Não eram nem dez da manhã quando o
barulho da porta se abrindo me acordou. Imaginei quer seria a Cláudia, então
nem me dei ao trabalho de levantar da cama, tão pouco de abrir os olhos. Voltei
para o fim de sono que antecedia à ressaca. Já imaginando novamente a mocinha de
ontem que não me deu bola um segundo sequer, mas roubou minha atenção à noite
toda, fui acordado com um grito:
- VAMBORA , HOMEM! LEVANTA ESSE CU DA
CAMA!
Cláudia jamais me acordaria assim.
Tinha de ser a desgraçada da Tatiana. Parada na porta do meu quarto com duas
mochilas, uma nas costas e outra no chão ao lado da sua perna.
Ela tem essa mania de andar de mochila
para todos os lados. E nunca é uma mochila parcialmente cheia. Não! É sempre
uma mochila abarrotada de coisas quase estourando o zíper. Sua desculpa é que
como fica revezando em três endereços diferentes, precisa andar com algumas
coisas sempre à mão. Ah, para o inferno com esta desculpa, né? Basta deixar um
kit básico em cada um dos três endereços, se planejar melhor e andaria com o
mínimo. O fato é que ela tem sangue de muambeira mesmo. Daquelas que cruzam a
fronteira do Paraguai com bolsas enormes de tranqueiras. Enfim, desta vez eram
duas e isto não é um bom sinal.
- Porra, sua imbecil. Odeio que me
acordem gritando. Odeio levar susto.
- Ah tadinho! Queria o quê? Cafuné?
Uma massagem com final feliz? Uma dedada?
- Até que uma dedada cairia bem agora.
- O QUÊ?
- Viu como é bom levar susto logo pela
manhã? Larga de ser imbecil e faz algo de útil na vida. Coloca comida e água
para os gatos e depois troque a terrinha deles, por favor.
- Por que deveria fazer isso?
- Por que você está aqui?
- Porque preciso de um favor.
Daí fiquei parado sério olhando para
Tatiana e ela fez o mesmo para mim. Ela levantou as sobrancelhas, eu repeti o
gesto. Ela deu uma ligeira esbugalhada nos olhos, fiz o mesmo. Ela jogou a
cabeça um pouco para frente, eu a imitei cinco vezes. Voltamos a ficar parados
nos encarando até ela interromper.
- Tá já entendi, seu explorador.
Enquanto Tatiana fazia o que tinha
pedido, levantei-me aos poucos e fui ao banheiro. Se existe uma coisa que é
sagrada para um homem é a primeira mijada do dia. Não somente pelo alívio, mas
por ser um jato respeitável seguido de toda a flatulência acumulada por uma
noite inteira de sono. Sei que isso é meio escatológico, mas não deixa de ser
verdade. Pode perguntar a qualquer homem.
Terminada a sinfonia e o esvaziamento
da bexiga, voltei para o quarto. Tatiana já estava limpando as caixinhas.
Peguei o celular, não tinha mensagens recebidas. Olhei os históricos de
conversas durante a noite, nada constrangedor. Lista de chamadas feitas e
recebidas estava imaculada. Aparentemente foi uma noite de poucos estragos.
- Pronto – disse Tatiana entrando no
quarto e jogando uma das mochilas na cama. – Preciso da sua ajuda. Tenho uma
festa hoje e quero sua opinião sobre qual vestido usar.
- É, a tal dedada agora soa bem mais
interessante.
Ela riu e disse que não tinha
escapatória. Em seguida pediu que me ajeitasse na cama para poder espalhar os vestidos.
E não eram poucos. Não parava de sair vestido daquela mochila, quase como
palhaços saindo de um Fusca. Ao final, minha cama parecia uma feirinha de
estacionamento de supermercado. Ela foi então ao banheiro com um em mãos.
- Que tal?
Ela me perguntou um minuto depois ao
sair do banheiro com um vestido de cor azul meio que escuro, puxando para o
roxo. O tom flertava um pouco com metálico e tinha umas alças finas no ombro.
- Você está parecendo um presente da
Roberto Simões.
- O que é isso?
- Sua pobre, é uma loja cara de
presentes para casa.
- Ah, então isso é bom!
- Se você quiser ser um cinzeiro
pretencioso que ficará guardado no alto de armário, sim.
Ela voltou ao banheiro com outro
vestido em mãos. Mais um minuto e lá está Tatiana com um vestido de cor meio
indefinida. Algo verde, com azul e amarelo. Tudo misturado parecendo que foi
mergulhado em água sanitária. Não bastante, por cima dele tinha um tecido tipo
tela com furos bem finos.
