sábado, 11 de junho de 2016

O dia seguinte

Capítulo Anterior Debutando mais uma vez
 
Perdi as contas de quantas vezes me sugeriram ter uma vida mais regrada, com alimentação saudável, atividades físicas e boas noites de sono. Algumas dessas pessoas insistiam em que um dia sentiria o peso de um estilo de vida irresponsável e autodestrutivo. Você, convicto de seus argumentos, acha tudo isso balela e acredita que, quando este dia chegar, será tão fulminante que não vai ter tempo de se arrepender e, por isto, terá tudo valido a pena. Obviamente, lá no fundo, você sabe que não vai ser assim. Desconfia que será antes disso, além de longo e penoso. O que você não espera é que esse momento acontecerá exatamente quando está fugindo da polícia.
Você sabe que o universo resolveu lhe pregar uma peça, ou lição, quando precisa testar a sua disposição física fugindo a pé de uma patrulha policial. Não queria olhar para trás e nem precisava. O som da sirene me seguindo era interminável. Já foram quatro quarteirões e não cessava. A minha sorte é que o trânsito não está tão favorável para eles como a calçada está para mim. Retiro forças de partes do meu corpo que sequer sabia que ainda estavam em funcionamento. Na minha cabeça, começo a imaginar uma música, pois perseguição pede música, fora o fato de motivar mais um pouco. Talvez AC/DC seja uma boa ideia, mas é provável que, na hora do solo, pare de correr e comece a fazer o passinho do Duck Walk. Fiquei com YYZ do Rush. Música instrumental não me distrairia com refrões. Cinco quarteirões e, pelo som da sirene, não me afastei deles, todavia não se aproximaram ainda. Resolvo entrar em uma rua perpendicular. Escolho a rua que seja contramão para a polícia. O som de sirene permanece à mesma distância. Eles deram sorte e os carros devem ter liberado o caminho. Mais à frente tem um novo cruzamento, talvez tenha a ajuda de um trânsito mais pesado. Não sei se minhas pernas aguentam até lá. Elas estão no modo automático e a sensação é que pareço a Lula Lelé correndo (gerações pós-década de 80 terão dificuldades em entender esta analogia). Tento, mesmo distante do quarteirão, já identificar a direção da mão dos carros para saber em qual lado virar. Enquanto isso, a patrulha segue com a maldita gasolina infinita e a sirene que não queima nem a pau. Esquerda! Terei de virar à esquerda lá na frente. Na mão da rua que estou não tem carro vindo. Sem olhar para trás, atravesso para o outro lado prestes a virar à esquerda. Sirene maldita não dá descanso. Eles vão me alcançar. Preciso chegar logo na esquina e torcer por um trânsito pesado. Por sorte, as músicas do Rush são longas e YYZ ainda não acabou na minha cabeça, não saberia mais qual usar. Menos de dez metros para virar a esquina. Minhas pernas não vão aguentar. Preciso de uma rua obstruída para ganhar alguns metros e logo após entrar em um prédio ou loja, caso contrário, dar meia-volta, que seria a melhor das opções, não será possível. Ao frear, acho que desabo no chão. Sirene dos infernos segue incansável, diferentemente de mim. Cheguei à esquina! Finalmente! Viro na direção contra o trânsito e dou de cara com minha mãe segurando um chinelo.
- AH MERDA! – Odeio acordar no susto por conta de pesadelo.
Ainda de olhos fechados, me mexi o suficiente para perceber que estava deitado no Tidus, o sofá fétido. Ao fundo, ouvia a campainha do meu celular. Provavelmente estava tocando por um tempo e acabou invadindo meu sono na forma de sirene de polícia. Pela distância, ele devia estar no quarto ou no banheiro. Sentei-me à beira do sofá e senti minha cabeça pesar uma tonelada. Não conseguia sequer abrir os olhos de tanta sensibilidade. Já fazia um tempo que não tinha uma ressaca naquelas proporções. Estranhamente não sentia o aterrorizante enjoo com ânsia de vômito se aproximando. O celular continuava tocando e pelo jeito ficaria assim até atender. Precisava então abrir os olhos, me levantar e andar até ele. Como já morava por lá por tempo suficiente para conhecer os caminhos da casa de olhos fechados, minha lista de afazeres daquele momento diminuiu para dois itens apenas: levantar e andar. Lá fui eu, de cabeça baixa como quem equilibra uma bigorna no topo dela e olhos fechados. Praticamente imitando o Mister Magoo, dava meus passos sofridamente. Um, dois, três...
