sábado, 29 de outubro de 2016

Enfim, primeiro encontro

Capítulo anterior Notícias do front
- Você não prefere pegar um vinho, alguns queijos e vemos um filme na sua casa?
Com essa pergunta, Juliana respondeu à minha proposta de nos encontrarmos na sexta-feira. Foi muito bacana da parte dela optar por deixar a Tatiana dormir lá em casa depois do porre que ela tomou comigo na segunda-feira. Caso não tenha sido bacana, foi educativo ao menos. Aprendi que existia a possibilidade de Juliana dispensar uma noite comigo, mesmo com um fogo acumulado. Bem, eu estava com fogo acumulado e imagino que ela também estivesse. Agora já sei que, para encontrar Juliana, outros fatores externos deverão ser omitidos para não correr o risco de ela se comover e adiar nossa programação. Evitando a possibilidade de a Juliana ficar indecisa, caso propusesse outra atividade, acabei aceitando.
- Ótimo! Sairei do trabalho e vou direto para sua casa.
Como ainda era uma quarta-feira, tinha bastante tempo para providenciar as bebidas e quitutes para o nosso primeiro encontro oficial. Todavia, achei mais prudente já me organizar antecipadamente. Fui ao mercado e, na dúvida sobre o quanto Juliana bebia, comprei quatro garrafas de vinho. Duas eu beberia dentro da minha normalidade. Caso a mesma quantidade para Juliana fosse exagero, dividiria mais uma com ela que ficaria com uma garrafa e meia. Esperava que ela tivesse tolerância para uma garrafa e meia no mínimo. Um relacionamento com alguém com pouca resistência ao álcool seria difícil de administrar no início.
Eu já passei por essa situação. Pedia dois chopes, uma para mim e outro para quem me acompanhava. Terminado o meu primeiro chope, a pessoa ainda estava na metade do seu primeiro. Pedia o meu segundo, depois o terceiro e, ao pedir o quarto, nada ainda da pessoa acabar com o primeiro. Não bastante, a pessoa cometia a heresia de jogar uma boa quantidade fora porque esquentou.
Não, Juliana não podia ser assim. Pelos poucos lampejos de memória que eu tinha de sua formatura, ela virou uma boa quantidade de copos com bebidinhas coloridinhas. Obviamente, é necessário ser razoável nessa recordação, pois se tratava de um evento pontual em que todos enfiam o pé na jaca mesmo. Ou na melancia, que é o meu caso. De qualquer forma, ela não era fraca em bebida.
- Bom dia! Comprou algo para nosso encontro?
Foi assim que a Juliana me acordou na quinta-feira ao telefone. Em condições normais, ser acordado, no dia seguinte em que combinou um encontro, com perguntas sendo feitas, iria me provocar calafrios. Entenderia que a pessoa era pegajosa e não estava sabendo como se portar em um início de relacionamento. Contudo, não era o nosso caso. A rotina de nos falarmos era constante antes mesmo de começarmos a flertar um com o outro. Conversávamos quase todos os dias, falando sobre tudo e nada ao mesmo tempo. Se, por algum acaso, não acordasse com uma mensagem ou ligação dela, eu que entraria em contato assim que me levantasse da cama. Naquele dia, não seria apenas pela força do hábito, mas, também, porque tinha algo engraçado para contar. Ao menos, era engraçado para mim.
Contei que fui ao mercado e estava com muitas dúvidas sobre a quantidade de vinho a ser comprada. Fato que ela rapidamente me tranquilizou dizendo que uma garrafa e meia era suficiente para ela. Portanto, antes que me prolongasse, já tinha uma boa notícia. Em seguida, comentei sobre a indecisão que tive sobre qual tipo de vinho levar. Que seria vinho tinto, não existia dúvida. O problema estava em saber se tinha alguma uva de preferência da Juliana, ou alguma uva que ela não gostasse. Mais uma vez ela me tranquilizou dizendo que não tinha frescura para isso. Bastava ser tinto e ela se daria por satisfeita. Juliana não parava de se mostrar uma garota perfeita para mim. Tinha uma tolerância razoável para álcool e bebia qualquer vinho.
- Qualquer vinho, não! Não me venha com vinho rose.
- Como não te amar, baby?
Depois que ela parou de rir, prossegui. Comentei que outra indecisão foi a respeito dos rótulos. Compraria quatro rótulos iguais? Quatro rótulos diferentes de uvas iguais? Ou compraria tudo diferente? Consolidando uma trinca de respostas perfeitas, Juliana afirmou que era indiferente. Tudo que ela queria era estar ao meu lado e beber vinho até os olhos ficarem bem pequeninos. Comecei então a disparar elogios compulsivamente, até que ela me interrompeu:
- Tá! Tá! E o que de fato você tem então aí para mim?
- Bem, tinha um uruguaio de uvas tannat... – Juliana me interrompeu.
- Tinha? Como assim tinha? Você comprou ou não comprou?
- Comprei.
- E então como falou que tinha?
Por estar empolgado com esse início de relacionamento com a Juliana e com a expectativa que desse certo, acabei abrindo mão naquela noite de ir para a rua. Escolhi por ficar em casa colocando algumas ideias e leitura em dia. No início foi bem complicado, pois, como se sabe, estava com um fogo acumulado desde a nossa frustrada tentativa de primeiro sexo. Recorrer à velha amiga punheta não parecia uma boa ideia naquele momento. Teria a mesma eficácia de cantar rock and roll para uma criança dormir. Optei por abrir o tal vinho uruguaio para me dar uma desacelerada e acabei bebendo ele todo.
- Está bem, seu pinguço. Ao menos temos três então.
- Não exatamente.
- Você está de sacanagem!
Não estava. A garrafa do vinho uruguaio terminou antes das dez da noite e não me acalmou na totalidade. Para piorar, só costumava dormir depois das duas da madrugada. Isto é, teria ainda pouco mais de quatro horas com gostinho na boca de quero mais vinho. Claro que isso não ia dar certo. Abri então a garrafa de vinho chileno que também tinha comprado. Infelizmente, ela não durou as quatro horas calculadas, mas também não foi tão rápida como a primeira.
- Terminado vinho chileno então, você já estava completamente bêbado e desmaiou nesse seu sofá imundo, mesmo sendo antes das duas da madrugada, certo?
- Não! Muito pelo contrário. Fiquei aceso, ativo e cheio de ideias. Pulei para a cadeira, liguei o computador e comecei a escrever.
- Deixe-me adivinhar – Juliana fez uma pausa proposital -, você abriu uma garrafa de vinho italiano para te acompanhar.
- Argentino.
- Claro! Argentino.
Ela sabia que eu adorava beber enquanto escrevia. Conforme mais ébrio ficava, as minhas ideias ficam cada vez melhores. Minha imaginação era como um Opala, precisava de muito álcool para render cada vez mais e em uma velocidade crescente. Obviamente, com muito álcool no sangue, minha digitação ficava péssima, flertando com momentos de dislexia, analfabetismo e aramaico. Todavia, isso acabava virando problema apenas para o dia seguinte na hora de revisar o texto.
- Produziu muito?
- Umas vinte e poucas páginas.
- Quanto que isso dá em mililitros?
- Como assim?
- Você matou a terceira garrafa e ainda abriu a quarta?
- Não, claro que não. Fiquei só na terceira.
- Porque passar para a quarta garrafa sozinho, aí sim, seria sinal de alcoolismo, né?
Juliana tinha um senso de humor debochado que me encantava. Ela sabia fazer graça das coisas e, principalmente, de mim. O que me tornava especial. Pelo menos assim eu preferia imaginar. Somado a isso, ela passava a imagem de desencanada com as coisas. Não que isso fizesse dela desleixada ou desapegada. Era apenas o jeito dela de deixar as coisas acontecerem como deveriam acontecer. Sem intervenções. Por ela, as coisas não deviam ser mudadas, mas compatibilizadas. Tanto que no assunto do vinho, ela se posicionou de maneira contundente e, ao mesmo tempo, preventivamente. Foram duas ordens. A primeira, ir ao mercado naquela tarde e repor as três garrafas de vinho. A segunda, não ficar em casa naquela noite. Sugeriu que eu fosse para a Lapa e chegasse em casa bêbado ao ponto de não aguentar sequer olhar para as garrafas de vinho.
- Baby, essa segunda ordem vai ser complicada.
