quinta-feira, 29 de março de 2012

Histórias Reais Inventadas por Mim

Pan's Lightball (Efeito Vibe)



Alçapão e inocência (Parte I)


     O antigo estádio do América em Vila Isabel foi por muitos anos um clássico do futebol carioca. Era pequeno, desconfortável, mal cuidado, mas vivia com um bom público. Todos possuíam um espaço no coração para o Ameriquinha. Era comum vascaenses na torcida vermelha em jogos contra o Flamengo, por exemplo, assim como tricoletes e flamenguistas em jogos dos seus rivais. Só era difícil encontrar torcedor do Botafogo fazendo isto. Vai ver que era pela disputa direta com o próprio América de o maior dos menores clubes.
     Era um sábado, jogo contra o Fluminense no meio da tarde. Fazia sol, mas não estava muito quente. Com pouco mais de uma hora de antecedência, Silvinho, um moleque flamenguista de 15 anos já estava na arquibancada atrás de um dos gols. Ele se infiltrou na torcida Sangue Jovem, ajudou a separar as bandeiras, rolos de papel higiênico e instrumentos musicais. Conversou com algumas pessoas por lá, decorou algumas músicas e a escalação dos times. Sem sombras de dúvidas, Silvinho estava lá apenas pela bagunça. Morava perto, não pagava a entrada, não tinha o que fazer em casa, então nada melhor do que ir infernizar (com trocadilho com o mascote do América) a vida dos outros.
     Os times entram em campo. Euforia com a entrada do time do América e vaias para o time do Fluminense. Do outro lado do estádio, atrás do outro gol, a torcida do Fluminense fazia o inverso. Silvinho aguardou ansiosamente por este momento. Ficou quase quarenta minutos com dois rolos de papel higiênico, um em cada mão. Treinou como jogaria diversas vezes para que tivesse certeza que passaria por cima do alambrado e cairia no campo. Quando chegado o momento, o primeiro rolo foi jogado, bateu no meio da grade e voltou. Ele desceu correndo a arquibancada, uns dez degraus, pegou o rolo e jogou novamente, agora ali debaixo. Ideia pior ainda. Se antes não conseguiu porque estava muito longe e acabou batendo no meio da grade, agora estava perto demais, mas também muito baixo. Acabou batendo quase que na mesma altura de antes. Ele tentou umas trinta vezes sem soltar o outro. No início, ninguém na torcida notara aquela cena ridícula. Se fosse uma guerra e no lugar do rolo, uma granada, estavam todos mortos.
     Quando acabou o entusiasmo com a entrada das equipes, finalmente, grande parte da torcida notou a árdua missão de Silvinho em jogar o rolo de papel higiênico sobre o alambrado. Virou algo coletivo. Silvinho pegava o rolo e enquanto se preparava a torcida gritava em coro:
     – Vai! Vai! Vai! Vai! – Até que batia na grade e voltava, para que todos também em coro gritassem. – Uuuuuuuh!
     Dentro de campo, os jogadores nada entendiam. Mesmo focados no início da partida, era inevitável, os gritos da torcida estava chamando muita atenção. Principalmente quando o primeiro rolo, finalmente, passou sobre o alambrado. Parecia gol do América. Comemoração generalizada. Silvinho, que não dominava a arte do sarcasmo, achava que estavam mesmo solidários a sua epopeia. Tanto que na comemoração pulou com os braços erguidos, todo sorridente, virado para a horda animada. Era quase um atacante comemorando seu gol à beira do gramado com a torcida inflamada. Tamanha emoção, que ele se virou para o campo, preparou o arremesso do outro rolo, quando:
     – Agora chega, moleque – disse um cara bem alto tomando o rolo de suas mãos. – O jogo vai começar. Chega de palhaçada!
     Parte da torcida riu, outra parte lamentou, outra ficou a seu favor. Virou um verdadeiro furdunço! Silvinho mesmo assim achou que virou o mascote da rapaziada. Bem, pelo menos foi assim que entendi a versão que ele me contou.

