sexta-feira, 8 de junho de 2012

Poesia for dummies

Subway (efeito Luminance - Antique)
Opostos urbanos

Na espera a inquietude de ansiedade.
Chegará logo, quente ou gelado?
De preferência, gostaria de ir sentado
Na janela, vendo os prédios da cidade.

Chove muito e venta com intensidade.
Por onde passo fica tudo alagado
Galho caído, sinal sem luz e apagado
Esse percurso vai durar uma eternidade

Forçado, escolho pelo tão temido
Atrás da faixa ali aguarda a multidão
Abrem as portas e para dentro sou cuspido

Solvanco, sopapo e empurrão
De preferência, gostaria de não ser espremido
Na janela, vendo aquela escuridão.

terça-feira, 5 de junho de 2012

As expressões inexpressivas


Words (efeito Luminance - Dystopia)
       Eu disse que jamais usaria este espaço para fazer correções de linguagens e coisas do tipo, mas não posso me abster de fazer o que mais gosto: comentar sobre expressões que não fazem sentido. Pois é, vira e mexe escuto uma expressão por aí que não faz sentido algum, ainda mais para alguém como eu, absurdamente cartesiano e ortodoxo (quase um pleonasmo forçado para enfatizar). E, com essa tal de internet, as expressões são como doenças contagiosas, se espalham e se multiplicam exponencialmente.
     Uma das expressões que acho mais controversa é a tal de “muito pouco”. “Fulano não passou de ano por muito pouco”. “Choveu muito pouco nos últimos três meses”. ”Muita pouca gente aderiu à campanha”. Ora, não me importa se está correto ou não, o que interessa é que não faz sentido. Ou é muito ou é pouco! Os dois não dá!!! A sensação é que se opta por expressões comuns por preguiça ou falta de vocabulário. Que mal tem em usar “pouquíssimo”, “em pequenas quantidades” e semelhantes? Nunca entendi a pessoa optar por falar “ele vai muito pouco ao dentista” ao invés de “ele quase não vai ao dentista” ou “ele raramente vai ao dentista”. Novamente, não tenho a pretensão de sacramentar que o termo “muito pouco” está errado. Digo apenas que não faz sentido e é menos sofisticado. Ou, se preferirem, é muito pouco sofisticado.
     Existem duas expressões usadas comumente para despedidas que para mim são de lascar. Uma, inclusive, é preferida pelos locutores de rádio, principalmente da JB FM. Tanto que a usam no Twitter também. É o tal de “vou ficando por aqui”. Ora bolotas, se o cara quer dizer que vai embora, como diz que vai ficar por ali mesmo? E o melhor é que falam “vou ficando por aqui, mas fiquem na companhia do José das Couves”. Peraí, o cara então não vai embora e me passa para outro? Ele não quer a minha companhia, é isso? O detalhe sórdido é o uso do gerúndio para uma ação inerte (ficar ali) que é exatamente oposta da que vai acontecer. Ele não “vai ficar ficando” por lá, ele vai embora de lá. Ele está indo! O máximo que consigo absorver como despedida em uma frase como aquela é que o cara está se dissolvendo. “Estou ficando por aqui. Escorrendo pelo chão. Peguem um balde e um rodo!”.
     A outra expressão muito usada em despedidas é a que mais me irrita. Não somente pela construção, mas também pelo deboche. É a tal de “deixa eu ir indo então”. Existe construção mais amorfa do que esta? O sujeito (literalmente) usa o mesmo verbo duas vezes e não consegue precisar o que está para acontecer. Ele quer ir, mas não andando, de carro, voando ou plantando bananeira. Ele quer ir... Indo! E com o seguinte agravante, ele pede (“deixa”), dando entender que você não está permitindo. Isso passa que o desespero dele é tamanho que não importa mais como ele vai, contudo que ele vá... Indo! E sabe o mais irônico disto? Quem fala esta expressão geralmente é a pessoa que está por falar pelos cotovelos e se auto-interrompe a si mesma (foi de propósito) com esta pérola. E como não se fosse suficiente, isto ocorre com aquela mãozinha no seu ombro tocando de ponta de dedos “deixa eu ir indo então”. Vai... Vai, mas vai para o inferno!