- Eu confio em você. – Juliana debochou mais uma vez, provocando um sorriso espontâneo em mim. – Tente o seu melhor.
No dia seguinte, acordei no sofá. Talvez acordar não seja o termo mais apropriado. Ressuscitei era a palavra que melhor se encaixava na situação. Tinha adormecido no sofá ao chegar em casa. Ao menos era o que aparentava, pois estava sem camisa, mas de calça jeans ainda. Tinha obedecido à ordem de Juliana e fui à Lapa na noite anterior. Logo após ela ter desligado, fui pesquisar qual era a melhor opção para aquela noite de quinta-feira. Descobri então que tinha um bar com rodada dupla de chope das seis até nove da noite. Obviamente que cheguei pouco antes das seis para aproveitar na totalidade a promoção. Lembrei então que tinha dado um bom trabalho para o garçom durante aquelas três horas. Depois disso, tinha uma pequena recordação de alguém tocando um grande sino para avisar que a promoção tinha acabado. E só. Nada mais me vinha à cabeça. Levantei-me do sofá então e peguei o celular para ver se tinha algum registro do resto da noite nele. Três mensagens. Duas eram da Juliana. Uma dizia que estava contando as horas para me ver. A outra era avisando que, ao sair do trabalho, mandaria uma mensagem. A terceira mensagem era um áudio de um número não salvo no celular:
- Cheguei bem. Adorei te conhecer. – dizia a voz feminina.
Talvez fosse engano. Resolvi conferir o horário da mensagem. Quase sete da manhã. Era impossível eu ter ficado tanto tempo na rua. Mesmo não tendo mais uma recordação sequer após a daquele sino dos infernos, achar que bebi por mais de doze horas era inconcebível. Entendo que não necessariamente teria literalmente bebido pelas supostas doze horas na rua. Poderia ter bebido mais uma ou duas horas e depois me atracado com a dona da voz feminina. Não, não era possível. Não teria feito isso. Achei melhor mandar uma mensagem perguntando quem era. Depois desisti. Existia a possibilidade de ter passado esse tempo todo na rua na companhia da moça do áudio. Mesmo que remota, a possibilidade existia. Talvez, receber uma mensagem do cara que conheceu há poucas horas perguntando quem era, não fosse algo bom para a autoestima dela. Decidi ouvir novamente o áudio:
- Cheguei, baby. Adorei te conhecer.
Ouvi mais outras três vezes para ter certeza se ela dizia bem ou baby. Era baby. Sim, baby. E, se era baby, era para mim com certeza. Não era possível. Estava prestes a iniciar um relacionamento da pior maneira possível, saindo com outra mulher horas antes do primeiro encontro. Isso era digno de registro em alguma enciclopédia sobre o assunto. Achei que seria melhor ligar para a pessoa e esclarecer tudo.
- Nossa – a voz feminina atendeu demonstrando grande receptividade à minha ligação -, quando disse que era um cavalheiro, achei que era papo de alguém bêbado. Vejo que me enganei, pois está ligando no dia seguinte.
Tecnicamente não era o dia seguinte. Era o mesmo dia. Além disso, acreditava que deveria existir alguma regra na legislação dos encontros informais que pudesse prever aquela situação. Isto é, se a pessoa entrasse em contato com a outra poucas horas depois demonstrando arrependimento, o fato seria automaticamente cancelado. Pelo menos, na minha cabeça, isso fazia sentido.
- Relaxa – ela reagiu com tranquilidade quando expliquei o que estava acontecendo. – Você está muito encanado com uma coisa simples.
- Preste atenção – fiz uma pausa para escolher melhor as palavras. – Você diz que é uma coisa simples, mas eu não posso dizer o mesmo.
- Ora, por que não?
- Porque não me lembro de coisa alguma.
- Baby... – eu a interrompi antes que completasse a frase.
- Não deboche de mim me chamando de baby.
- Não é deboche. Eu gostei de você se referindo a mim como baby. Tanto que passei a te chamar assim à noite toda e você confessou que curtia porque dava a entender que estava na sua. Nem disso se lembra?
- Não, nem disso.
- Você se lembra do meu rosto ao menos?
- Baby... – ela que me interrompeu dessa vez.
- Sem baby, por favor.
- Ok! É justo. Não, não me recordo do seu rosto, do que falamos, do que fizemos, sequer de onde fizemos. Nada! Nada mesmo!
- Então você é muito mentiroso, pois, quando fui embora, disse que estava adorando ir dormir com meu gosto na boca e meu cheiro na sua cama.
- Minha cama?
- É! Sua cama! E, se não tem meu gosto na boca ou meu cheiro na cama, com certeza, ao menos, tem vários fios de cabelo meus na sua cama.
- MERDA!
Desliguei acreditando que ela não iria me ligar de volta. Não a condeno. Mesmo se ligasse, não teria como atender. Fui correndo para o quarto trocar lençol, fronhas e edredom. Depois passei uma vassoura no chão para não deixar vestígios algum. Não queria imaginar a frustração da Juliana, ao passar a primeira noite comigo, encontrando cabelo que não fosse dela na cama. Quando terminei que fui me atentar para a hora. Já era mais de cinco da tarde. Pelo tempo que demorei dando um trato no quarto, estimei que tivesse acordado por volta de três da tarde. Coloquei então uma camisa qualquer e, com o resto de roupa da noite anterior, fui correndo ao mercado comprar os frios para aquela noite. Enquanto já voltava do mercado, recebi a mensagem de Juliana me avisando que estava a caminho. Apertei o passo para chegar logo em casa. Por lá, tomei banho, me arrumei e poucos minutos depois ouvi a campainha tocar.
- Chegou agora da rua também? – Juliana me perguntou assim que abri a porta.
- Não. Por quê?
- Está todo arrumado.
Não estava todo arrumado. Vestia uma calça jeans e uma camisa social com as mangas longas enroladas. Imaginei que seria compatível com um primeiro encontro oficial, mesmo com ele acontecendo na minha casa de maneira improvisada. Depois da chegada de Juliana que percebi que era um pouco demais. Não por conta do comentário dela, mas pelo todo. Estávamos na minha casa toda bagunçada e, de quebra, a Juliana estava vestindo o uniforme do trabalho. Cheguei a especular a possibilidade de dizer o que tinha pensado. Contudo, ao me ouvir, dentro da minha cabeça, dizendo que estava todo arrumado só para ela, fez com que eu percebesse o quanto soaria patético.
- É... – abri a porta totalmente para ela poder passar. – Não sei o que me deu na cabeça.
- Hum... Aqui que é o seu novo matadouro?
- Não, aqui é o novo lugar que você vai frequentar bastante. – E em seguida a beijei.
Não foi um beijo daqueles de se perder o fôlego e sair faísca. Tampouco foi um beijo protocolar para cumprir com a norma de conduta de se receber alguém. Foi um beijo sincero, digamos assim. Houve entrega por ambas as partes. Foi demorado e intenso, sem ser forçado ou fogoso. Acima de tudo, foi um beijo em que nitidamente os dois estavam à vontade. Juliana, com seus braços ao redor do meu pescoço e passando suas mãos pela minha cabeça, nuca e rosto, demonstrava confiança e conforto ao estar comigo. Ela queria estar lá comigo, não havia dúvidas. Eu também queria aquilo. Ah, como eu queria aquilo! E tinha tempo que queria aquilo. Como eu queria que aquele beijo nunca mais acabasse. Em um momento acabou e ficamos próximos nos encarando. Naquele momento a ficha caiu. A garota, com quem fiquei meses flertando, que tirou minhas noites de sono, provocava sorrisos bobos em mim por qualquer motivo e fez uma enorme bagunça na minha cabeça, estava finalmente comigo. Não sendo suficiente, ela era linda. Com seus braços me envolvendo, lábios umedecidos pelos meus lábios e pescoço esticado para o alto para poder me encarar, ela ficava irresistível. Tínhamos trocado por todo aquele tempo inúmeras mensagens com confidências recíprocas. Eu a tinha visto toda produzida na sua formatura, uma das cenas mais lindas que já presenciei. Todavia, naquele momento, encarando-a de perto, entregue e, principalmente, comigo, que tive a certeza que era ela. Estava apaixonado. Apaixonado e sem palavras. Fiquei mudo. Ela, enfim, sinalizou com a sobrancelha como quem pergunta o que vai acontecer. Interagi dizendo apenas oi. Não um oi de gíria usado comumente quando não se entende algo. Foi um oi de saudação. Claramente foi um oi de quem está vendo alguém pela primeira vez. Ela riu, retirou os braços de ao redor do meu pescoço e andando para ver o resto da casa disparou:
- Não sei o que é pior em situações como essas. Você sóbrio sem palavras todo abobado, ou você bêbado falando putaria achando que é sexy.