terça-feira, 27 de março de 2012

Histórias Reais Inventadas por Mim

Prostitutas (Efeito Polar)
Almoço Grátis

Acho que aquela foi a ideia mais estúpida que tinha ouvido em toda minha vida. Na realidade, eu não achava. Eu tinha certeza! Tanto que expressei claramente minha opinião para ele:
– Essa é a ideia mais estúpida que já ouvi!
Não sei se ele não acreditou muito no que falei, se achou que estava brincando, ou a informação foi muito forte para ser absorvida rapidamente. Sei apenas que ele ficou parado olhando para mim sem reação. Até que repeti de forma mais informal:
– Porra – o uso do porra, apesar de paradoxal, sempre ajuda a dar um tom menos agressivo. – Você só pode estar me zoando! Essa ideia é a pior do mundo. Principalmente vindo de você!
– Cara, mas você não entendeu – disse ele usando as mãos como meio de amenizar. – A ideia é promissora. Não é para ficar rico. É apenas um meio de ajudar aos outros.
Pois é, ele estava seriamente convencido que sua ideia teria algum valor sob alguma perspectiva aleatória que determinara. Somente ele para achar que criar um projeto de recuperação de prostitutas seria algo válido de dar prosseguimento.
– Recuperar prostitutas? Recuperar de quê? Vai colocar silicone nelas? Fazer plástica? Trocar o figurino?
– Não – ele respondeu virando os olhos impacientemente. – Recuperar da vida! Dar a elas outras chances. Elas merecem algo melhor.
– Isso vindo de você é um deboche – e era mesmo. – Você é o maior consumidor do mercado do sexo que conheço. Pega umas três piranhas por semana e agora quer falar de algo melhor para elas?
– É questão de ajudar, cara!
– Ajudar? Quer ajudar? Aumenta a frequência de três para sete vezes por semana. Uma diferente por cada dia. Vai fazer o dinheiro correr de forma mais justa entre elas.
– Não estou falando de caridade!
– Até porque se estivesse seria meio estranho. Imagine só, doar dinheiro para prostitutas.
Sabia que aquela discussão iria longe. E não somente pelo conceito inicial absurdo da ideia dele, mas também porque ele é péssimo argumentando. Ficaria dando voltas e não sairia do lugar. Seria como brigar com um bêbado com os braços amarrados.
– Ok – gesticulo para sinalizar um tom apaziguador. – Fale do seu projeto.
– A ideia é simples. Recolherei algumas garotas de programa e levaremos para escolas, empresas e tal para contar sobre suas vidas. Mostrar para as pessoas o quão difícil é a vida de uma garota de programa.
– Porra, você só pode estar me zoando – juro que queria me controlar. – Desde quando você se preocupa com a dificuldade das garotas de programa?
– Eu sempre fui um cara correto com elas, apesar de ser um consumidor assíduo.
– Mentira – coloco a mão direita na cabeça não acreditando na cara-de-pau dele. – Você mesmo, outro dia, parou o carro no meio da Ponte Rio-Niterói só porque a piranha não queria que você a chamasse pelo nome da sua ex.
– Era frescura dela. Qual o problema em ser chamada de Rosana? Aposto que o nome que ela me deu nem era o verdadeiro.
– Ah sim, frescura – aceno positivamente. – Muito bem. E isso justificava sair com o carro e deixar a garota lá no meio da ponte, senhor me importo com a vida das putas?
– Não chama de puta – disse ele franzindo a testa. – É pejorativo!
– Meu deus – dessa vez coloco ambas as mãos na cabeça. – Você raramente as chama pelo nome. Outro dia mesmo parou o carro no meio-fio e mandou “e aí? Quanto tá esse cuzinho?”. Quer mais desrespeitoso do que isso?
– Eu disse pejorativo – ele tenta justificar. – Enfim, acho que a ideia é boa.
– Claro! Muito boa – faço cara de deboche. – E quantas garotas de programa você conhece que tenha capacidade de se expressar corretamente para uma plateia?
– Ah, tem algumas, sim!
– Imagino – a cara de deboche não se desfaz. – Que tal a Zuleide?
De todas as putas mequetrefres que ele já pegou, Zuleide era a pior. Já começa pelo nome. Ela se chamava Zuleika. Mas achou que este nome não tinha muito apelo, então preferiu manter a primeira sílaba e juntou com a palavra que significa dama em inglês. Pois é, daí temos Zuleide. Ela era tão ruim, tão pobre, tão beira de calçada, que se a metáfora rodar bolsinha fosse real, ela rodaria sacola plástica de supermercado.
– Sempre exagerado – disse ele balançando negativamente a cabeça. – Ela era uma tragédia. Você sabe disse.
– Então quem?
– Estou vendo – responde ele com ar de empreendedor. – Já fiz algumas entrevistas essa semana. Estou com uma lista de mais de 30 interessadas no projeto.
– Puxa – mostro minha surpresa exibindo o lábio inferior. – Fiquei impressionado. De verdade!
– Só nessa semana foram 4 entrevistas.
– E como se saíram?
– Er... Bem.
– Como assim? Se expressam bem?
– Er... Um pouco.
– Peraí? Você entrevistou ou não entrevistou?
– Mais ou menos.
– Elas nem foram, né?
– Sim, elas foram.
– E?
– A entrevista começava sempre bem. Mostrava meu projeto. Elas ficavam interessadas. Se animavam, falavam bastante.
– E aí?
– Eu acabava comendo elas.
– Todas?
– Sim!
– Seu cagalhão! Pelo menos, o senhor caridoso que sem preocupa com as garotas de programa, pagou pelo sexo, né?
– Não!
– Não?
– Não – ele responde, depois ri exalando alegria.
– Cara, seu projeto é fantástico! Precisa de um sócio?
– Não te disse? Vamos alinhar nossas agendas...