- Céus, você está parecendo uma
Sininho de peça infantil de baixa renda.
- Ah para! Ele é levinho!
- Ótimo! Use-o quando precisar se
pesar vestida.
Lá se foi Tatiana resmungando para o
banheiro mais uma vez. Agora era um conjunto composto por uma saia preta e
blusa branca de bolinhas pretas com uma gola bem grande. Ela saiu do banheiro e
parou com a mão na cintura.
- É festa à fantasia?
- Não!
- Então não use. Parece secretária de
filme cafona da década de sessenta. Coloca um laçarote no pescoço e vira a
Lucy.
- Quem é Lucy?
- Lucy do seriado I Love Lucy.
- Você é um hétero com umas
referências muito estranhas.
- A começar pelas amigas que querem
que dê palpites de roupas.
Ela riu concordando e voltou para o
banheiro. Mais outro minuto e lá estava com um vestido estampado de manchas que
mudava a cor do fundo em diversas partes. Algo como uma união retalho de
tecidos com estampas iguais, mas com cores distintas no fundo.
- Você está igual ao chão de
alfaiataria.
- Jura?
- Claro! Olha esse monte de cores de
maneira caótica.
- Eu gosto tanto desta estampa.
- Parece um cu de jaguatirica.
- É fofo!
- Ok, um cu fofo de jaguatirica.
Ela resmungou alguma coisa antes de
entrar no banheiro. Retornou em seguida com um vestido mais comprido que os
demais. Ele também era estampado, mas com referências tropicais, lembrando
praia, flores, sol, entre outras coisas. Era o mais alegre de todos.
- É em um cruzeiro?
- Não!
- Que bom. Porque se fosse, iriam te
confundir com uma cortina e provavelmente um marinheiro bêbado limparia o pau
em você.
Segue Tatiana para o banheiro com a
última peça, finalmente. Confesso que estava me divertindo, mas precisava
também tirar o rabo do quarto e ver um pouco de luz natural. Nisso ela voltou
com um vestido tubo preto colado no corpo, modelo tomara que caia e muito
curto.
- Você está parecendo uma puta.
- Isso é bom?
- Depende do preço.
- Ah me ajuda – ela quase suplicou balançando
os braços e se mexendo para os lados.
- Isso! Mais um pouco e coloco uma
nota de dez no seu decote.
- Porra! Dez?
- Meu vale-alimentação está zerado.
Depois de um breve esporro sobre não
estar ajudando, ela foi enfática ao dizer que eu precisava escolher uma das
opções disponíveis, pois iria se arrumar na minha casa. Perguntei então como
era o evento para poder melhor balizar minha decisão.
- É uma festa moderninha na zona sul.
Vai uma galera meio classe-média, meio playboyzinho. Fica cheio de patricinha
metidas de cocotas.
- Então o preto sem dúvida alguma.
- Ah mas você não gostou de nenhum.
Deve ser o menos pior.
- E isso faz alguma diferença? Logo a
opinião de um bêbado que não tem gosto nem para o que vai beber. O cara cujo
pré-requisito para beber é estar líquido.
- Não importa. Estamos falando de
roupa.
- Pior ainda. Onde que vale a opinião
do cara que só veste jeans e camisas pretas?
- Para mim vale.
- Se te consola, te comeria com
qualquer um deles.
- Jura?
- Juro, mas precisaria estar muito
bêbado para tomar coragem e puxar assunto com você.
Ela se sentou na beirada da cama para
não amassar os outros vestidos e com a mão sobre os joelhos lamentou aquilo
tudo. Não era apenas implicância desta vez, as opções eram todas umas merdas.
Só que não faria a burrice de falar isso, ou entraria em um vórtice sobre gosto
e moda. Decido por matar de vez com aquilo, me levantei e anunciei que iria à
padaria tomar café. Ela disse que não queria e iria ficar. Saí então do quarto
quando ela pediu o que temia:
- Vai ao shopping comigo então?
- Mas nem a pau – gritei da sala enquanto
abria a porta da rua.
- Você vai me deixar sozinha aqui sem
ter o que fazer?
- Toque uma siririca!
- Eu estou triste porra!
- Toque com a berinjela que está na
geladeira enfiada na bunda. Vai te animar.
- Isso ofende!
- Se te reconforta, a berinjela ouviu
isso e também ficou ofendida.
Fechei a porta e saí. Vai ser foda
quando eu voltar.