- AI PORRA!
Escorreguei e caí de bunda no meio da sala. Não sei o que doeu mais, a pancada do meu rabo no chão, o contato da luz com meus olhos que se abriram instintivamente ou a cabeça latejando. Com as mãos senti que tinha escorregado e caído sobre uma poça enorme. Olhei para o chão. Vômito para todo o lado. A quantidade era tão impressionante que explicava a falta do enjoo. O que mais me surpreendeu foi não ter percebido antes, pois o cheiro estava impregnado na sala. Era um aroma de uma mistura ácida de vodka velha e bílis. Além do cheiro insuportável que não senti antes, a cor rosa próximo do vermelho dele também me assustou. Tateei meu corpo à procura de feridas. Nada! Bem, não era sangue. Queria até refletir melhor para entender a causa daquilo, mas o celular continuava tocando. Em um estado lamentável, sem camisa, com calça social, mãos e braços lambuzados de vômito cor do demônio, segui para o quarto.
- Oh meu Deus – exclamei parado na porta.
Vômito para todos os lados. Cama, porta do armário, chão, parede e no meu paletó pendurado na maçaneta. Tudo vermelho e exalando o aroma das minhas entranhas constantemente conservadas em álcool. No chão perto da porta do banheiro tinha uma massa vermelha. Voltei a tatear meu corpo, agora tentando detectar se algum órgão vital foi expelido. Parecia tudo em ordem. Abaixei-me para ver o que era. Meias amontoadas encharcadas de vômito rosáceo. O celular, que continuava tocando, deixou de ser a principal preocupação. Mesmo assim, comecei a procura-lo nos bolsos do paletó em estado lastimável. Revistava bolso por bolso e, ao mesmo tempo, olhando para o estrago na casa e imaginando como faria para limpar aquilo tudo.
Peguei o celular quando estava dando o último toque antes de parar. Era Juliana. Com a chamada encerrada, apareceu na tela o aviso de mais de trinta ligações perdidas. Naquele momento, tentando entender o motivo de tantas ligações, comecei a me recordar da noite anterior. Festa de formatura. Juliana linda. Verônica me assediando. Vodka direto na melancia. Oh! Estava explicado então o vômito demoníaco. Seguindo. Ir atrás da Verônica e flagrar a cretina transando com outro cara nos fundos da festa. Olhei então para o teto tentando lembrar o motivo de ter corrido atrás da Verônica.
- FILHA DA PUTA – gritei quando a imagem de Juliana beijando o outro rapaz me veio à cabeça para, logo em seguida, correr para o banheiro e vomitar.
Mais duas ligações perdidas e saí do banheiro orgulhoso com a quantidade de coisas que ainda tinha dentro de mim se comparado com o resto já espalhado pela casa. Aliás, não entendi como fiz aquela cagada monumental pelo quarto e sala, mas deixei o banheiro intocado. Devia ter chegado em casa completamente alucinado e fora de si. Liguei então para a Marlene perguntando se seria muito abuso ela fazer uma faxina de emergência na minha casa em pleno domingo.
- Claro que vou, patrão. Meteu o pé na jaca mais uma vez?
- Dessa vez foi na melancia.
- Como assim?
- Chegando aqui vai entender.
- Está bem. Devo aparecer aí por volta de três da tarde.
- Ok. Obrigado e, caso não esteja aqui, o dinheiro vai ficar pendurado na geladeira como sempre. Beijos.
Aquela mulher sempre foi uma santa. Ou melhor, um anjo da guarda para mim. Resolvido o problema do estado de calamidade pública da minha casa, era hora de lidar com Juliana. O que diabos ela queria tanto falar comigo?
- FINALMENTE – ela atendeu com um grito.
- O que foi? Pensou que eu tinha morrido em um acidente no meio do caminho ou me jogado da ponte da Linha Vermelha?
- Eu sabia que você estava bem em casa.
- Como pode ter certeza?
- Porque sua moto está aqui do lado de fora intacta.
- Minha moto? Como você sabe que... VOCÊ ESTÁ AÍ EMBAIXO?
- Sim! Você me mostrou seu prédio naquele dia que esbarrou comigo e minha mãe ali na Sãens Peña. Esqueceu? Ou apagou da memória para deletar a vergonha que passou? Como é que é? Vai ou não vai descer para abrir o portão para mim?