– Estou sempre com as tardes de quarta e quinta livres.

terça-feira, 20 de março de 2012

Quando quem paga é dono, mas não recebe

Cemitério dos Imigrantes - Joinville - Efeito Hipnotic

     A minha primeira experiência séria no mundo corporativo foi em meados de 1999 quando trabalhava no setor segurança da informação no Cartão Unibanco. Por lá, participei de vários projetos relacionados ao uso dos cartões de créditos para compras virtuais e suspeitas de fraudes. Ainda assim, mesmo sem a grande era das transações pela internet ter se iniciado, já era robusta a quantidade de transações via telefone. Uma delas, compra de ingressos para shows. Foi nessa época que fiz o meu primeiro trabalho do qual me orgulhei. Detectar um fraudador que estava utilizando cartões de terceiros para comprar ingressos.
     Como disse, raramente a internet era utilizada para transações comerciais, logo, dificilmente teríamos “nas ruas” uma pessoa acessando as informações básicas para fraudar compras. Isso porque, naquela época, bastava apenas o número do cartão, nome gravado no mesmo e a validade para fazer qualquer compra por telefone. Pela grande quantidade de fraudes, potencialmente tratava-se de alguém de “dentro da casa”. Afinal, por lá, muitas pessoas tinham acesso a relatórios com essas informações de vários clientes.
     Concluída essa teoria, bastava apenas descobrir quem era o colega de trabalho fraudador. Não foi difícil. Até porque, aplicar o golpe nem é tão complicado, o difícil é disfarçar o súbito aumento de renda. Chegamos nele depois de uma exagerada troca de modelo de carro.
     Com o passar dos anos, as fraudes ficaram cada vez mais sofisticadas, ainda mais com a entrada da internet nesse mercado. Para evitá-las, as empresas desenvolviam procedimentos sempre mais rígidos e meticulosos para limitar as movimentações dos picaretas. E, até aí, tudo bem. Palmas para eles que, motivados pela perda financeira resultante dos golpes recebidos, por tabela, acabam protegendo o cliente também. Afinal de contas, não existe ação 100% altruísta, não é, Phoebe Buffay?
     O único problema desta história é que, em alguns momentos, certas empresas adotam regras que são inviáveis para pessoas normais que trabalham e possuem uma agenda apertada. O que acredito ser o caso de quase todas as pessoas com mais de 22 anos. E um desses casos mais irracionais é o que passei recentemente.
     Sempre comprei ingressos pelos sites tradicionais (Tickets for Fun, Ingresso Rápido, Ticketronics etc.). Em todos (leiam este todos em negrito e fonte dobrada) casos peço para entregar no trabalho. Isso pelo único motivo de ser onde estou em horários comercial. Sempre recebi pontualmente, sem maiores aborrecimentos e de qualquer empresa.
     Semana retrasada fui chamado na portaria para pegar os ingressos do show Creedance Clearwater Revised comprados na Tickets for Fun. O entregador pergunta meu nome, respondo e mostro a identidade. Ele pede a fatura do meu cartão de crédito. Não entendi o motivo de pedir a fatura. E ele explica que agora os ingressos só podem ser entregues no endereço da fatura do cartão de crédito. Ainda não acreditando no que ouço, ele me fornece o rádio para falar com supervisor dele, o qual confirma a mesma informação.
     Ora, concordo e sempre preservarei as regras para evitarem fraudes, mas isso quando o ingresso for entregue a uma pessoa diferente do comprador. O que não era o caso! Ali, era eu! O próprio comprador com cartão de crédito e identidade em mãos. Qual o risco que existiria naquele momento? Exato, nenhum.
     O entregador foi embora e liguei para a central de atendimento. Depois de duas ligações desligadas na minha cara, consegui falar com uma menina muito simpática e solícita. Pena que ela era paga para repetir frases, não para pensar. Consequência? Foi um show de contradições.
