Fome e ereção
Devia ser a quarta ou quinta vez que a
Márcia dizia ao Marcos que estava com fome. E pelo tempo que eles estavam
juntos, ignorar esta informação não era algo muito esperto considerando que o
mau humor dela sempre foi diretamente proporcional à sua fome. Não sei se vocês
entenderam o que tentei falar. Não precisam ter vergonha, regra de três é algo
que poucos aprenderam bem no ensino fundamental. O que quis dizer foi que
conforme aumentava a fome, aumentava também o mau humor. Tudo bem, explicar
para quem entendeu só expõe o meu lado patético. Assim como explicar para quem
não entendeu só traumatiza o lado matemático da pessoa.
Enfim, Márcia se levantou e anunciou
que iria pedir uma pizza, mesmo sabendo que o Marcos não aprovava este tipo de
alimentação durante a semana. Ele era um chato metódico de quarenta e poucos
anos com regras para tudo que possam imaginar. Dentre as regras, existia a que
terça, aquele dia, era dia de sexo. Ele estava apenas esperando acabar o
capítulo do seu seriado favorito sobre policiais que discutem a vida particular
na viatura por cinquenta minutos e nos dez minutos finais resolvem um crime
cabuloso. Por motivos óbvios, prestar atenção nos minutos finais era uma
obrigação, mas pela condição de Márcia não seria uma tarefa fácil:
- Marcos, qual o sabor da sua metade –
perguntou a Márcia, pois já era tradição entre eles que cada um pedisse uma
metade do seu sabor e assim não brigavam. – Anda, homem! Tira esse olho da
televisão! Ahn? Que acenar que nada! Responde ou vou pedir uma inteira de
rúcula. Ah, quer me dar atenção agora, né? Fala logo que o rapaz aqui está
esperando no telefone. Ahn? Aliche? Está doido, Marcos? Vai ficar com azia a
noite toda e amanhã você acorda cedo para o RPG. Vou pedir Margerita para você.
Feito o pedido, Márcia foi à cozinha
separar pratos, talheres, cortador de pizza, conferiu catchup e outras coisas
na geladeira. Neste interim, ouviu que a série que Marcos assistia acabou e
pensou no que estava por vir. Não foram necessários muitos minutos para que sua
previsão se concretizasse. Assim que começou a música tema dos créditos, lá
estava Marcos abraçando e se esfregando na Márcia por trás como fazia toda
terça-feira. Um processo de acasalamento protocolar sem graça que só na cabeça
dele parecia ser sexy e persuasivo.
- Pode parando, Marcos – falou a
Marcia enquanto o expulsava dando uma bundada nele. – Já falei que estou com fome
e irritada. Não vem com esse pau para cima de mim ou corto ele fora e faço um
sanduíche. Ou melhor, um petisco, porque nem duro ele está.
O Marcos já estava naquela fase de
ereções irregulares há um bom tempo. Não conseguia mais com a facilidade que
tinha quando mais jovem, precisava de estímulos extras e talvez por isso passou
a fixar datas, pois, quem sabe, forçando menos as tentativas seria mais fácil.
Até que deu certo no início, mas era apenas tesão acumulado. Depois com o tempo
ficou cada vez mais difícil e frustrante, para ambas as partes.
Expulso da cozinha, ele foi para a
sala e ficou trocando os canais sem prestar atenção de fato o que passava. Na
sua cabeça tudo que passava era que a terça seria desperdiçada. Márcia daria
prioridade à pizza, os dois ficariam de barriga cheia e acabariam dormindo. Ele
precisava de uma abordagem enfática imediatamente. Precisava ser naquele
momento, nem um minuto a mais. O tempo para o entregador chegar era suficiente
para toda a atividade, inclusive os minutinhos adicionais abraçadinhos ao
final.
A ideia de ser algo com tempo
estipulado causou algo em Marcos. Ele era uma pessoa bastante competitiva e a
adrenalina de correr contra os minutos foi um afrodisíaco. Ele se imaginou
agarrando a Márcia sobre a mesa da cozinha, a sacanagem já rolando solta e
frenética quando toca o interfone. Atendemos ou não? Eles não parariam. Márcia entrelaçaria
suas pernas em volta de sua cintura e os dois engatados iriam até a área de
serviço para Marcos atender e autorizar a subida do entregador. Temos pouco
tempo agora, diria a Márcia. É agora que você vai gozar, afirmaria Marcos
enquanto aumentaria a intensidade do sexo, apertaria nos locais certos e faria
Márcia arrepiar cada pelo do seu corpo. Quarenta segundos depois, após subir
cinco andares de elevador, o entregador tocaria a campainha. Todavia, tudo que
o prédio escutaria seria o gemido profundo de Márcia que ecoaria pelos
corredores. Era isso!
- Márcia, vem fazer seu sanduíche que
estou duro como um salame – disse Marcos da porta da cozinha.
Até a Márcia precisava concordar que
era uma ereção impressionante. Talvez nem tanto pelo fato de o Marcos estar
vestindo sua surrada calça de moletom amarela ovo, mas era um senhor pau duro. Ainda
assim, o grito de fome que prevalecia dentro dela conteve qualquer tentativa de
emanar um desejo sexual. Ela então apenas acenou simpaticamente para ele e
voltou a dar atenção os talheres na pia.
- Como assim ok? Olhe para cá – disse
um Marcos inconformado apontando para o mastro que se escondia em sua calça
ilustrando o conceito de armar a barraca. – Querida, talvez esta seja a minha
melhor ereção nos últimos anos, não podemos desperdiça-la.
- Esqueça, Marcos. O entregador vai
chegar a qualquer momento.