- Bem lembrado. – Fui buscar a primeira garrafa de vinho na cozinha enquanto Juliana entrava no meu quarto para conhecê-lo.
Ela fez um comentário sobre o apartamento ser pequeno. Sim, era. Sempre disse isso. Além do mais, era algo que não me afetava. Muito pelo contrário. Morar em um apartamento com medidas discretas estava sendo perfeito para mim. Passei a usar apenas o mínimo. Não queria, e nem podia, acumular coisas. A vida tornou-se prática e simples. Eu precisava de pouco para ter conforto e sossego. Espaço, naquela fase, era a última coisa que precisava. Quem precisa de espaço para viver é cavalo e vaca.
- Muito obrigado pela parte que me toca – Juliana respondeu do meu quarto.
- Você entendeu meu ponto de vista – repliquei e fui da cozinha para o quarto com o vinho aberto e duas taças. – Aqui... pegue uma.
- Nossa – Juliana se espantou. – Temos um homem civilizado. Vamos beber em taças? Nada de copo de requeijão ou direto no gargalo?
- Preciso de muita intimidade para dividir o gargalo com outra pessoa.
- Ah, mas para colocar a sua boca em todas as partes de outra pessoa, não?
Apesar do deboche de Juliana, o meu ponto de vista não era sobre higiene. Beber vinho no gargalo vai muito além disso. É preciso ter estilo. Não pode ser em qualquer situação. Tampouco em qualquer lugar. Do contrário, você fica parecendo um mendigo prepotente. Beber vinho em casa no gargalo é algo muito específico. Não pode ser sentado no sofá com as pernas cruzadas, passando um filme na televisão e com uma bandeja de frios à sua frente. É incompatível, incoerente e beira à demência. Em casa, para beber um vinho no gargalo, você precisa estar sentado no chão encostado no sofá. É necessário que ao fundo esteja tocando algo melancólico. A cada vez que repousar a garrafa no chão, você tem de olhar para o teto e refletir algo da maneira mais pessimista possível. Ter um ventilador de teto ligado em baixa velocidade ajuda a criar o cenário ideal. Descrevo essa cena com tamanha propriedade porque era rotineira para mim. Para completar, fitava meus livros na prateleira. Relembrava de trechos favoritos de um, me arrependia por ter lido outros e lamentava por nunca tê-los organizados adequadamente.
- Você é doido – Juliana me cortou, repousando a taça vazia sobre a mesa de cabeceira e tomando a garrafa de vinho da minha mão. – Voltando ao assunto normal. Entendo que prefira agora coisas menores, mas você acha mesmo que aqui poderá ter tudo que precisa?
- Claro que sim. E, se abrir o meu armário, perceberá que cabem até coisas suas.
- EPA! – Juliana me deu um corte enquanto se espalhava pela minha cama. – Não vamos apressar essa parte, tá? Uma coisa por vez.
- Eu não estou dizendo para se mudar para minha casa. Estava me referindo apenas a deixar algumas coisas básicas por aqui. Tipo escova, shampoo, calcinhas limpas, cinta-liga, corpete, camisola sexy...
- Cala a boca!
Juliana riu e se virou de bruços na minha cama com os pés para o alto. Enquanto ela dava um bom gole direto do gargalo, tirei seus sapatos, meias e dei uns breves apertões em seus pés. Ela comentou que estava começando a gostar daquele estilo de vida que lhe proporcionava naquele momento. Talvez aquela não fosse a rotina mais saudável para um casal. Contudo, passar uma noite inteira na cama bebericando vinho e jogando papo fora com quem você gosta, é um bom programa semanal. Depois que cada um dos seus pés recebeu atenção igual, deitei-me sobre ela e pedi um gole.
- Você não disse que teríamos uns frios para acompanhar?
- Você não quer me dar um gole, avise logo, tá?
- Só comentei porque ficar bebendo de barriga vazia, já, já, vai dar errado.
- Bem – fiz uma pausa, peguei a garrafa de sua mão, aproximei da minha boca e, antes de dar o gole, falei. – Posso até pegar. Só que para isso, terei de sair de cima de você.
- Ah – Juliana fingiu refletir em voz alta. – Pensando bem... acho que posso esperar mais um pouco.
Então ficamos ali por quase uma hora. Bebíamos com calma nosso vinho e fazíamos o nosso melhor praticado por meses, jogar papo fora. Quando não estava falando ou bebendo o vinho, eu estava dando pequenos beijos no seu pescoço e atrás da orelha. Vez ou outra, ela dizia para dar mais atenção ao outro lado do seu rosto e para lá que eu ia. Foi assim até acabar o vinho, momento em que Juliana disse que não existia mais opção, teria de me levantar. Era uma boa desculpa. Fui à cozinha, abri o vinho, preparei dois pratos, queijos cortados em um e salaminho servido em outro. Juliana sempre amou salaminho. Tanto que, na época em que apenas flertávamos, brincava que queria que meu apelido íntimo com ela fosse salaminho. Ela odiava aquilo. Seja qual fosse a conotação do apelido.
- Não está faltando um pouco de vinho nessa garrafa? – perguntou a Juliana quando retornei.
- É que enquanto arrumava as coisas fui beberi... – engasguei ao ver a cena no meu quarto. – Você não estava de calças quando saí daqui?
- Tirei, ué! Estava muito calor.
- E a blusa ficou por qual motivo?
- Queria te dar o prazer de tirar.
- Ah, obrigado. Não vamos perder tempo então.
- NÃO! Agora não, afobado. Coloque esses pratos aqui e me dê o vinho. Sente aqui do meu lado.
Ela sempre teve o controle das situações. Enquanto orquestrava tudo que acontecia desde o início quando começamos a conversar fora de sala de aula, eu agia de maneira afobada e sem direção. Ela era a aranha no centro de sua teia. Eu era a mariposa dentro de um quarto com muitas lâmpadas de Natal piscando.
A noite foi ótima. Comemos todos os frios. A maior parte ficou por conta dela. A menina tinha um apetite invejável. Matamos as quatro garrafas de vinho. Nessa parte, o exagero ficou por minha conta. Conversamos a noite toda, sempre debochando um do outro quando existia uma deixa no ar. Mais uma vez, Juliana quem prevaleceu desta vez. Tivemos momentos de beijos e trocas de carícias. Por fim, nada de filmes. Só nós dois. Éramos suficientes no quesito entretenimento. Quando nossas opções de bebida e comida estavam por encerradas, Juliana se levantou e foi tomar banho. Logo depois voltou completamente nua. Linda! Seu corpo era maravilhosamente equilibrado em medidas generosamente distribuídas. Não dar igual atenção a cada parte dela era de uma heresia sem tamanho. Alheia ao meu estado catatônico, Juliana inclinou o corpo para frente, puxou todo seu cabelo junto e o prendeu em um rabo de cavalo. Depois, reclinou-se para a posição original com velocidade, arremessando assim os cabelos para trás. Meu coração quase parou com a aquela cena. Foi aí que ela reparou no meu estado de hipnotizado. Ela perguntou o que tinha acontecido.
- Nada. Apenas venha aqui – foram as minhas últimas palavras antes de agarrá-la.
Transamos pelo resto daquela madrugada. Desta vez, sem afobação. Foi tranquilo e intenso ao mesmo tempo. Sem pressa, mas sem parecer frio também. Apesar de alguns arranhões nas minhas costas, chupões no pescoço dela e pequenas marcas de mordida em ambos os corpos, não podíamos dizer que fodemos ou trepamos. Tampouco falaríamos que transamos. Fizemos amor. Eu sei que isso é muito cafona, mas é a definição certa para o que aconteceu naquela noite. Os dois queriam. Os dois se entregaram. Os dois estavam em um mesmo nível de envolvimento. Tinha sentimento, pele, química e hormônios envolvidos. Tudo dosado de maneira adequada. Terminado, ficamos abraçados até ela dormir. Nossa noite deixou Juliana relaxada. Eu, por outro lado, fiquei mais aceso. Não de excitado, mas de desperto. Sabia que demoraria a pegar no sono e nem por isso saí dali. Fiquei horas abraçado à Juliana enquanto ela dormia profundamente. Eu não queria estar em outro lugar. Eu tinha me achado no meio do turbilhão de uma nova vida.