     Primeiro ela disse que este procedimento sempre existiu. Pedi que olhasse os históricos das minhas compras com eles e onde foram feitas as entregas. Exato! Todas no mesmo endereço do meu trabalho. Depois ela diz que isto é para a minha segurança. Pergunto como a minha segurança pode estar em risco quando eu mesmo recebo o cartão. Exato! Alguns segundos de silêncio e zero resposta. Peço uma solução. Ela diz que pode mudar o endereço da entrega para a minha residência. Digo que aceitaria se a entrega fosse feita fora do horário comercial ou no final de semana. Ela diz não ser possível. Continuamos em um impasse.
     Percebem o tamanho do impasse que eles criaram ao montar uma regra arbitrária como esta? Ela ainda sugere autorizar o meu porteiro a receber. Cacete! Pensem comigo no replay. O que é melhor? Entregar para o próprio comprador devidamente identificado ou nas mãos de um porteiro, mas que, ÓH, está no endereço da residência do comprador? Pois é. A regra preza pela segurança, mas não pensa no cliente.
     A ligação, confesso que, demorou mais do que devia. Até porque em algum momento, a minha irritação foi transformada em divertimento ao perceber o total despreparo de argumentar da atendente. Lembrando que isso não é culpa dela, mas da empresa que não pensa em exceções, repostas inteligentes e treinamento apropriado.
     Ela até sugere que eu retire os ingressos na bilheteria. Ora, se for para encarar fila na bilheteria não pagava a taxa de conveniência a mais, e, já teria feito isto antes. Peço para cancelar a compra que farei eu mesmo a compra na bilheteria então. Daí a surpresa. O meu dinheiro foi confiscado sem chances de resgate pela Tickets for Fun. Eles devolvem o dinheiro do ingresso, mas não da taxa de conveniência. A atendente até justifica que isso é feito porque EU estou pedindo o cancelamento do serviço. Errado! Eles estão me obrigando a cancelar o serviço. E não venham com o papo de que no site diz algo do tipo sobre cancelamento ou endereço de entrega, pois sempre comprei por lá, e recebi no trabalho sem problema algum. Não estou pedindo quebra de regra para uma possível fraude. Peço apenas que entreguem nas minhas mãos. Em qualquer site de compra no mundo a fora existe o billing adress(endereço da fatura para comprovação) e shipping adress(endereço para entrega). E isso só funciona se for o próprio quem recebe. Que no meu caso, TCHARAM, é!!!
     Não preciso dizer que o meu problema não foi resolvido, preciso? Pois é. Ainda assim, quatro dias depois uma atendente da Tickets for Fun me liga perguntando o que houve e como pode me ajudar. Juro que fiquei esperançoso, mas só por cinco minutos. Essa nova atendente é tão bem preparada quanto a do outro dia. Repetia os mesmos argumentos sem pensar nas implicações óbvias que eles acarretavam. Ficou sem resposta por várias vezes e, como resultado final, não resolveu meu problema.
     Sábado passado, mesmo após pagar uma taxa supostamente chamada de conveniência, encarei uma fila de 30 minutos para pegar um ingresso antecipadamente que já tive inclusive em mãos. E sabem o motivo? Porque não pude receber no endereço diferente da minha fatura do cartão de crédito. E sabem por que precisa ser no endereço da fatura do cartão de crédito? Porque na cabeça de algum gênio (com jota) da Tickest for Fun, esta é a certeza de que trata-se de onde moro. Só gostaria que este mesmo gênio tentasse assinar um contrato de aluguel com fatura de cartão de crédito como comprovante de residência. Ou abrir uma conta corrente. Quem sabe financiar um carro. Pois para a Tickets for Fun, isto é suficiente.
     Pois bem, agora basta mudar o endereço da minha fatura de cartão para o trabalho que para eles, minha nova residência será na sobreloja/diretoria comercial. Demais não?