- Exato, Márcia – naquele momento a
empolgação de Marcos veio com força, literal e metaforicamente falando. – Vamos
transar selvagemente neste meio tempo. Eu começo te jogando sobre a mesa da
coz...
- Selvagemente, Marcos? Mesa da cozinha?
São quase vinte anos de casados de “papai e mamãe” apenas, Marcos. O mais louco
que já fez foi transar com os pés na cabeceira e a cabeça do outro lado da cama.
Você reclama quando conseguimos desarrumar o lençol. Quer saber de uma coisa?
Faz o seguinte – Márcia se interrompeu para desfazer seu rabo de cavalo. – Não quer
perder a ereção? Está aqui! Coloca esse elástico de cabelo na base do seu pau e
trava o sangue aí, mas não me encha o saco. Estou com fome!
Frustrado com a reação de sua esposa e
um pouco abatido pelo choque de realidade, Marcos ficou preocupado com a
possibilidade de perder aquela energia que emanava de sua pélvis e acabou
acatando a sugestão. Lá estava ele com as duas mãos dentro da calça enquanto
Márcia preferiu dar atenção ao cesto de roupas sujas. Colocado o torniquete
peniano, o interfone toca, Márcia atende e diz para o marido que o entregador
chegou.
- Manda ele subir, ora bolas.
- Já passou das dez, Marcos. Está sem
porteiro lá em baixo. Você vai ter de ir buscar.
- ASSIM?
Era uma difícil decisão a ser tomada.
Márcia disse logo de início que não desceria nem a pau, ou comeria tudo na
portaria mesmo. Marcos precisava se decidir entre duas opções. Ou abdicaria
daquela conquista e arruinava a sua tradicional terça, ou permanecia focado com
o revés de passar vergonha na frente do entregador. Enquanto pensava, Márcia
deu mais um chilique alegando fome e irritação, o que obrigou o Marcos a descer
e optar por se decidir no elevador.
- Oh não! Logo comigo?
É bem possível que as mulheres tenham
dificuldade para entender o real motivo do entregador se apavorar ao se deparar
com o cliente de pau duro fazendo volume sob as calças. Não, o fato de um total
estranho estar em completa ereção na sua frente nem é a principal razão. É algo
muito mais clichê que possam imaginar.
Nós homens crescemos vendo filme pornô
com uma frequência assustadora. Na sua maioria, esses filmes possuem sempre a mesma
premissa: um homem chega à residência para entregar pizza, a gostosa abre a
porta, não tem dinheiro e resolve pagar com favores sexuais. É claro que os
roteiristas tentam variar substituindo o entregador de pizza por vendedores de
enciclopédia, entregadores de jornal, carteiros, testemunha de Jeová, distribuidores
de encartes do Guanabara, o cara da pamonha, instalador da NET dentre outros. Em
alguns casos, quando querem algo mais arrojado e inovador, chegam a colocar o ator
no papel do marido.
- O que foi, rapaz? Larga de drama e
me dá logo essa pizza.
- Desculpe, senhor, mas sabe como é,
né? Entregador de pizza, imaginação fértil, pensei estar em um filme pornô gay.
- Não, cacete! Você só chegou rápido
demais.
- Óh céus! Nunca vi ninguém demonstrar
tamanha felicidade com uma pizza que chegou rápido.
- Ahn? Não! Estava prestes a transar
com a minha esposa quando você chegou.
- Ah tá! Ufa – faz-se uma pausa e o
entregador volta a falar. – Preciso dizer que é uma considerável ereção.
- Obrigado. Por isto estou com pressa.
Pode ficar com o troco.
O entregador foi embora e Marcos subiu
de volta para casa. Assim que abriu a porta, ele foi atacado pela Márcia que
lhe roubou a caixa de pizza de suas mãos e foi correndo para cozinha já
mordendo a primeira fatia.
- Isso não é justo! Estou aqui com uma
ereção de respeito e você dando preferência para esta pizza.
- Já te falei que estou com fome. Se
quiser espere.
- Mas, Márcia, até o entregador
elogiou meu pau duro. Não é possível que você não fique sensibilizada com isto.
- Ah Marcos, que viadagem, hein? Vai
comer o entregador então!
- Isso não é justo! Tudo que eu queria
era fazer um sexo selvagem, sujo e com um gostinho de errado com minha esposa.
- Era isso? Então faremos o seguinte –
Marcia pegou duas fatias de uma só vez e foi rumo à sala. – Vou deitar ali no
sofá e continuar comendo minha pizza paradinha sem esboçar reação. Daí você
pode fazer o seu sexo selvagem comigo que vai foder com a sua coluna te
obrigando a fazer uma dupla sessão de RPG amanhã. Vai poder fazer seu sexo
sujo, porque vai cagar o sofá todo de gordura e molho de tomate. Vai poder
fazer também seu sexo com gostinho de errado porque estarei na sua frente
quebrando nossa dieta semanal.
Ao ouvir isso, Marcos teve uma ereção
mais forte que qualquer uma em toda sua vida que chegou a arrebentar o elástico
preso à base do seu pau. Ele pulou então na Márcia e transou loucamente com
ela. Foi sem dúvida o melhor sexo de suas vidas. Márcia gozou freneticamente
como um bebê arara fazendo seus gritos ecoar pelo quarteirão. Ao final, exausto,
Marcos se levantou e, com um sorriso de vitória estampado no rosto, percebeu
que ainda assim Márcia não aparentava estar totalmente satisfeita. Olhando o
sofá coberto por algumas beiradas de pizza e diversos fluidos humanos, ele
resolve perguntar como ela conseguia permanecer insatisfeita diante de um
momento épico como aquele.
- Estou arrependida de não ter pedido
a mousse também.