Próximo capítulo: Confraternização

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Volúvel

Viviane
- Pode sentar logo e desembuchar essa história.
Foi assim que a Julia me recebeu no bar. Sem entrar no mérito de ela estar na metade de um chope, mesmo eu não estando atrasado. A Julia não aguentava mais as minhas lamentações em doses homeopáticas por mensagem de celular. Na ânsia de curar a sua curiosidade mórbida pela minha desgraça, ela marcou aquele encontro para conversarmos pessoalmente. Obviamente, ela também queria me ajudar, mas, convenhamos, essa era uma motivação secundária.
- Eu quero saber do início – ela me interrompeu quando falava de um fato já no meio da cronologia. – Vai contando que peço outro chope para mim e um para você.
O início foi numa noite que estava andando por Laranjeiras. Não lembro ao certo o que estava a fazer por lá. Só sei que me sentei em uma lanchonete para comer alguma coisa rapidamente quando senti uma mão no meu ombro. Era a Viviane. Tinha sido minha aluna e se formou recentemente. Convidei-a para se sentar do meu lado e ficamos jogando papo fora. Aquela coisa de sempre. Como estão as coisas? Saudades da faculdade? Está trabalhando? Lugares comuns para ver se a conversa fluía. Cedo ou tarde, um dos dois teria de se levantar para seguir a vida mesmo.
- Tá, e o que aconteceu? – perguntou a Julia.
A conversa fluiu. Principalmente quando perguntei sobre a carreira de cantora que ela sempre levou em paralelo. Era evidente que a faculdade seria usada por ela como uma segunda opção para dar suporte financeiro e, assim, permitir que se dedicasse mais à carreira musical. Viviane ficou impressionada por ter me lembrado desse detalhe de sua vida e desandou a falar sobre a carreira. Aparentemente, ela era mais iludida por propostas vazias que qualquer outra coisa. Vira e mexe aparecia alguém dizendo estar impressionado com a voz dela, ou que pretendia montar um projeto no qual ela se encaixaria perfeitamente. Dias depois, sumiam ou desconversavam com alguma mudança repentina de planos. Todavia, ela sempre foi patologicamente otimista e, por isso, não se abalava.
- Poxa que chato para ela – a Julia lamentou.
Ela era feliz assim e isso que importava. De qualquer maneira, senti que o tom que ela deu era um pouco carregado de lamentação. Achei então que cortar repentinamente o assunto e ir embora, porque já tinha terminado o que tinha para fazer na lanchonete, seria indelicado. Perguntei se ela queria esticar a conversa em um bar do outro lado da rua e ela topou. É incrível como tudo muda quando se sai de uma lanchonete e vai para um bar. O ar é mais convidativo para conversar. O papo fica mais leve.
- Não se esqueça do álcool que começa a entrar para a verdade sair. – Julia foi pontual.
Falamos sobre vida pessoal, família, problemas com o proprietário do apartamento e antigos namorados. Tudo regado a alguns chopes e uma dose de tequila que pedi para brindarmos a sua formatura, coisa que jamais tinha feito com ela. Nunca tinha conversado tão abertamente com a Viviane, mesmo com quatro anos de faculdade. Isso foi algo que os dois notaram em determinado momento e tentamos entender o porquê disso. A versão dela era sustentada pelo fato de ser tímida. Tanto que raramente me procurava para tirar dúvidas, inclusive. Já o meu motivo, ela não compreendia. Eu sempre fui o irreverente, despojado e falador. Pois a verdade era que, com ela, eu travava. Sempre tive um problema sério com ela. Desde o primeiro período, a Viviane era a mais madura da turma em um nível muito acima das outras meninas da turma. E isso não era apenas porque ela era um pouco mais velha. Isso ficava discrepante se comparássemos com as que estavam se formando na mesma época. Não bastante, ela sempre foi uma graça. Toda pequena, mignon e com uns olhos claros capazes de fazer a Medusa virar pedra se os encarasse.
- Você disse exatamente isso para ela?
- Aham.
- E ela?
Houve aquele momento de silêncio. Não sabia ao certo o que esperar dela e, ao mesmo tempo, tampouco o que realmente gostaria de ouvir. Ela ficou parada com aqueles olhos enormes na minha direção. Até que, em certo momento, abaixou a cabeça, esboçou um sorriso e, ao voltar os olhos para mim, reclamou que era um absurdo, depois de quatro anos, só naquele momento estava anunciando aquilo para ela. Ora, falar isso para uma aluna pode soar como assédio sexual até para o juiz mais machista. Ela riu, me chamou de bobo e bebeu o resto de chope em um gole só. Junto com o folego que é retomado após um longo gole, surgiu a coragem para que me dissesse que adoraria ter ouvido aquilo desde o primeiro período. Pronto. Estava travado de vez. Abaixei a cabeça e não sabia como reagir.
- Como, seu pateta? – Julia disse indignada. – Você deveria ter se levantado e lascado um beijo nela.
Eram muitos fatores desfavoráveis naquele momento. Não bastante estar travado, estávamos em um local público com bastantes olhos ao redor. Para completar, a geografia da coisa não ajudava muito. Estávamos em uma mesa quadrada, um de frente para o outro. O que deveria ter feito? Debruçar-me sobre a mesa e beijar a Viviane? Pareceria uma atitude esganada da minha parte. Sem citar no desconforto que potencialmente faria o beijo durar segundos. Deveria me levantar, dar a volta na mesa e, de pé, beijar a Viviane ainda sentada? Uma coisa meio Bela Adormecida, meio enfermeiro atendendo paciente em ambulatório? Deveria ter feito com que ela ficasse de pé e a beijado em seguida? Seria uma cena de filme. Ainda mais se durante o beijo o gerente do bar gritasse que sairia uma rodada por conta da casa. Não, nada disso aconteceu.
- Você é um lerdo mesmo – Julia se revoltou. – Você deveria ter beijado a menina. Como, eu não sei. Mas deveria. De qualquer jeito que fosse, era deixa e você, lerdo como sempre, desperdiçou.
Não tinha como argumentar. A oportunidade talvez não fosse a mais apropriada, contudo era real. Foi desperdiçada. Ao menos, pelo resto da noite, continuamos especulando sobre nós dois. Flertarmos até demais da conta e, ao fim, não existia dúvida. O interesse era mútuo e grande. Tanto que, mesmo tendo deixado claro umas três vezes que precisaria acordar muito cedo no dia seguinte, ela ficou até tarde comigo por lá. Quando finalmente o bar fechou, acompanhei a Viviane até a porta do seu prédio. Algo por volta de umas duas quadras de onde estávamos. Lá, em uma rua deserta, em plena madrugada carioca, finalmente rolou nosso beijo. Ele encaixou e é ótimo quando isso acontece. Movimento, intensidade, pressão. Tudo alinhado, quase que ensaiado. Depois, nos despedimos e combinamos de nos vermos assim que ela voltasse.
- Você é muito mané mesmo.
- O que eu fiz desta vez?
- O que? Não sabe? Você não pode ser tão burro – Julia para a surra por alguns minutos e se dirige ao garçom. – Mais dois chopes, por favor.
- O meu é com pouco colarinho.
- Até nisso é bunda mole. Enfim, a menina deixou claro que te queria. Você queria. E, ao invés de saírem de lá para outro lugar, ficaram horas falando sobre o que um adoraria fazer com o outro.
- Ah, não era bem assim.
- Era para você estar sentando o pau nela. Aposto que ficaria gamadinha de primeira.
- Não fala assim, menina doida.
- Não fala assim, menina doida? Por quê? Estou manchando a imagem imaculada dela? Não acredito que você está endeusando ela.
- Não, não estou coisa... – a Julia me interrompe.
- Você está romanceando esta história. Eu sabia! Você está endeusando ela.
- Para!
- Paro nada! Eu te conheço. Se fosse outra, teria a convencido a transar no banheiro do bar mesmo. Como endeusou a menina, vai trata-la como se fosse uma boneca.
- Que exagero!
- Eu conheço umas dez histórias suas trepando em locais públicos.
- Mas não era o caso, né, Julia?
- Tudo bem. Só que também poderia ter ido para outro lugar ou aproveitado melhor a noite.
