Delírios
divinos
Não
sei se vocês também, mas eu tenho inveja de muita coisa por aí. Só que uma
inveja boa, nada de inveja rancorosa desejando o mal a alguém. Apenas sinto
inveja por não ter escrito aquele trecho de livro que achei genial, não ter bolado
um roteiro de filme que virei fã, até mesmo de letra de música já senti inveja
por não ser o responsável. Uma das coisas que encabeça essa minha
constrangedora lista de coisas que invejo está uma piada com a cena dos três
reis magos no nascimento do menino Jesus.
Resumindo,
a cena original é o menino Jesus na manjedoura acompanhado por Maria e José até
que os três reis magos entram com presentes. Cada presente possui um
simbolismo. O ouro é para indicar a realeza, o incenso se refere à fé e a mirra
remete à futura morte do messias. Na piada, tem-se exatamente as mesmas coisas,
só o diálogo que muda com a absurda possibilidade de um dos reis ficar
constrangido. Algo mais ou menos assim:
Belchior:
Eu trouxe incenso.
Gaspar:
Eu trouxe mirra.
Baltazar:
Eu trouxe ouro.
Belchior:
Ouro? Mas não tínhamos combinado de trazer apenas uma lembrancinha? E agora
você me aparece com ouro enquanto dei um saquinho de incenso? Ah não, vou lá
fora comprar algo melhor.
Semana
passada, conversando com um professor sobre assuntos aleatórios, a cena dos
reis magos voltou à minha cabeça sabe-se lá por qual motivo. Foi inevitável
sugerir outra situação para o caso, depois outra, seguida de mais uma e assim
sucessivamente. Vocês sabem como é cabeça de pessoa hiperativa sem acompanhamento
profissional, não sabem? Mesmo com a certeza que jamais irei superar a minha cena
favorita, optei ainda assim por transcrevê-las. O mote é o mesmo, a entrada dos
três reis magos para entregar os presentes, com a diferença que o messias supostamente
nasceu no século XXI. A proposta é criar o absurdo exatamente com a falta de
bom senso das pessoas ou com situações corriqueiras que passamos em eventos deste
tipo:
Cena
1 (praticidade)
Belchior:
Eu trouxe incenso.
Gaspar:
Eu trouxe mirra.
Baltazar:
Eu trouxe um vale-presente da Saraiva. Só presta atenção que é válido até o
final de fevereiro, tá?
Cena
2 (a cara-de-pau dos nossos dias nos dai hoje)
Belchior:
Eu trouxe incenso.
Gaspar:
Eu trouxe mirra.
Baltazar:
Vocês se incomodam em me dar a senha do wi-fi?
Cena
3 (cara-de-pau II)
Belchior:
Eu trouxe incenso.
Gaspar:
Eu trouxe mirra.
Baltazar:
Eu trouxe a minha Gopro. Vamos juntar todo mundo e tirar uma foto aqui. José,
puxa aquela vaca malhada para sair na foto também.
Cena
4 (tradição nos escritórios)
Belchior:
O pessoal fez uma vaquinha para comprar um presente melhor, tá? Está aqui.
Esperamos que goste.
Gaspar:
E aqui o cartão com a assinatura de todos que participaram.
Baltazar:
Isso! Meu nome não está aí porque não deu tempo de assinar. Belchior, segunda
eu deposito na sua conta, tá bom?
Cena
5 (cada um traz uma caixa que eu levo a carne)
Belchior:
Eu trouxe uma caixa de Itaipava.
Gaspar:
Eu trouxe uma caixa de Cerpa.
Baltazar:
Ah, qual é, galera! Eu comprei Stella à toa?
Cena
6 (brinquedo é sempre a melhor opção)
Belchior:
Eu trouxe o boneco do Tyrone dos Backyardigans.
Gaspar:
Eu trouxe o DVD da Galinha Pintadinha.
Baltazar:
Eu trouxe a Pepa Pig, mas relaxa é que unissex.
Cena
7 (quem tem bicho em casa passa sempre por isso)
Belchior:
Eu trouxe incenso.
Gaspar:
Eu trouxe mirra.
Baltazar:
Ih, o sofá é de feno? Estou de bata preta. Vai encher de pelo!
Cena
8 (cara-de-pau III)
Belchior:
Olha, não deu para trazer um presente. Sabe como é, né? Tudo em cima da hora.
Gaspar:
E hoje ainda é feriado. Fica tudo fechado no Natal.
Baltazar:
Eu trouxe um vaso de violetinhas que comprei no quiosque aqui da esquina. Não
molha todo dia, não!
Cena
9 (perdidos ou atrasados)
Belchior:
Gente, desculpe a hora. Sei que são quase meia-noite e criança deve dormir
cedo.
Gaspar:
Pois é, foi muito difícil achar o endereço.
Baltazar:
E o GPS do meu carro errou nas indicações. Nunca mais compro GPS da marca
Estrela de Belém.
Cena
10 (mulambentos)
Belchior:
Trouxe uma camisa do Botafogo. Esse garoto é glorioso.
Gaspar:
Trouxe uma camisa do Fluminense. Esse garoto é sangue azul.
Baltazar:
Trouxe uma camisa do Mengão. Já vem escrito Zico atrás, o verdadeiro messias.
Cena
11 (conveniência)
Belchior:
Dei uma passadinha no shopping e comprei nas Lojas Americanas esse enfeite de
berço.
Gaspar:
Fui na Venâncio 24horas e trouxe essas fraldas e Hipoglós.
Baltazar:
Olha só, passei ali no posto Ipiranga e tudo que tinha era essa lata de óleo. É
do coração do nosso carro.
Cena
12 (comentários constrangedores)
Belchior:
Vocês gostam de decoração rústica, né?
Gaspar:
O bom de quase não ter paredes é que a casa fica arejada.
Baltazar:
E não é que esse bode de vocês quase não fede.
Cena
13 (piadinhas sem graça)
Belchior:
Que criança bonita! Você fez o DNA dela, José?
Gaspar:
Liga, não! Pai é quem cria.
Baltazar:
Essa criança me lembra muito um soldado romano.