Não sei o que foi pior, ela ter a cara-de-pau de aparecer assim de supetão na porta do meu prédio, ou exigir que eu descesse sem ao menos dizer o que queria comigo. Não vou mentir que saber que ela estava lá, independentemente de suas intenções, foi algo bom. Entretanto, ainda estava puto com o que aconteceu na noite anterior. Quero dizer, voltei a ficar puto quando me lembrei do que ela fez comigo.
- Preciso de dez minutos para tomar um banho e desço.
- Vai me deixar na rua? Não posso apenas subir?
- Baby, acredite – o sangue nesta hora ferveu conforme as palavras saíam da minha boca. – Na atual conjuntura, te deixar esperando por apenas dez minutos é um grande favor que te faço. Sem citar o fato que irei falar com você.
- Entendi. Vou ficar na padaria aqui ao lado. Por favor, desça. E venha de boa vontade.
Com a voz aveludada e sinalizando que queria conversar, ela conseguiu me acalmar um pouco enquanto ia para o banho. E, não bastante, era a Juliana. Ela tinha um efeito muito forte em mim. Droga! Odeio concordar com a Verônica. Ainda no banho, refleti sobre as suas intenções. Inventar diálogos e preparar respostas foi inevitável. Era necessário ser o dono da situação, mesmo sabendo que não se tratava de uma competição. Se enxergasse como uma competição, ao final, ambos sairiam perdendo. De qualquer forma, eu precisava desabafar. Ela não tinha compromisso algum comigo. Nós dois sabíamos disso. Ela deixou claro que nada aconteceria na formatura. Sim, também estávamos cientes disso. Mesmo assim, ninguém negaria que o que ela fez foi uma grande sacanagem, independentemente de ter sido com um grande escroto como eu. Como disse, o banho seria importante para esfriar a cabeça, amenizar a ressaca e colocar algumas ideias no lugar.
- Oi – ela atendeu o celular. – Já está descendo?
- Me responda com sinceridade. Você veio de jeans surrado e camiseta básica que sabe que tanto adoro intencionalmente?
- Por que você está perguntando... Peraí! Como sabe disso? Você está me vendo? Cadê você?
- Responde!
- Você está na rua? Não estou te vendo. Vou sair da padaria.
- Responde!
- Sim!
- Você é uma cretina mesmo. Como se a forma que está vestida fizesse a menor diferença neste momento.
- Onde você está?
- Eu ainda não acabei – ela ficou em silêncio. – Além de ser uma cretina, é uma burra. Pois o certo era vir com uma roupa fácil de tirar.
- Não comece. Onde você está?
- Suba a calçada contra o fluxo dos carros. Estou dentro do restaurante que tem uma varanda em frente.
- Você passou por aqui e não veio falar comigo?
- Eu precisava de mais um tempinho antes de te olhar nos olhos.
Sentado, rodando o celular na mesa, vi quando Juliana entrou no restaurante. Ela procurou por mim e, quando me viu, sua fisionomia mudou. Seu rosto acusava culpa e ao mesmo tempo pedia desculpas. Deu para notar que ela tomou fôlego para prosseguir. Mal sabe ela que fiz o mesmo para poder recebê-la à mesa. Assim que se aproximou, repousou as mãos no encosto da cadeira à minha frente. Não me levantei. Ela sorriu na maneira que mais adorava, sem mexer os lábios. Juliana sempre teve os olhos muito expressivos. Eles falavam por ela, a denunciavam e faziam dela uma pessoa totalmente transparente. Ficamos um tempo nos encarando até que sinalizei com um movimento de cabeça para que se sentasse. Já sentada, apoiou as duas mãos sobre a mesa próximas às minhas e soltou um sorriso enorme:
- Sua cara está um lixo – ela disse com o sorriso ainda montado.
- Estou tendo talvez a pior ressaca da minha vida. E você? Qual a desculpa para estar com essa cara horrorosa?
- Chorei a manhã toda.
- É... – Fiz uma pausa para sinalizar chamando a Adriana. – Eu também choraria muito se descobrisse que o cara que beijei na formatura tem gonorreia na boca.
- Idiota!