- Eu travei. Travei! Entendeu? Travei! A de amor, bê de baixinho, cê de caralho eu travei.
- Idiota – a Julia riu e recebeu os chopes do garçom. – E aí? Se viram depois?
Fomos ao cinema. Ela curtia um programa alternativo e escolheu um dos piores filmes que já vi na vida. Era um documentário sobre uma desconhecida que tinha uma vida mais entediante que a pilha do meu controle remoto. Nada acontecia no filme. Era um tédio. Talvez a lição do filme fosse sobre refletirmos nossas vidas e percebemos que estamos reclamando desnecessariamente. Ou era um teste coletivo para potenciais suicidas. Não tive muita certeza.
- Ótimo! Grande desculpa para agarrar a menina de jeito.
- Eu não queria atrapalhar o filme que ela escolheu.
- Como uma deusa... você me mantém.
- Eu não estou endeusando ela.
Ora, eu não sabia se ela ainda estava interessada no filme ou se podia aproveitar o tédio para nos agarrarmos. Isso é muito ruim em início de relacionamento que não temos intimidade o suficiente. E quando o filme é bom, mas tem um momento de pausa na trama? Dá para se distrair com uns amassos? E se os amassos estão bons e o filme volta a ficar animado? É ruim perder o filme? Ou devemos cortar o barato? É um sensível código de postura que não queria demonstrar desconhecimento logo no segundo encontro. Deixei o filme o rolar sem interrupções. Ou, melhor dizendo, continuei sendo torturado sem distrações.
- Eu não acredito que logo você está racionalizando isso. Ela quer mais é ser agarrada. A menina provavelmente estava desejando que você virasse um polvo e caísse para cima dela. E o que o bobão aí fez? Ficou fazendo cara de intelectual ao lado dela. Você devia ter chamado a menina de massa de pizza e enchido a mão.
- Que horror, Julia.
- Horror é você parado como se fosse o tio dela. Apesar de que, dependendo do tio, era bem possível que estivesse bolinando a menina.
- QUE HORROR, JULIA!
- Estou ofendendo mais uma vez a moral da sua deusa?
Eu entendia o que a Julia tentava me dizer. Obviamente, ela estava pesando a mão no argumento. Apesar de saber que, para muitas pessoas, aquilo era o mínimo. Inclusive eu. Todavia, não adiantava. Respeitei os intermináveis cento e dezoito minutos de filme sem uma interrupção sequer. O desejo de agarrar a Viviane era enorme e esperava que por parte dela fosse o mesmo também, mesmo com ela dando raros sinais disto. Aliás, é preciso registrar que Viviane era uma menina de muitos atributos, contudo não tinha o menor talento para demonstrar emoções. Sua frieza era próxima a uma interpretação do Nicholas Cage com má vontade. Era impossível saber se estava feliz, chateada, interessada na conversa ou viva. Em diversos encontros, cogitei me levantar e ir embora. Era desesperador e frustrante.
Saindo do cinema, era necessário levar a Viviane para outro lugar. Não conseguiria encerrar o encontro tão cedo, mesmo para um dia de semana. O meu lado pervertido sussurrou ao meu ouvido a ideia de irmos para um motel. A ideia de levar para a minha casa também soaria interessante. O problema foi que meu lado alcoólatra gritou por um bar. Como só funciono sob pressão, a vontade do grito prevaleceu. Lá estávamos nós sentados um de frente para o outro em um bar.
- Você é muito burro!
- Você sabe bem que não sou, Julia.
- Exato! Por isso estou estranhando. Eu não acredito que seja você nessa história – ela complementou e depois levantou a tulipa vazia. – Garçom, mais dois, por favor.
De fato, estava desajeitado em um nível muito além do meu normal. Contudo, existiram evidências naquele encontro que fariam qualquer um me reconhecer. Topando a minha proposta, Viviane aceitou fechar todos os bares naquela madrugada de quarta-feira. Não suficiente, ela me mostrava um novo talento, conseguir me acompanhar na bebida. Algo sempre consideravelmente impressionante para qualquer pessoa, além de ser uma notória característica para quem quisesse se candidatar ao posto de Senhora Traste.
Quatro bares foram fechados. O último, cinco e quinze da manhã sob olhares fatais de trabalhadores a caminho de suas fontes pagadoras. Estávamos bêbados em um nível fora do imposto pela sociedade para dias úteis. Não tinha a menor condição de pegar a moto que foi deixada pela zona sul mesmo. Tínhamos duas opções. Ou esperávamos o Metrô abrir, ou pegaríamos um táxi. De qualquer forma, dois copos de 500 ml cheios até a boca foram providenciados. Seja para a espera, seja para o trajeto, a dose não seria suficiente. Escolhemos o táxi e, alguns quarteirões antes da minha casa, os copos estavam vazios. Depois de saltar do táxi e atravessar a rua para entrar em casa, reparei que a Viviane estava sem um dos sapatos. Ela estava literalmente com um dos pés no chão. Gritamos para o táxi que parou. Checamos todo o seu interior e nada do outro pé do sapato dela. Viviane estava tão bêbada que perdeu um dos sapatos em Botafogo e sequer percebeu. Talvez tivesse perdido antes de o quarto bar fechar. Ou até mesmo antes. Ela não se lembrava. E seria impossível de se lembrar pois, além de completamente bêbada, ela teve uma crise de riso com aquilo que sequer conseguia falar. Nunca tinha a visto daquela forma, completamente à vontade. Ela estava solta, leve e divertida. Estava mais sexy do que nunca.
- Imagino que tenha entrado e trepado com ela.
Subimos para a minha casa com muita dificuldade. A escada é íngreme e em curva. Se estando bêbado já é um desafio, imagine estando bêbado com uma crise de risos. Não somente conseguimos, como também nos agarramos por lá mesmo. Era indiscutível como o álcool me destrava em situações como aquelas. Talvez não precisasse de uma dosagem tão alta, todavia era eficiente. Entramos e fomos direto para o quarto. Uma blusa ficou na escada, uma camisa no corredor, uma meia aqui, outra acolá, calça perto da porta do quarto e o resto ao redor da cama. Embolados, quase como uma pessoa só, caímos nus sobre a cama.
- FINALMENTE – gritou a Julia assustando pessoas em mesas próximas à nossa.
- Dormimos.
- O QUE?
- Exato! Desmaiamos bêbados e caímos no sono – levantei então minha tulipa. – Garçom, mais dois, por favor.
- Isso é inacreditável!
Inacreditável mesmo era a imagem que tive ao acordar. Mesmo sendo destruído por dentro por uma ressaca provocada provavelmente pelos meus órgãos querendo me abandonar, fiquei pasmo com aquela cena. Viviane dormia nua ao meu lado. Por estar de bruços, sua bunda ficava perfeita, além de ser do tamanho exato para uma menina daquele tamanho. Seus braços estavam abertos sobre a cabeça com os cabelos desarrumados, o que a deixava mais sexy ainda. E, pela primeira vez, aquele rosto sem expressão estava de acordo com o todo. Viviane transmitia uma serenidade sem perder a sua sensualidade. Era um dos raros momentos da minha vida que valeu a pena acordar cedo.
Ao voltar do banheiro, depois de vomitar uma quantidade de coisas que desconhecia que meu corpo fosse capaz de armazenar, voltei ao quarto. Viviane ainda dormia, inabalada. Aproveitei que estava na mesma posição e comecei a beijar todo seu corpo. Pernas, costas, bunda, pescoço, lateral do corpo. Fiquei um pouco assustado com a demora dela para acordar. Talvez minha abordagem fosse insignificante a esse ponto. Eis que ela finalmente acordou. Esticou os braços lateralmente e voltou à mesma posição para que continuasse fazendo o que fazia antes. Poderia ficar o dia todo fazendo aquilo. Ainda mais com ela acordada reagindo aos meus beijos. Claro que sua reação era dentro da apatia habitual. Ainda assim, era possível saber onde estava acertando, principalmente. Como a coisa foi ficando mais animada, deitei-me sobre ela, concentrei os beijos em seu pescoço e o resto da energia ficava por conta dos movimentos me esfregando nela. Conforme esquentava, os movimentos e intensidade dos beijos também aumentavam. Até que, em certo momento, perguntei se queria ouvir uma sacanagem. Viviane apenas movimentou assertivamente a cabeça. Aproximei minha boca de seu ouvido e perguntei se ela queria ouvir uma putaria. Ela em um tom de voz bem baixo, quase miando, disse que sim. Então falei sem hesitar que precisava me levantar e ir para o trabalho.