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Histórias Reais Inventadas por Mim

Escreveu, não apagou, o pau...
Todos temos vícios, hábitos, manias que de uma forma geral não nos incomoda, mas pode afetar outras pessoas. O curioso é que a maior parte destes vícios são consequências de uma má-educação, ou apenas a total falta de consideração pelos outros. Bem, pelo menos era isso que Fernando pensava.
Fernando dava aula em uma faculdade, de segunda à sexta, todas as noites. Como era em um andar com muito movimento e aulas em todos os horários do dia, ao chegar, a sala estava sempre um caos. Cadeiras espalhadas pela sala, papel no chão e o quadro completamente preenchido por exercícios, conteúdos, gráficos etc.
Nas primeiras semanas até que ele insistiu em arrumar as carteiras antes de liberar a entrada dos alunos, mas facilmente foi vencido. Era evidente que aquele esforço em nada adiantava, pois, assim que a boiada entrava, tudo voltava a ficar como era antes. Carteiras eram arrastadas para as meninas ficarem juntas, outras viradas para os rapazes colocarem as mochilas, quando não os próprios pés. Desistiu! A turma que antes esperava sua autorização no corredor passou a entrar com ele.
A quantidade de folhas de caderno, guardanapos, até latinha de refrigerante no chão era vergonhosa, mas nisso ele nunca interferiu diretamente. Apenas tentava conscientizar a própria turma para que não fizesse o mesmo. Sempre que iniciava uma aula, a mesma frase era dita:
– Senhores, agora que estamos no chiqueiro, vamos provar que somos capazes de não piorar ainda mais essa imundice!
De fato, suas turmas eram as poucas que usavam exclusivamente a lixeira para despejar qualquer tipo de resíduo.
Já o quadro preenchido foi um fato polêmico. No início, não o incomodava. Nem um pouco! Ele até gostava. Antes de começar a apagá-lo, ficava parado admirando. Observava a técnica da escrita do professor, o conteúdo, os exercícios. Chegava a desperdiçar quase cinco minutos nesse processo.
Com o tempo foi ficando cansativo. Principalmente quando era o quadro do professor Cequeira. Ele era responsável pela disciplina Física II. Seu quadro era quase que inteiramente preenchido. Usava canetas de todas as cores. Na hora de apagar ficava um borrão de vermelho, com azul e preto. Era necessária muita força no apagador para que o quadro voltasse a ficar o mais perto possível de cinza claro, pois o branco já não era mais viável. O que Fernando não entendia era por qual motivo o professor das disciplinas se negava a apagar o quadro ao término da aula. São dois minutos! E ainda pode pedir para um puxa-saco qualquer fazer isso. Enfim, essa rotina começou a irritá-lo seriamente. A sua primeira atitude foi colocar na parede da sala, ao lado do quadro, um bilhete: “Caro professor, favor apagar o quadro ao final da aula. O colega do turno seguinte agradece.” Mesmo assim, não surtiu efeito. Todos os dias o quadro permanecia “sujo”.
Com duas semanas de bilhete na parede e nenhuma mudança, Fernando reescreveu o mesmo bilhete, mas desta vez com o tamanho da fonte dobrado e usando negrito. Agora eram dois bilhetes na parede, o original e o mais chamativo. Resultado: nenhum.
Fernando se sentia impotente com aquilo e para piorar, chegava em um horário no qual o professor anterior já tinha saído de sala. Era sempre uma diferença de trinta minutos que não podia ser diminuída, pois saía de outra instituição distante.
Certo dia uma aluna veio falar com Fernando. Disse que chegou mais cedo que o normal e encontrou com o outro professor ainda em sala. Também contou que esperou que saísse de sala e falou para ele:
– Poxa, mestre, todo dia o meu professor precisa apagar o seu quadro – mas foi interrompida pelo tal professor que disse.
– Senhorita, fala para o seu professor parar de melindres. É só um quadro para apagar – daí ele virou de costas e foi embora.
Pelo dia da semana, Fernando não teve dúvidas, era o Cequeira que destratou sua aluna. Ele sabia que o tal professor tinha uma fama de lidar mal com os alunos, mas não imaginava algo do tipo. A fama dele era principalmente de “crescer” como professor e fazer covardias e terror psicológicos nos alunos, mas que fora do campus voltava a ser um carneiro inofensivo. Fernando então tentou acalentar a aluna que foi solidária a luta dele:
– Relaxa – disse ele com uma das mãos em seu ombro. – Você fez o certo e ele foi um escroto. Agora é pessoal!
