Golpes e ofensa
Dependendo
da sua geração, com certeza você teve o prazer de assistir a algum capítulo da
série para TV do Batman protagonizada por um barrigudinho e excêntrico Adam
West. Aliás, justiça seja feita, poucas são as gerações que não puderam se
divertir com as aventuras do homem-morcego e do garoto prodígio em carne e
osso.
Alguns
amigos, que se intitulam especialistas no Cavalheiro das Trevas, garantem que,
desde o início, o propósito da série era fazer algo descaradamente ridículo,
beirando à tosquice (perdoem o neologismo necessário). Tanto que era comum ver
cenas dos dois em trajes normais surfando, escalando paredes em posições
estranhas, dancinhas pitorescas, dentre outras bizarrices que só quem assistiu
sabe do que estou falando.
A
minha parte favorita era das lutas. Tratava-se de algo nunca antes imaginado.
Era uma espécie de coreografia estilo Bud Spencer e Terence Hill, como objetos
e pessoas voando com o mais simples golpe. Além disso, como se não fosse
suficiente, eles criaram a sonoplastia impressa, a cada porrada dada, aparecia
em enormes letras estilizadas e coloridas o som da pancada. Eram SOC, POW, PAF,
CRASH, TUM e o sempre incompreensível WAM. Don Martin devia morrer de inveja
dessas cenas com tantas onomatopeias rústicas.
Com
tantos anos assistindo a essas cenas, fiquei na cabeça com a ideia de que isto
deveria ser possível na vida real. Foi um bom tempo a cada movimento fazendo um
sonzinho que se tornou uma coisa irritante, primeiro para os outros, depois
para mim. Daí, pensei, por que não poderíamos expressar nossos golpes com
palavras? E a resposta veio de imediato. Se fosse para expressar um golpe, que
fosse com uma ofensa. Nada era tão compatível quanto isso, o problema estava em
escolher o par perfeito: golpe e ofensa.
O
primeiro golpe que me veio à cabeça foi o tapa. Clássico nas novelas, filmes e
discussões acaloradas. Seu ruído estalado e agudo é espalhafatoso, ocupa todo o
ambiente chamando a atenção de quem está ao redor. Precisava de alguma ofensa
que fosse similar a sua sonoridade. A escolha de babaca foi óbvia por conta da
sua igual pronúncia estalada. O problema consistia nas pessoas que insistem em
chamar tapa de tabefe. Para elas, e apenas para elas, abrimos uma exceção. Por
usar um termo tão cafona e piegas, autorizamos substituir a ofensa pelo também
canastrão patife, que ainda assim tem som estalado.
Nas
brigas entres homens, o chute no saco talvez seja o mais eficiente de todos os
golpes. Para esses casos, o mais ideal é o ofensivo filho da puta. Contudo,
para que se tenha sucesso nessa combinação, é necessário que o golpe esteja
perfeitamente alinhado com a ofensa. Enquanto carrega o chute, o homem deve
pronunciar o “filho”, durante o deslocamento da perna fala-se o “da” e no
momento do golpe acertado em cheio solta-se apenas a sílaba “pu” de puta e na
retirada da perna termina pronunciando a sílaba “ta”. Isso deve ser feito
exatamente dessa forma, pois no momento do fatídico encontro do peito do pé do
agressor com as joias da família do agredido, inevitavelmente o futuro eunuco
irá uivar de dor, logo, ele ajudará na sonoridade da pronúncia da sílaba “pu”.
O resultado final será um belíssimo dueto de imagem e som em perfeita sintonia.
Palmas e gritos de “bis” são sempre escutados quando feito com precisão, apesar
do agredido relutar em repetir a cena.
Já
nas brigas entre mulheres temos o sempre inevitável puxão de cabelo. Não
adianta. Mulher que vai brigar, puxa sempre o cabelo. Mesmo sendo comigo, elas
puxam o cabelo, só que o do peito, pois sou careca. O que dói muito mais,
diga-se de passagem. Para esse tipo de golpe, a sugestão fica para o sempre
difamador piranha. Todavia, devemos ressaltar que a combinação neste caso, se
assemelha ao caso dos homens recém citado. A sonoridade precisa estar alinhada
com o golpe, para tal, basta seguir estes passos. Ao encher a mão com o cabelo
da sirigaita, você, donzela educada e fina, pronuncia apenas a sílaba “pi”.
Depois, durante toda trajetória de puxar o cabelo dela até encostar a cabeça
dela no chão, você deverá prolongar ao máximo a sílaba “ra”. Se estivermos
falando de uma mulher de um metro e oitenta, é esperado que essa sílaba demore
aproximadamente 10 segundos para ser totalmente pronunciada. A sílaba final “nha”
deve ser falada no momento que larga o crânio parcialmente descabelado e careca
da rameira no chão.
Em
um último minuto, recebi uma notificação dizendo que seria discriminação não
colocar a opção de briga entre homossexuais. Portanto, fui obrigado a escrever
o próximo e último parágrafo.
Na
briga entre gays (já é considerado pejorativo usar este termo?) raramente temos
agressão direta entre os interlocutores exaltados. Na maioria dos casos, o que
temos são objetos arremessados. E, por mais irônico que pareça, a ofensa que
aqui melhor se encaixa (sem trocadilhos) é vai tomar no cu, mesmo soando mais
como sugestão que qualquer outra coisa. O propósito é que a cada objeto arremessado
seja pronunciada uma sílaba da ofensa e como, em média, temos cinco objetos
disponíveis em uma mesa a situação fica bem adequada. Fala “vai” e joga a
carteira, depois “to” jogando o paliteiro, em seguida “mar” arremessando o
saleiro, depois “no” jogando o porta-guardanapos e finaliza com o “cu” jogando
o cinzeiro (aposto que imaginou um cu arremessando um cinzeiro). Note que necessariamente
o último objeto precisa ser o mais pesado, não apenas para encerrar com um
golpe contundente, mas também para ficar com passível com “cu” que pede algo
enfático. Em alguns casos temos mais de cinco objetos disponíveis, para tal
aconselhamos o uso de variantes como vai tomar no olho do seu cu, ou vai tomar
no prolongamento final do olho do seu cu caso esteja na casa da avó que insiste
em deixar a mesa cheia de quinquilharias à sua disposição. Em hipótese alguma
deve-se usar o termo meio, pois algumas pessoas têm dificuldades na separação
de sílabas.