- AH VAI SE FUDER – Julia deu mais um susto nas poucas pessoas que resistiam no bar.
- Eu tinha uma reunião com a diretoria. Foi até por isso que marcamos um cinema cedo. Pelo menos... – Julia me interrompe.
- Pelo menos o que? Passou o dia todo de pau duro com o saco doendo? A menina passou o dia todo excitada subindo pelas paredes?
- Não é para tanto.
- Não é para tanto? Eu, só de ouvir isso, fiquei toda molhada aqui.
- Garçom, mais dois chopes e uma porção de guardanapos, por favor – disse para o garçom que se aproximava e provavelmente ouviu a fala da Julia. – Pelo menos, a coisa destravou. E destravou no dia seguinte, comigo sóbrio. No próximo encontro as coisas fluiriam melhor.
- Tá, tá bom. Então fala do encontro seguinte.
Antes que pudesse falar do encontro seguinte, o garçom trouxe os dois chopes pedidos e a conta. Tínhamos perdido completamente a noção do tempo e o bar estava prestes a fechar. Sugeri à Julia que fossemos para outro local, entretanto, naquela madrugada de segunda-feira, poucas opções estariam funcionando. E, de fato, não tínhamos outra opção à nossa disposição. Pedimos ao garçom então meia dúzia de garrafas de cerveja geladas e seguimos para a minha casa.
- Já tem outras na geladeira – disse a Julia enquanto guardava as seis garrafas que levamos para a viagem.
- Eu sei. Achei que seria pouco, daí, peguei mais seis.
- Não basta dormir no meio do sexo com a sua deusa, vai dormir no meio da conversa comigo?
- Claro que não, baby. Você consegue me manter acordado.
- Não fala isso. Não fala isso porque ainda estou molhada daquela descrição – Julia então riu, abriu a primeira, serviu em dois copos e, se sentindo mais em casa do que nunca, tirou os sapatos e se jogou no sofá. – Vai! Prossiga! Depois da foda interrompida pelo desmaio e o corta tesão pela manhã, teve ou não teve outro encontro?
Era mútua a incapacidade dos dois passarem o resto da semana com aquele fogo acumulado. Postergar um próximo encontro colocaria em risco qualquer tentativa da coisa andar para frente. Sem citar no embalo de já estarmos mais a vontade um com o outro. Foi marcado um novo encontro então na sexta daquela mesma semana. Isto é, menos de quarenta e oito horas depois.
Viviane queria alguma coisa fora da cerveja. Sugeri um vinho na minha casa. Minha ideia era sair dos lugares-comuns de antes que nos forçavam a ficar de papo, quando, na verdade, tudo que precisávamos era de ação. O vinho ajudaria a criar um clima, soltaria um pouco a conversa, afetaria a inibição inicial e, depois, já estaríamos a sós para darmos prosseguimento ao que estava pendente.
- Finalmente estou te reconhecendo. Criando o ambiente certo para o abate – Julia comentou de maneira contundente.
- Levar para casa, oferecer uma bebida e depois tirar a blusa?
- Isso! Agora está falando a minha língua.
- E por que ainda está de blusa?
- Já disse para parar com isso. A coisa está a perigo aqui – ela riu e prosseguiu. – Continue, por favor.
A Viviane chegou e abri a primeira garrafa de vinho. Branco. Foi a pedido de dela. Três garrafas de vinho branco por toda uma noite. Um pesadelo para mim. Não apenas pela parte da preferência do meu paladar. Confesso que o vinho branco está na linha mais baixa da minha lista de predileções alcoólicas. O problema residia também no fato de ser uma bebida que comigo costuma descer com mais velocidade por considerar fraca. Eu e minha mão nervosa de virar copos, taças no caso, faríamos um estrago naquela noite. Com menos de uma hora de conversa, Viviane permanecia com sua pequena taça ainda ocupada pela mesma primeira dose que servi. Ao mesmo tempo, o resto da garrafa tinha sido terminado por mim em goles longos. O vinho estava estupidamente gelado, a noite estava quente e tudo que queria era encerrar logo as três garrafas para darmos prosseguimento aos planos agendados. O ritmo assim foi mantido por exatas duas horas e meia. Viviane falando muito e bebendo o seu vinho em doses homeopáticas, enquanto eu numa crise de camelo chique secava uma garrafa atrás da outra.
Quando levei a terceira garrafa vazia para a cozinha, gritei para que a Viviane me ajudasse a escolher outra coisa da geladeira. Na realidade, não queria que ela escolhesse coisa alguma. Era apenas uma desculpa para que se levantasse da mesma posição que se prostrou na cadeira assim que chegou. Mesmo após três taças consumidas em uma velocidade sonolenta, ela permanecia com a expressão indiferente que tanto me deixava desconfortável. Precisava ignorar aquilo e dar prosseguimento aos planos da noite na expectativa que ela acompanharia meio que pegando no tranco. E foi o que fiz. Assim que entrou na cozinha, encostei a Viviane na parede da cozinha e a agarrei. Nada de beijo romântico, com parcimônia e cautela. Foi já no mesmo calor que interrompemos naquela manhã recente. Ela me acompanhou fazendo surgir uma nova mulher naquela casa. Com os braços cruzando a minha nuca, ela trazia minha cabeça para mais perto da dela, dando pressão ao beijo e deixando entender que não era para interromper tão cedo. E não pararia mesmo. Com uma das mãos em sua nuca e a outra em sua cintura, puxava a Viviane para mais perto ainda. Sempre com a mão cheia e fazendo pressão. Meu quadril, em sentido oposto, pressionava o quadril dela e, por consequência, ela toda contra a parede. Por sorte morava em uma casa antiga de alvenaria resistente. Caso fosse num desses apartamentos modernos com cômodos separados por drywall, já teríamos atravessado as paredes do corredor e teríamos caído no meu escritório. Naquela pressão descontrolada, um quase devorando o outro, posicionei uma das minhas pernas entre as dela. A minha coxa sarrando a Viviane foi a gota d’água para que ela se “desmontasse”. Seus braços perderam a pressão, sua boca descolou da minha e seu rosto se virou para o alto. Com o pescoço me sendo oferecido, esfreguei a barba por ele todo. Completamente ofegante, ela se soltou, jogando todo seu peso sobre a minha coxa e ampliando a esfregação. Naquele momento, Viviane não oferecia mais reação. Estava toda à minha disposição. A barba que antes estava no pescoço, desceu por um dos ombros derrubando a alça da blusa. Depois, seguiu por seu colo até que, entre seus peitos, a boca voltou ao serviço. Ao mesmo tempo, com as mãos segurando sua cintura com força, movimentava o quadril de Viviane contra a minha coxa. Ato que a fez reagir, parar de ficar passiva às minhas investidas e começar a rebolar no ritmo que a mexia. Estava tão focado na ação que ali rolava, que não tinha notado que a Viviane sequer estava com os pés no chão. Seu corpo naquele momento estava todo apoiado pela virilha na minha coxa. Suas mãos apoiadas firmemente na parte de trás da minha cabeça mantinha a minha boca presa aos seus seios e confesso que a última coisa que queria era tirá-la de lá. Todavia, a volúpia da situação somada à vontade acumulada urgia por mais. Aproveitei que os pés de Viviane não tocavam mais o chão mesmo e entrelacei suas pernas na minha cintura. Ela tentou falar algo porém, tudo que saiu com gemido cheio de ar. Nessa hora que abri os olhos e tudo estava turvo. O álcool estava batendo com força e ficar de pé por mais tempo seria correr riscos de algo constrangedor. Com a Viviane ainda pendurada em mim, andei até o quarto. Caminho o qual ambos notaram que não foi feito em linha reta, tampouco em segurança. Mesmo assim, chegamos inteiros ao meu quarto, onde a deixei sobre a cama de frente para mim. Afoito e voraz, tirei toda a sua roupa e, mesmo com todo fogo acumulado quase explodindo literalmente em minhas calças, parei por alguns segundos para contemplar aquela cena como se fosse a primeira vez. Se ela de bruços dormindo nua tranquilamente era uma das cenas mais sexys que tinha presenciado pessoalmente, ela completamente pelada de frente para mim de maneira convidativa era a imagem mais excitante de todas. Era impossível fazer qualquer negativa para aquela cena. Tirei a minha roupa na mesma velocidade que fiz com a dela e tudo que queria era penetrá-la. Queria fazê-lo com intensidade e controle ao mesmo tempo. Contudo, sabia que tudo que conseguiria era provocar um estrago igual a uma Kombi sem freio descendo uma ladeira em dia de feira. Resolvi cair de boca na boceta dela. Viviane estava tão excitada que no primeiro momento que encostei a língua, ela se contorceu. Instintivamente, me afastei. Foi quando ela segurou a minha cabeça e me trouxe de volta, praticamente esfregando a boceta na minha boca. Ela definitivamente sabia o que queria e igualmente sabia do que eu gostava. Estava tudo muito molhado e ficava cada vez mais por conta dela e da minha saliva. A língua escorregava e tocava todas as partes da vagina dela. Segurei suas pernas pela parte debaixo das coxas e as empurrei para trás, deixando-a toda empinada para que pudesse colocar minha língua a fundo. Foi quando ela gozou. Deu para sentir sua boceta se contraindo com força em minha língua. Com o corpo todo se tremendo e um rio escorrendo por suas pernas, ela se afastou e me chamou para sua direção. Foi nessa hora que me levantei e tudo rodou. Cambaleei dois passos para trás e acabei me escorando no armário. Percebi que estava completamente bêbado. Escorri pelo armário até repousar sentado no chão. Não estava mais rígido. Enquanto isso, Viviane estava se contorcendo alheia ao que acontecia à sua frente. Quando percebeu, perguntou se eu estava bem. Respondi que estava nada bem e precisava de um tempo. Ela então se virou de lado e tudo que lembro foi de acordar no chão no dia seguinte.