segunda-feira, 19 de março de 2012

Risco de apanhar


     Prometi não falar sobre vários assuntos delicados por aqui, um deles, língua portuguesa. Contudo, na semana passada deparei-me com o relato de um colunista que, por si só, é algo tão trágico, que merece pelo menos uma nota.
     Existe no site da Veja a coluna Todoprosa (isso, junto mesmo) escrita por Sérgio Rodrigues. Não sei quem é o cidadão, tão pouco li sua coluna anteriormente. Só tive acesso por recomendação de um conhecido que se lembrou de mim ao ver o tema daquela semana: Risco de vida ou risco de morte.
     Sou do grupo de pessoas que fala RISCO DE MORTE. Acredito que a frase faz um sentido completo se dita dessa forma. Mas, antes que balbuciem algo, deixo claro que não quero discutir este assunto. Não serei prepotente ao ponto de dizer o que está certo ou errado, apenas colocarei meu ponto de vista sobre o tema e como o cidadão o abordou.
     Nunca me foi desconfortável ver uma placa com o aviso: Risco de desmoronamento. Ora, existia a possibilidade daquele fato ocorrer, portanto, nada mais justo do que avisar a sua iminência. O mesmo quando lia no jornal: Risco de epidemia. Ficava claro que se a população e as entidades de saúde não tomassem providências, a suposta doença se alastraria rapidamente de forma generalizada. O mesmo digo sobre risco de falência, risco de calote, risco de acidentes e por aí vai. Em todos os casos, o uso de risco é para avisar algo que está para acontecer. Seja bom ou ruim.
     Partindo desta premissa, de forma ingênua, pergunto qual sentido faria usar risco de vida? Afinal, seguindo o raciocínio anterior, a ideia é avisar que algo está por vir, neste caso, a morte. Ora, nada mais justo do que dizer risco de morte. Pois, assim como existe o risco da empresa entrar em falência, existe o risco de a pessoa morrer. Ou estamos falando de um morto que corre o risco de voltar à vida?
     Pois bem, novamente insisto em afirmar que não tenho a pretensão de dizer que meu raciocínio é o correto. Não! Apenas, sigo uma lógica padronizada na forma de construir a frase. Mas, se alguém tiver alguma referência bibliográfica, na qual justifica a utilização diferenciada do termo risco quando associado à vida, por favor, envie o quanto antes. Exposto o meu ponto de vista, vamos à malfadada coluna.
     O argumento principal do autor é que a expressão risco de vida é utilizada por anos pelos nossos ancestrais. Vejam bem o primeiro argumento: fazemos isso tem muito tempo. Ok, por esta premissa, qualquer atitude sexista, racista ou elitista passa a ser justificável a partir de hoje.
     O segundo argumento é que risco de vida significa risco para a vida. Ok, temos um argumento supostamente válido, contudo ele se anula ao aplicado em qualquer exemplo que citei acima. E, aí, entraríamos no mérito de discutir, seja em qual sentido, por que para vida o termo risco é diferenciado. Logo, fico no aguardo da referência bibliográfica que a justifique.
     Depois destes dois argumentos, o colunista não usa mais um exemplo sequer. Limita-se à ofensas sutis como besteirol sabichão, tese tolinha ou chamar as pessoas de incapazes de fazer análise lingüística. Não satisfeito, diz que é culpa das pessoas que mal ouviram o galo cantar e já querem chamar de ignorante quem supostamente sabe menos do que elas.
     Essa parte muito me lembra os evangélicos fervorosos e os ateus chatos que frequentam esta tal de internet. Usam dois ou três argumentos simplistas e depois partem para agressões e insultos como forma de se impor. Ou pelo menos impor seu pensamento.
     O grande curioso é que, apesar de criticar as pessoas por serem incapazes de fazer uma análise linguística, ele também não fez. Apenas citou que isto é provavelmente consequência de professores de português que fazem consultorias por aí, inclusive para a Globo (claro que a Veja aproveita para dar uma alfinetada). No mais, fica como debate de dois desentendidos de um assunto que não dominam.
     Adoraria ver um dia ele dando aulas e falando para uma mãe que, se não estudar, seu filho correrá o risco de reprovação.
     – Risco de reprovação – exclamará a mãe. – Então quer dizer que a reprovação dele está em risco? Ele pode ser aprovado?

