar para minha casa. Estava me referindo apenas
a deixar algumas coisas básicas por aqui. Tipo escova, shampoo, calcinhas
limpas, cinta-liga, corpete, camisola sexy...
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Cala a boca!
Juliana
riu e se virou de bruços na minha cama com os pés para o alto. Enquanto ela
dava um bom gole direto do gargalo, tirei seus sapatos, meias e dei uns breves
apertões em seus pés. Ela comentou que estava começando a gostar daquele estilo
de vida que lhe proporcionava naquele momento. Talvez aquela não fosse a rotina
mais saudável para um casal. Contudo, passar uma noite inteira na cama
bebericando vinho e jogando papo fora com quem você gosta, é um bom programa
semanal. Depois que cada um dos seus pés recebeu atenção igual, deitei-me sobre
ela e pedi um gole.
-
Você não disse que teríamos uns frios para acompanhar?
-
Você não quer me dar um gole, avise logo, tá?
-
Só comentei porque ficar bebendo de barriga vazia, já, já, vai dar errado.
-
Bem – fiz uma pausa, peguei a garrafa de sua mão, aproximei da minha boca e,
antes de dar o gole, falei. – Posso até pegar. Só que para isso, terei de sair
de cima de você.
-
Ah – Juliana fingiu refletir em voz alta. – Pensando bem... acho que posso
esperar mais um pouco.
Então
ficamos ali por quase uma hora. Bebíamos com calma nosso vinho e fazíamos o
nosso melhor praticado por meses, jogar papo fora. Quando não estava falando ou
bebendo o vinho, eu estava dando pequenos beijos no seu pescoço e atrás da
orelha. Vez ou outra, ela dizia para dar mais atenção ao outro lado do seu
rosto e para lá que eu ia. Foi assim até acabar o vinho, momento em que Juliana
disse que não existia mais opção, teria de me levantar. Era uma boa desculpa.
Fui à cozinha, abri o vinho, preparei dois pratos, queijos cortados em um e
salaminho servido em outro. Juliana sempre amou salaminho. Tanto que, na época
em que apenas flertávamos, brincava que queria que meu apelido íntimo com ela
fosse salaminho. Ela odiava aquilo. Seja qual fosse a conotação do apelido.
-
Não está faltando um pouco de vinho nessa garrafa? – perguntou a Juliana quando
retornei.
-
É que enquanto arrumava as coisas fui beberi... – engasguei ao ver a cena no
meu quarto. – Você não estava de calças quando saí daqui?
-
Tirei, ué! Estava muito calor.
-
E a blusa ficou por qual motivo?
-
Queria te dar o prazer de tirar.
-
Ah, obrigado. Não vamos perder tempo então.
-
NÃO! Agora não, afobado. Coloque esses pratos aqui e me dê o vinho. Sente aqui
do meu lado.
Ela
sempre teve o controle das situações. Enquanto orquestrava tudo que acontecia
desde o início quando começamos a conversar fora de sala de aula, eu agia de
maneira afobada e sem direção. Ela era a aranha no centro de sua teia. Eu era a
mariposa dentro de um quarto com muitas lâmpadas de Natal piscando.
A
noite foi ótima. Comemos todos os frios. A maior parte ficou por conta dela. A
menina tinha um apetite invejável. Matamos as quatro garrafas de vinho. Nessa
parte, o exagero ficou por minha conta. Conversamos a noite toda, sempre debochando
um do outro quando existia uma deixa no ar. Mais uma vez, Juliana quem
prevaleceu desta vez. Tivemos momentos de beijos e trocas de carícias. Por fim,
nada de filmes. Só nós dois. Éramos suficientes no quesito entretenimento.
Quando nossas opções de bebida e comida estavam por encerradas, Juliana se
levantou e foi tomar banho. Logo depois voltou completamente nua. Linda! Seu
corpo era maravilhosamente equilibrado em medidas generosamente distribuídas. Não
dar igual atenção a cada parte dela era de uma heresia sem tamanho. Alheia ao
meu estado catatônico, Juliana inclinou o corpo para frente, puxou todo seu
cabelo junto e o prendeu em um rabo de cavalo. Depois, reclinou-se para a
posição original com velocidade, arremessando assim os cabelos para trás. Meu
coração quase parou com a aquela cena. Foi aí que ela reparou no meu estado de
hipnotizado. Ela perguntou o que tinha acontecido.
-
Nada. Apenas venha aqui – foram as minhas últimas palavras antes de agarrá-la.
Transamos pelo resto
daquela madrugada. Desta vez, sem afobação. Foi tranquilo e intenso ao mesmo
tempo. Sem pressa, mas sem parecer frio também. Apesar de alguns arranhões nas
minhas costas, chupões no pescoço dela e pequenas marcas de mordida em ambos os
corpos, não podíamos dizer que fodemos ou trepamos. Tampouco falaríamos que
transamos. Fizemos amor. Eu sei que isso é muito cafona, mas é a definição
certa para o que aconteceu naquela noite. Os dois queriam. Os dois se
entregaram. Os dois estavam em um mesmo nível de envolvimento. Tinha sentimento,
pele, química e hormônios envolvidos. Tudo dosado de maneira adequada.
Terminado, ficamos abraçados até ela dormir. Nossa noite deixou Juliana
relaxada. Eu, por outro lado, fiquei mais aceso. Não de excitado, mas de
desperto. Sabia que demoraria a pegar no sono e nem por isso saí dali. Fiquei
horas abraçado à Juliana enquanto ela dormia profundamente. Eu não queria estar
em outro lugar. Eu tinha me achado no meio do turbilhão de uma nova vida.
Próximo capítulo: Confraternização