- PUTA QUE PARIU – Julia gritou e provavelmente acordou algum vizinho. – Puta que pariu duas vezes.
- Mais uma vez frustrante, né?
- Sim, mas o antes disso. Minha nossa senhora! Estou encharcada aqui.
- Pelo menos parou de me sacanear sobre endeusar a menina.
- Ah, sim.
- Mas frustrante ainda assim.
- Honestamente – Julia fez uma pausa dramática dando um longo gole e secando seu copo. – Se ela for uma menina maneira, só o que você fez foi ótimo. Claro que ela queria mais. Isso não se discute, mas, ao menos, mostrou que você tem potencial. Tudo bem que não precisa mostrar esse potencial aos poucos em eventos de finais catastróficos, não é mesmo?
- Sim. Claro. E sendo insistente, frustrante, né?
- É! É! É frustrante, está satisfeito? Só que ao mesmo tempo deve ter ser sido ótimo. Só de ouvir, veja só como estou – Julia se levanta do sofá, pega a minha mão e a põe por debaixo do seu vestido. – Acredita agora que ao vivo deve ter sido impressionante?
- Baby, que coisa linda.
- É! Linda! Só não se empolgue muito aí, não. Vou na cozinha pegar mais cerveja. Vai contando aí enquanto estou em uma distância segura.
Lá estava eu recobrando a consciência na manhã seguinte, deitado no chão, escorado no armário do quarto e completamente nu. Viviane estava dormindo na cama e também permanecera nua. Isto é, sequer acordou depois que apagamos em lugares diferentes após o coito interrompido mais uma vez por motivos lamentáveis. A cena, na teoria, era igualmente linda a de outra manhã quando acordei com ela nua ao meu lado. Contudo, existia naquele momento todo um ar de fracasso por conta das inúmeras tentativas de transar com ela. Existia algo que maculava a imagem, algo que não me permitia apreciá-la com a mesma fascinação de antes. Ali, depois de seguidos fiasco, estava apenas mais uma menina bonita. Não era mais uma das cenas mais lindas que presenciara na vida.
- Finalmente – disse a Julia enquanto voltava da cozinha carregando dois copos cheios de cerveja em uma mão e uma garrafa de cerveja em outra. – Até que enfim conseguiu tirar o endeusamento por ela. Agora não tinha mais desculpas, já dava para bagunçar a mocinha, né?
- Para de falar besteira e senta logo essa boceta molhada aqui do meu lado.
- Ih, tá uma piscina – ela se sentou, me entregou um dos copos, colocou a garrafa no chão, jogou uma das pernas por cima das minhas e prosseguiu. – Vai! Fala! Agarrou a menina?
Fui primeiro ao banheiro. Sentado no vaso, aproveitei para me certificar se existia algum resquício de ressaca. Estranhamente estava novo. Zero ressaca. Terminei o que tinha por fazer, tomei um banho, escovei os dentes e voltei para o quarto. Viviane permanecia intocada na mesma posição de lado enviesada na cama. Deitei-me ao seu lado, abraçando-a por trás. Colei meu corpo no dela com todas as partes niveladas. Em seguida, puxei Viviane para perto de mim e, enfiando meu rosto por debaixo do seu cabelo, invadi seu pescoço. Minha respiração foi suficiente para acordá-la. Ela deu uma discreta gemida de espreguiçar, soltou um sorriso de canto de boca e jogou o quadril para trás pressionando-o mais ainda contra a minha pélvis. Fiz o mesmo em sua direção e aos poucos estávamos nos esfregando.
- Pode parar com esse momento Cine Privê – a Julia me interrompeu. – Você vai começar com toda essa descrição de sacanagem e eu não estou mais em condições de lidar com isso. É verdade! Estou a perigo, homem. Se continuar assim, vai ter de dar um jeito nisso.
- Pare antes que eu pense besteira.
- Então conta, mas sem detalhismo – ela pediu rindo e provocando gargalhadas em mim.
Era como se tudo tivesse sido reiniciado. Tivemos um leve aquecimento, ali abraçados e depois uma preliminar comandada por ela. Não sei se foi por complexo de culpa, ou iniciativa para se ter a certeza que faria dar certo, que Viviane tomou a iniciativa de me chupar. Estava mais duro do que nunca. Em certos momentos, ela me olhava com um sorriso no rosto. Podia ser um sorriso se vangloriando do que ela mesma tinha conseguido, ou um sorriso de alívio por algo finalmente estar no caminho certo. Seguro, então tomei as rédeas da situação, virei a Viviane e me posicionei sobre ela. Seus olhos denotavam expectativa. Era a hora! Na minha cabeça, tudo que pensava era que estava de volta ao jogo. Finalmente, retornei à minha programação normal. Quando comecei a penetrá-la, algo me desconcentrou e o pensamento vitorioso de antes se transformou em preocupação. Apenas pensamentos sobre não falhar passaram a povoar a minha cabeça então. Parei de ser instintivo e virei neurótico. Ficava refletindo cada movimento. Não estou sentindo total contato, pensei. Será que estou mesmo dentro, questionei-me depois. Não conseguia sequer dizer se estava ainda ereto. Estando ou não, o óbvio aconteceu. Broxei. Ele abaixou, murchou, encolheu e se aquietou de vez. Viviane tentou fazer algo, todavia, isso costuma deixar a situação ficar mais constrangedora ainda. Com notório desconforto, ela me manuseava com as mãos. Depois, apelou para a boca. Nada! Permaneceu assim por um bom tempo. A situação era patética. Em uma analogia às técnicas de primeiros socorros, era como se a Viviane estivesse fazendo massagem cardíaca e respiração boca-a-boca em uma pessoa que morreu horas atrás. Era um caso sem salvação.
- Quando disse para não me deixar com mais fogo, não precisava também ser um balde de água fria – a Julia comentou tentando segurar o riso.
- Pode rir. Qualquer coisa diferente daquilo não faria sentido com todo histórico até então. E, convenhamos, nada superaria isso.
- É, posso dizer que fechou com chave de ouro.