Indiscutivelmente, esse é o adjetivo mais usado comigo. Em determinadas ocasiões, por pessoas específicas, achava muito sexy. Estava vivenciando uma das situações que se enquadrava. Antes que pudesse responder à Juliana dando corda, Adriana se aproximou:
- Tudo bem, Adriana? Preciso por enquanto de um suco de laranja com gelo e um copo bem grande de café. Um balde se possível.
- E ela não vai querer algo?
- Ah, sim. Hoje tem caldo de traíra?
- Caldo de quê?
- Esquece. Traga apenas o que pedi enquanto ela se decide. Ah, se possível, você pode entregar esta nota para o segurança e pedir para ele dar um pulo na farmácia ali do outro lado e comprar uma cartela de remédio para dor de cabeça?
- Deixa comigo. Já volto.
Juliana permanecia tensa e buscando coragem para tocar no assunto. Eu que não o iniciaria. Ficaria soando como se estivesse tomando satisfações dela e, mesmo ofendido, ou magoado, não tinha esse direito. Talvez até tivesse sob algum argumento apelativo que ela recorreria, se fosse ao contrário. Não! Eu queria que ela puxasse o assunto. Então decidi ficar calado olhando para ela sem expressão alguma. Nada de deboche, nada de felicidade, muito menos tristeza. Apenas a clássica cara de paisagem.
- Deixe-me contar um bafão sobre a Verônica que rolou ontem...
- Eu não acredito, Juliana – Interrompi a sua fala e não contive a expressão de indignação que substituiu a de indiferença. – Não creio que você, depois de chorar a manhã inteira como me falou, despencou da Pavuna até aqui para contar uma fofoca sobre a Verônica.
- Eu sei – ela acusou o golpe retirando as mãos da mesa e as repousando sobre o próprio colo. – Só queria quebrar o gelo.
- Gelo? Que gelo, Juliana? Não tem gelo algum. Eu imagino que você tenha algo para falar comigo de tão importante. Ao menos é o que a sua presença aqui indica. Estou errado?
- Eu pedi para você descer com boa vontade, na paz. Não briga comigo. Por favor.
- Eu não estou brigando. Estou sendo objetivo.
Juliana respirou fundo, engoliu seco e, ao prosseguir, foi interrompida pela Adriana. Ela estava com o suco, o café e a cartela de comprimidos que pedi. Peguei dois comprimidos, engoli juntos com um bom gole de suco e fui em seguida recriminado pelas duas. Acharam um exagero os dois comprimidos. Juliana foi além dizendo que iria desabar com a minha pressão. Mal ela sabia o que fazia na segurança da minha casa em casos drásticos de ressaca. Achei melhor ignorar os comentários e pedi para a Adriana o baixa renda de sempre. Juliana pediu apenas uma água. Assim que a Adriana saiu, fiquei em silêncio aguardando que Juliana prosseguisse. Ela precisou de muita coragem, se considerarmos a demora para iniciar.
- Ok, mas preciso que me garanta que não vai me interromper.
Concordei balançando a cabeça. Ali assinava a minha sentença. Ficar sem interromper alguém é uma tortura sem fim. Ainda mais em assuntos delicados que me deixam desconfortável e me obrigam a usar sarcasmo como camuflagem. Não suficiente, quando não interajo diretamente com uma conversa, mesmo sendo muito do meu interesse, acabo me entediando, paro de prestar atenção e começo a imaginar coisas como o interlocutor nu dançando em um cavalinho de carrossel.
- Foi um erro. Não! Foi uma cagada. Uma cagada enorme. Estava bêbada e sei que isso não é desculpa. Sou muito nova. Sei que não é desculpa, mas explica um pouco a cagada. Sendo nova, sou imatura e tomo decisões idiotas. Talvez esse argumento explique a sua vida. Por favor, não me interrompa. Foi apenas uma gracinha bem ao seu estilo para ganhar um pouco mais de coragem. Enfim, foi uma puta cagada estúpida. Primeiro porque você viu. E não digo isso porque faria escondido. Digo porque você não merecia ver aquilo. Não, você não merecia. Apesar de bêbado como estava, existia a possibilidade de nem se lembrar disso hoje. Ainda assim, você não merecia ver aquilo bêbado, sóbrio ou sob a ameaça de uma arma apontada para a cabeça. Por esse motivo, eu quero muito te pedir desculpas. Desculpas por te feito você presenciar o que imagino ser a última cena que esperava ver ontem. Eu sei que pode parecer pretensioso da minha parte, mas dentro de mim existe uma certeza de que, a pior coisa que poderia ter acontecido ontem para você, foi o que eu fiz. Desculpa mesmo.