terça-feira, 13 de março de 2012

Cai na real: Contos sobre a rotina para quem acabou de chegar

A sorte que um dia sorrirá para nós
Existe uma teoria de que todo mundo, pelo menos uma vez na vida, tem um dia de sorte. O problema é conseguir prever quando isso acontecerá para investir pesado nessa chance. Por isso que entendo o meu avô ter passado anos e mais anos jogando na loteria. Esporadicamente ele fazia o prêmio mínimo, mas nunca o máximo. Vai ver seu dia de sorte aconteceu em uma data que não teve sorteio e acabou sendo direcionada em um picolé de limão premiado com outro grátis.
Aroldo nunca acreditou em sorte. Sua fé era sempre voltada para o trabalho. Tudo que recebesse de bom na vida, para ele, seria uma consequência de horas e mais horas de trabalho pela semana. Ele era um verdadeiro trabalhador. Ralava muito, ganhava pouco. Comumente, Heloisa, sua esposa, vinha contar uma notícia da vizinhança. Era a manicure que foi premiada na raspadinha, o primo que tirou um prêmio na rifa, ou o morador da casa 38 que ganhou duzentos reais no bingo. Ele ouvia aquilo tudo, esboçava um sorriso e depois já esquecia. Era perda de tempo jogar:
– Tudo bem, Heloisa. Seu Ermínio foi sorteado pelo Baú do Silvio Santos – dizia ele com tom questionador. – E quanto ganhou?
– Acho que uns quatrocentos Reais – ela respondeu.
– Ah, Heloisa – bradou ele com os braços levantados. – O homem gastou na vida mais de mil pagando aquela enganação e vai vibrar que ganhou menos da metade? Isso é bobagem!
Heloisa sabia que seria perda de tempo prolongar esse assunto. Mesmo sabendo de fato quanto Seu Ermínio gastara até o dia que foi sorteado. Não adiantava. Ele não acreditava em sorte. Achava que era desperdício de dinheiro. E, mesmo com toda falta de estudo, ele dizia que investir dinheiro em jogatina trazia muita ansiedade para as pessoas, quase as obrigando a fazer planos com um prêmio que ainda não tinha. Sua rotina por muitos anos era segurar as contas até o dia que recebia seu salário, levá-las, então, de uma só vez e pagar no banco com dinheiro contado. Raramente sobrava dinheiro para uma estripulia. Imagine para gastar em jogatina. Pois é, ele pensava exatamente nisso quando via o saldo final da conta.
Depois que as casas de loteria passaram as aceitar pagamento de contas, ele nunca mais foi ao banco. Era muita fila e muita demora. Para ele, tempo parado, era dinheiro perdido. E era mesmo, ainda mais quando se tratava de um chamado faz-tudo que ganhava por serviço prestado. A rotina permanecia a mesma. Juntava as contas, recebia o dinheiro e, agora, ia para a lotérica. E toda vez ficava olhando os anúncios de jogos oficiais e não oficiais. Sabe como é, né? Bairro de periferia pobre, todo mundo dá tiro para todos os lados. É banca de jornal que vende pão, é salão de beleza que vende roupa de praia e, claro, loteria que vende rifa, cartelas de programas de TV e por aí vai. Apesar de ser bem mais vazia que os bancos, a lotérica tinha uma pequena fila. E, enquanto esperava, Aroldo se deliciava com os anúncios dos jogos, digamos, alternativos. O cartaz anunciava: “Ganhe uma cesta completa de café-da-manhã. Rifa por R$ 0,50”. Aroldo logo começava a fazer contas em voz alta:
- Uma cesta desta deve custar no máximo uns sessenta Reais, então o cara precisa vender 120 rifas. Levando em conta o preço baixo, cada pessoa deve comprar umas quatro de cada vez. É, isso deve dar um dinheiro bom!
 Só que o Aroldo sabia não tinha dinheiro para iniciar uma empreitada deste tipo. Restava-lhe apenas aguardar o próximo mês para ver qual seria a próxima rifa. No mês seguinte, lá estava ele. Parado na fila, contas na mão, dinheiro contado no bolso e olhos no mural do anúncio: “Vencedor da cesta de café-da-manhã: número 195”. Ele logo disse consigo:
- Meu deus, ele vendeu, no mínimo, 195 rifas. São duzentos e setenta... Não! Duzentos e noventa reais! Tirando os sessenta, o cara ganhou duzentos e trinta. Esse, sim, é o sortudo!
Logo abaixo do cartaz que anunciava o vencedor já tinha a propaganda de outra rifa. Agora, uma câmera digital. Preço da aposta, R$ 2,00. Ele começou a fazer as contas e novamente viu que é um bom negócio investir em jogos, mas nunca como jogador. Não se empolgou, pagou suas contas e foi embora. Mês após mês era a mesma coisa. Rifas, prêmios e sorteados. E Aroldo? Aroldo sempre resistindo. Da câmera digital, foi para um notebook, que depois virou uma televisão de LCD, passando para uma moto e, em seguida, um carro zero. O dia quinze de agosto de 2011 foi uma data importante na sua vida. Aroldo não aguentava mais trabalhar tanto e ganhar pouco. Também não suportava ver todo mês alguém da vizinhança ganhar algo. Muito menos, mesmo sem maldade, isso ser anunciado pela sua esposa. Naquele dia, na fila, ele viu o anúncio que era mais do que tentador. O prêmio: duas pick-ups. O preço: R$ 15,00. Ele sentiu que se existia um dia de sorte, aquele seria o seu. Guardou as contas em um bolso e tirou o dinheiro do outro. Gastou tudo na rifa. Comprou vários bilhetes. Era tanta a certeza, que já saiu fazendo as contas de quanto ganharia vendendo a primeira pick-up, o que iria fazer com o dinheiro e, assim, sobraria dinheiro para poder continuar com a segunda pick-up.
Chegando a casa mais tarde, Aroldo nada contou à Heloisa. Foi dormir refazendo as contas e os planos. Foram alguns dias neste estado de ansiedade que ele tanto reprovara. Entretanto, no momento de certeza, tudo vai por água abaixo e nos esquecemos dos conceitos mais básicos que estipulamos, pois, desta vez, algo vai mudar.
Exato um mês depois, bem cedo pela manhã, Heloisa acordou Aroldo, toda afoita e esbaforida:
– Querido, acorda – falava ela, gesticulando muito com as mãos. – Tem duas caminhonetes paradas aqui na porta de casa!
– Caminhonetes? – Aroldo perguntou para depois ele mesmo responder com sorriso no rosto. – Não são caminhonetes! São pick-ups! Sabia que meu dia iria chegar!
Aroldo deu um pulo da cama, nem se importou por estar apenas de short estampado. Saiu correndo pela casa a fora até o quintal, quando se deparou com as duas pick-ups e alguns homens. Ele instantaneamente encerra o sorriso e fica parado como uma estátua enquanto um deles fala:
– Bom dia, senhor. Eu sou da companhia de água e este ao meu lado é da companhia de luz. Estamos aqui para fazer o corte do serviço por falta de pagamento.
Todo do mundo tem um dia de sorte. Aroldo ainda não descobriu o seu.