Antes fosse um fechamento. Por sorte, aquele constrangimento foi interrompido pela chegada da faxineira. Ela ia sempre aos sábados por ser um dia mais fácil de quebrar um galho para mim. Com a chegada dela, tomamos vergonha na cara e desistimos do que não tinha solução. Entramos no banho e fomos para rua. A proposta seria tomar um café-da-manhã, contudo, já tinha passado do meio dia, portanto decidimos almoçar mesmo. Foi uma tarde de casal enquanto éramos reféns da faxineira. Almoço, cinema, volta no shopping e um barzinho. Por quatro anos, quis fazer isso com ela. Durante todo o período que foi minha aluna, pensava como seria sair com ela. Naquele momento, finalmente tinha a oportunidade de descobrir. No passado, imaginava que um programa com uma menina tão interessante deveria algo divertido e fácil de levar. Deveria, exceto quando se tem nas costas alguns fracassos seguidos. Viviane até estava bem à vontade, menos inexpressiva e mais comunicativa que o habitual. Dizem que as mulheres levam isso de boa e relevam com naturalidade, pois o que importa é a companhia. Comigo era diferente. Parecia carregar um fardo nas costas que, a cada palavra, interpretava como indireta ou um constrangimento associado. No almoço, ao comentar que as batatas fritas estavam murchas, me ressenti. Quando a fila do cinema estava demorando, ela disse que era por conta da funcionária ser muito mole e eu vesti a carapuça. No shopping, com aquele mar de pessoas praticamente se arrastando à nossa frente, Viviane, ao tentar ver algo em uma vitrine, comentou comigo que ficava impaciente com essas pessoas que não fodem nem saem de cima. Aquilo me desmoronou.
- Ah baby – Julia precisou fazer uma pausa para conter as gargalhadas. – Sua neurose até faz sentido. Só que mulher não tem disso. Ela não estava te dando alfinetada. Ela estava muito tranquila. Com certeza, não estava encanada com o histórico, do contrário, ela escolheria as palavras ou demonstraria desconforto após terem sido ditas.
- De fato, ela estava numa boa, falando como se não pensasse no ocorrido. A não ser que ela fosse lesada ao ponto de não conseguir associar uma coisa à outra.
- Bem, depois do bar se despediram?
Chamei Viviane para voltar para a minha casa. Ela perguntou se tinha certeza. Respondi que sim sem hesitar. Engoli seco e pensei que não tinha a menor certeza para dizer a verdade. Não estávamos bêbados, principalmente se considerássemos minha média de consumo. Foram, no máximo, oito chopes para cada um. Cheguei determinado e com coragem. Agarrei Viviane na escada deixando claro que a volta para a minha casa era unicamente para sanarmos aquela dívida que só crescia. Ela correspondeu. A coisa pegou fogo na escada, no corredor e no quarto. Dentro dele, tiramos a roupa e foi aquela volúpia descontrolada de filme. Sem preliminar, sem preparo, sem paciência. Tiramos a roupa, nos jogamos na cama e, segundo o linguajar nada erudito da Julia, foi pau dentro. Tecnicamente, não era a primeira vez que a penetrava. Contudo, para mim, foi. Era como se ela fosse feita no meu número. Tudo se encaixou sob medida. A lubrificação e o calor dela completavam com perfeição. A sensação era espetacular. Algo como o prazer de colocar um bom pedaço de lasanha na boca que não está quente o suficiente para queimar a língua, todavia não está frio também. Ou a agradável satisfação de se deitar em uma cama quentinha sob o edredom em uma tarde de chuva. Era tão bom que, com tudo que tinha acumulado, em menos de meio segundo, veio uma vontade louca de gozar que não consegui resistir. Gozei e muito. Ela pediu para ir ao banheiro e se levantou. Eu, aliviado e em êxtase, sequer conseguia me abalar com o meu catastrófico desempenho em tempo olímpico. Relaxei e, antes que Viviane voltasse do banheiro, peguei no sono.
- Numa boa – Julia colocou seu copo vazio no chão e, aproveitando que uma de suas pernas estava sobre as minhas, se ajeitou, ficando sentada no meu colo de frente para mim. – Eu não consigo acreditar que você seja esse desastre todo.
Julia então me beijou e não relutei. Éramos adultos. Ligeiramente bêbados, mas adultos cientes do que estávamos fazendo. O beijo foi longo, com pegada e cheio de fogo. Apenas algum tempo depois que notei que a Julia já estava rebolando se esfregando no meu colo. Segurando sua cintura, forcei Julia para que se afastasse da minha boca e pudesse chupar seus seios. Ela foi mais rápida, apoiou-se nos meus ombros e se levantou. Eu estava sentado no sofá e ela de pé também no sofá, de frente para mim. Julia então abaixou a calcinha, levantou o vestido e, segurando minha cabeça pela parte de trás, se aproximou colocando minha boca no meio de suas pernas. Ela estava encharcada. Era como comer um prato de espaguete com muito molho. Escorria pelos cantos da boca, pelo queixo, pelas pernas dela, por todos os lados. Levei um dedo até sua boceta piorando, ou não, a situação. Como em um comum acordo feito implicitamente, ficamos naquela até Julia gozar. Quando conseguimos que ela gozasse, suas pernas fraquejaram e ela desabou em meu colo. Ainda se tremendo um pouco e ofegante, ela pediu para que a levasse para o quarto. Lá, transamos num ritmo frenético, como se desejássemos um ao outro há tempos. Ela gozou mais duas vezes, sendo a última junto comigo, com ela de quatro. Depois, desabou na cama mole, exausta e satisfeita, ao meu lado em igual estado. Era possível ouvir os pensamentos do vizinho de baixo agradecendo pelo silêncio definitivo na casa.
Na manhã seguinte, acordei com a Julia dando um pulo da cama. Ela foi correndo para o banheiro. Perguntei o que tinha acontecido e, aos berros, ela respondeu que precisava trabalhar. Fui, com calma, atrás dela e entrei no banheiro enquanto ela tomava banho.
- Quer um café?
- Não tenho tempo. Preciso ir para casa ainda mudar de roupa e pegar o meu material.
- Quer carona?
- Não, vou de taxi. Relaxa.
- Quer alguma coisa?
- Sim, conte o que aconteceu. Você pegou no sono enquanto Viviane tinha ido ao banheiro e aí?
Provavelmente, voltando do banheiro, ao me ver dormindo, Viviane vestiu uma calcinha e uma blusa. Depois se deitou ao meu lado e dormiu também. Na manhã seguinte, acordei e a cena dela dormindo ao meu lado já não era tão fria quando na manhã anterior. Todavia, não era tão linda quanto da primeira vez. A cena não tinha mais o fardo de antes, quando acordei no chão do quarto. Contudo, carregava uma faísca de vergonha da noite anterior. Depois ela se arrumou e pediu que a levasse em casa. Coisa que fiz com maior prazer. No caminho, refleti muito se queria ver a Viviane novamente. Sim, queria com certeza. Não sei se ela gostaria depois de tudo que aconteceu. Então deixei sob a decisão dela. Pedi que me ligasse pela semana para marcarmos algo. Ela respondeu que ligaria, sim, virou as costas e foi embora.
Assim que acabei de contar, Julia saiu do banho em disparada para o quarto para se vestir. Pediu que eu continuasse, mas não tinha mais o que falar, a história tinha acabado. Ela então se vestiu e descemos juntos até a rua para chamar um táxi. Em menos de dois minutos já tinha um parado à nossa frente.
- Pode falar a verdade agora, você já comeu muita mulher com essa história que me contou, né? – a Julia perguntou e prosseguiu antes mesmo que pudesse responder. – Existiu alguma Viviane mesmo?
- Claro que sim. A história é verdadeira e recente.
- E onde ela está?
- Como disse, deixei por conta dela que entrasse em contato comigo quando quisesse me ver novamente. Nunca mais tive notícias.
- Ninguém a condenaria, não é mesmo? Faz o seguinte, coloque o orgulho de lado, entre em contato com ela e marque um encontro. Você não quer endeusa-la novamente? Faça isso. Vai ver ela espera por uma nova demonstração de confiança por sua parte. E que fique claro... no que depender de mim, quero que você passe vários fracassos com ela e, quando estiver bem acumulado, me procure novamente. Você é ótimo quando está precisando reafirmar a sua virilidade.
Julia entrou no táxi e foi embora. No portão de casa, peguei o celular, passeei pela agenda telefônica e, ao fim, hesitei. Guardei-o no bolso e entrei em casa. Ao deitar na cama, tirei o celular do bolso e, enquanto o colocava na cabeceira, sorri de canto de boca. Em algo, a Julia tinha razão. Em um único ponto, talvez ela tivesse razão. Mudança de planos. Mais uma vez peguei o celular, abri a agenda telefônica e apertei o botão de chamar. Dois toques depois:
- Alô! Priscila? Tudo bem? O que vai fazer nesse final de semana? Estou precisando do ombro de uma amiga. As coisas não andam bem comigo.

Outro conto da coleção? Leia Carina