No mesmo dia fez um novo cartaz e colocou acima dos outros dois, mas com a fonte maior ainda: “Prezado professor, qual o motivo para não apagar o quadro que foi escrito por você mesmo? Deficiência motora ou mental?”. O tal bilhete arrancou gargalhadas dos alunos.
Nos dias seguintes ele passou a se deparar com o quadro limpo. Quero dizer, sem conteúdo, pois limpo mesmo ele não ficava mais. Restava esperar passar uma semana exata para ver como Cequeira se comportaria.
Chegado o dia, ele entra na sala e o quadro está mais preenchido que o habitual. Muita coisa escrita, desenhada, rabiscada. Fernando ficou possesso. Encarou o quadro por mais alguns minutos e, antes de qualquer coisa, virou apenas o rosto para turma com uma expressão de estupefato. E então a tal aluna fala:
– Fernando! O tal professor ficou escrevendo no quadro enquanto a turma dele saía de sala e, quando me viu, disse para avisar a você que lugar de palhaço era no circo e de fresco é na casa da vovó.
Agora a coisa ficara feia. Fernando anunciou para a turma que todos na semana seguinte chegassem uma hora mais cedo, pois presenciariam o que ele iria fazer com o tal professor. A turma é claro vibrou. Programa do Ratinho ao vivo na faculdade. Quem iria perder? Exclamar para o colega ao lado que o professor era foda virou lugar comum naquele momento.
Passada uma semana, Fernando sai bem mais cedo da outra instituição e vai o mais rápido possível. Ele ainda não tem a menor ideia do que vai fazer. Acredita que em horas como essas, a decisão deve ser feita após a primeira resposta do oponente. Chegando à faculdade, o estacionamento está lotado. Nenhuma vaga no quarteirão. Dá mais uma volta e acha uma vaga. O flanelinha pede dez real (sic), ele diz de forma ríspida que não vai pagar. Sua irritação começava a transparecer. O flanelinha dá um soco nas costelas de Fernando e pega o dinheiro do seu bolso enquanto ele tenta se recompor. Fernando não reage. Não há tempo para isso. Apenas diz ao flanelinha que nunca mais apareça naquela rua, pois teria revide. Chegando ao corredor da sala, a turma toda está a sua espera. Quando o avistam começam com o frenesi: “Lá vem ele!” “É agora” “Vai lá, Fernandão!”. Ele sorri e pede que todos entrem na sala. A turma imediatamente invade a aula de Cequeira que fica pasmo olhando aquele mar de pessoas entrando e se posicionando como um teatro de arena. Após o último aluno entrar, Fernando aparece na porta e Cequeira fica da cor que o quadro deveria ser. Sua testa vira uma tampa de chaleira de tanto suor.
– Vou perguntar educadamente – diz Fernando enquanto entra e se aproxima de Cequeira que permanece sentado e petrificado. – Qual o seu problema em apagar o maldito quadro que você escreveu?
– Bem – ele faz uma pausa que é meio falta de ar, meio falta de coragem. – Quando eu chego também está escrito e tenho o mesmo trabalho.
– E o que eu tenho a ver com isso? – Pergunta Fernando.
– Ora – ele faz mais uma pausa nervosa. – Estou apenas repassando o problema para frente. É assim que as coisas funcionam.
– Então é assim que as coisas funcionam – Fernando ironiza. – Cada um tem um problema, mas ao invés de resolver, passa para o próximo?
– É – responde Cequeira quase gaguejando monossílabo.
– Faremos assim então – ele se aproxima ao máximo de Cequeira. – Acabei de levar uma porrada e me levaram cinquenta reais do bolso. O que prefere? Que te dê um soco e depois me dê o dinheiro, ou vai pegando o dinheiro enquanto te dou uma porrada?
– Peraí – fala Cequeira tentando se afastar com as mãos levantadas.
– Olha só, eu tive esse problema hoje e estou apenas passando para frente conforme a sua teoria. Como faremos?

Cequeira se levanta em silêncio, apaga todo o quadro, pede desculpas e sai de sala. Os alunos de ambas as turmas vão ao delírio. É possível ouvir seus gritos dos outros blocos. A história se espalhou em uma velocidade absurda, fazendo com que as coordenações comunicassem a todos os professores da regra de apagar o quadro ao final da aula. Cequeira pediu transferência para fugir da vergonha, mas no outro campus descobriram o que tinha acontecido com ele, fazendo com que pedisse licença. Nunca mais deu aulas. Já Fernando virou uma referência como professor mais doido da casa. A coordenação não concordava muito com essa fama, mas a garotada gostava dele, então acabou ficando.