Próximo conto da coleção: Matrícula

quarta-feira, 7 de março de 2012

Eu! Eu! Aqui! Eu!


     É impressionante como as pessoas cada vez mais se encaixam na minha filosofia de labrador. Todos querem atenção. Desesperadamente! É o que os americanos chamam vulgarmente de attention whore. A nova febre é no Twitter. As pessoas não somente querem milhares de seguidores, como também querem que todos acreditem em tudo que você escreve. Criam uma personagem, acreditam que, de fato, são essa personagem na vida real e toma-lhe 140 caracteres preenchidos compulsivamente. Imagino que a maior culpa disso é que as pessoas ainda não entenderam como funciona o Twitter. Ou pelo menos como deveria funcionar.
     Resisti muito ao Twitter, principalmente pelo fato de não ter assimilado ao certo o seu real propósito. Lembro de várias charges no início que, basicamente, brincavam com o fato de existir uma ferramenta a qual as pessoas divulgariam quando iam tomar banho, comer ou cagar (não gosta do termo cagar, leia o meu conto Número 2 e timidez em Histórias Reais Inventadas por Mim). Depois que entendi, pelo menos em partes, o real funcionamento, não tive duvidas que se tratava de uma das melhores ferramentas virtuais já lançadas.
     O Twitter, no seu principal objetivo, é algo que só faz sentido quando você é um seguidor. É a melhor ferramenta para se manter atualizado de forma rápida e dinâmica sobre tudo. Quanto mais pessoas vocês segue, mais bem informado e atualizado estará. O cerne da questão está em quem seguir. Existe de um pouco, ou muito, de cada. Amigo, famosos, jornais, empresas, publicidades etc. Tudo depende de que tipo de informação você quer receber. É aí nesse ponto que acontece a maior parte do erro.
     Apesar de ser reconhecida corretamente como rede social, as pessoas, na maior parte brasileiros, confundem o Twitter como um Orkut ou Facebook. Mas, principalmente, como álbum de figurinhas. Eles tentam seguir a maior quantidade de pessoas que conhecem ou já ouviram falar como se fosse colecionismo humano. E é nesse ponto que vira a febre que inverte tudo, todos querem seguir todo mundo e todo mundo quer ser seguido.
     Aparentemente estamos lidando com uma equação matemática fácil de ser resolvida. Basta que as pessoas se esforcem ao máximo para completar o seu “álbum de figurinhas” e, por consequência, estarão todos satisfeitos com a quantidade de seguidores que possuem. E, honestamente, esse não é o ponto. Cada um faz com o seu Twitter o que quiser. O que não pode, é o cidadão que, conscientemente, tem uma vida insignificante achar que, por ter x seguidores, possui o dom da verdade absoluta sobre qualquer tema que resolver dissertar. Aí que surgem os falsos profetas, os nefastos, os picaretas.
     O mais curioso nessa história é que as pessoas de fato acreditam que estão sendo genuínas e merecem aquela atenção. Para piorar (sempre piora), seus seguidores (nessa hora o termo seguidor nunca teve um sentido tão perfeito) batem palmas (retweets) e o cara confirma a sua ideia de ser a última paçoca da latinha. Com esse novo fenômeno acabamos por ter várias situações. Todas tristes.
     A primeira é a do famoso menino minado dono da bola. Ele emite a opinião dele, retweeta (salve o neologismo) as mensagens de apoio e bloqueia os que discordam. Ah a ferramenta block. É o refinamento que todo estatístico sempre quis. Elimina qualquer possibilidade de um retorno contrário do seu estudo. Depois do block¸ somente retornos positivos e ficamos cada vez mais soberanos.
     Existem os valentes do mundo virtual. Esses empurram suas opiniões goela abaixo com argumentos ríspidos e grosseiros. São os tigres do teclado. Na vida real, bem, na vida real costumam ser frouxos. E nada contra as pessoas pacifistas que preferem conversar tranquilamente a uma discussão que pode levar às vias de fato. Também acho que essa é a melhor das opções, mas que seja assim também no mundo virtual. Comumente vemos pessoas que “xingam muito no Twitter“ sobre algo que aconteceu, mas que na hora mesmo, ficaram calados e deixaram passar. Depois do Send, aparecem os retweets e as mensagens de apoio, e o valente fica mais valente.
     Existem os que desdenham do que você fala. Noticiou algo novo, para ele é old. Mostrou uma foto engraçadinha, para ele é fake. Achou IPhone bom, virou fanboy. E por aí vai. Ele quer ser sempre polêmico, inovador e acima de todos. Por quê? Porque tem mais seguidores que você. Simples! E na leitura de quem enxerga o Twitter dessa forma, isso faz sentido. Logo, baterão palmas para ele. Por maior que seja a asneira por ele dita.
     A culpa disso tudo é da claque. O sujeito feliz que está com o álbum completo, aplaude tudo que lê e recicla o movimento de prolongar a calhordice gratuita. E digo que isso é muito fácil de se fazer, mesmo com poucos seguidores. Darei dois exemplos que eu mesmo fiz nos meus dias de troll.
     Um dia, muito entedia resolvi soltar um tweet para uma empresa que vende ingressos de shows fingindo agradecer por uma resposta a um questionamento feito: “Obrigado @qualquercoisa, a dica da meia-entrada foi perfeita. Paguei menos e nem cobraram documentação na porta!”. A empresa, por descuido ou falta de preparo, deu atenção à minha mensagem o que deixou todos os seguidores alertados. Se tivesse ficado quieta, ninguém saberia da minha mensagem e estaria um mar calmo. Mas não, foi dado continuidade e claque toda viu. Virou um fervor. Pessoas batendo palmas para a dica da meia-entrada baseada nos argumentos mais estapafúrdios possíveis. E do outro lado a empresa tentando consertar o que de fato não fez.
     Esse exemplo é o caso mais claro que como ter uma claque a sua disposição, mas não saber como controlar a ferramenta que dá acesso a ela é algo nocivo na maior parte das vezes. O despreparo de como lidar, fez com que a própria empresa supostamente tenha emitido uma informação que a própria abomina. E como a velocidade que as coisas acontecem, até corrigir o estrago foi grande.
     O outro foi com o Twitter do Lei Seca RJ. Esse é o típico picareta desenvolvido para se aproveitar do jeitinho brasileiro de lidar com as leis. Ele foi criado apenas como ferramenta para que as pessoas pudessem evitar as blitz da Lei Seca, mesmo bebendo. Ora, conhecendo o brasileiro muito bem, era questão de tempo que os seguidores se multiplicassem como coelhos. Todos querem evitar ser parado na blitz e ter o carro apreendido. Mas, como os próprios administradores dizem, a função é apenas orientar onde está a blitz para que a pessoa tenha a escolha. Não sei que escolha, mas têm.
     Enfim, com zilhões de seguidores e prestando um serviço que só corrobora com a ilegalidade, eles adotaram a postura dos bons moços que estão apenas ajudando. E a claque bate palmas. Informam onde tem blitz para parar carro irregular. A claque faz a Ola. Informam onde estão rebocando carros parados irregularmente. A claque solta fogos. E não se pode cogitar contrariá-los. Eu tentei e, supostamente, me dei mal.
    Nunca menti que os seguia. Até por dois motivos. Um, diziam as condições do trânsito. Na época a Operações de Trânsito não tinha esse serviço. Dois, não bebo, então não estaria tirando vantagem dessa gambiarra legal.
     Um dia resolvi confrontá-los. Perguntei o que acharam da notícia de um acidente ocorrido em Niterói com mortes, na qual o motorista causador estava embriagado e era seguidor deles. O block foi instantâneo. A covardia de não assumir a possibilidade de ter contribuído com aquele acidente foi assumida em um clique.
     É claro que antes a minha mensagem alcançou algumas pessoas que repassaram imediatamente. Pessoas que refletem o que lê antes de dar prosseguimento. Só que, diferentemente do caso do ingresso de meia-entrada, aqui não cabia justificativa para eles. Era um fato e ponto final. Só restaram a eles me bloquear, ignorar o que vem ao encontro da filosofia deles e seguir em frente. A claque vai atrás com os antolhos gerados pelo block.
     Agora vejamos, as pessoas não refletem mais o que fazem ou dizem por aí, por princípios ou comparação de informações. Elas medem pela quantidade de pessoas que aplaudem para ela. Com essa mesma premissa justificamos a Sagrada Inquisição e o crescimento do terceiro Reich. Longe de mim querer comparar as consequências destes dois atos com as consequências de um twitteiro (viva o neologismo) inconseqüente. Longe mesmo! Apenas quero comparar a boçalidade que as sustentou e deu continuidade. Nada mais.