Os olhos de Juliana marejaram Aqueles olhos expressivos e brilhantes que ela sempre teve ficaram encharcados de lágrimas retidas. Era lindo. Não estou sendo sádico. Não estou curtindo o sofrimento dela. Estou sendo sincero. A total exposição de Juliana naquele momento era algo de uma beleza tão simplória que exigia que fosse em preto e branco. Ela se calou para conter o choro. Eu fiz o mesmo por falta de palavras. Não esperava essa abordagem por parte dela. Em meus diálogos encenados durante o banho, a coisa era mais visceral. Gritos, troca de ofensas, dedos eretos apontados um contra o outro, tensão total e, ao fim, nos agarraríamos e transaríamos na mesa do restaurante com a Adriana ao lado cantando Celine Dion. Parece que teremos algo bem diferente, não é? Choradeira, perdão e me contentarei com um prato de filé de frango, purê de batatas e feijão.
- Ok. Eu prometi que não iria chorar na sua frente. Não porque acho que é sinal de fraqueza, apenas porque não queria. Assim como não queria ficar com aquele garoto. E antes que me pergunte por que fiquei, vou te responder. Fiquei porque estava bêbada, cheia de amigas ao redor botando pilha para ficar com alguém. Elas sabem que não fico com alguém tem mais de meses. Coincidentemente a mesma quantidade de meses que estamos flertando. Tenho certeza que se soubessem de nós dois, jamais fariam aquilo. Ficariam incentivando para nos agarrarmos lá mesmo e confesso que não quero você como resultado de pilha de amigas gritando beija, beija, beija. Não tinha conexão alguma com ele. Se não me engano, ele é primo da Débora da outra turma. Nunca o vi na vida. Na mesma forma, se não fosse ele ali na minha frente naquele momento, seria qualquer outro. Bastava apenas as meninas colocarem a mesma pilha. Aliás, qualquer outro não. Exceto você. Você seria a única pessoa que, se aparecesse na minha frente ontem, não faria coisa alguma. Como odeio isso. Hoje, seria tudo diferente. Se o baile fosse hoje, você seria a única pessoa. Claro! Apenas você que era para ficar na minha frente. Quando dançamos juntos, eu queria muito te agarrar, te beijar, te morder e sei lá mais o que. Fiquei louca de tesão naquela hora. Eu sempre quis você e ao mesmo tempo sempre quis ter total controle sobre as coisas. Denunciei isso quase todos os dias nas nossas conversas. O problema é que sou teimosa como uma mula. Você sabe disso. Eu queria muito que fosse você ontem. Queria muito que tivesse sido comigo arrumada e produzida. Queria muito te agarrar de terno e gravata. Queria muito terminar o meu porre de formatura com você e o sol nascendo hoje. NÃO! Calma! Antes que fale algo. Não fui embora com o Tiago. Era Tiago o nome dele? Sei lá. Depois que você nos interrompeu, eu saí de perto dele e fui para o banheiro. Ainda levei aquela melancia escrota cheia de vômito que largou na minha mão. Fiquei lá, sentada no vaso com a melancia no colo, chorando até que as meninas apareceram. Nem precisei explicar, né? Elas entenderam. Contei tudo. A Ingrid ainda foi correndo atrás de você, mas já tinha ido embora. Me chamaram de burra, de doida e de teimosa. Não precisa concordar. Pode tirar esse sorriso cínico do rosto. Bem, é isso. Eu quero você da mesma maneira que sei que me quer. Ainda me quer, né? Ah, não responde! Podia ter sido no baile como falei. Podia ter sido semanas atrás no cinema, boteco, ou qualquer outra coisa. Criei uma regra idiota e agora a primeira chance que terei será com você com a boca suja de feijão, comendo frango com purê como se fosse um pedreiro. Desculpa, baby.
Era o momento para me levantar e beijar a Juliana no meio do restaurante. Ela se levantou antes e saiu em disparada para o banheiro. Adriana chegou a se aproximar e me perguntou se Juliana estava bem. Eu a faria ficar bem, respondi. Pelo menos esses eram meus planos em curto, médio e longo prazo.
Quando Juliana voltou do banheiro, seu rosto estava pior do que quando chegou no restaurante. Pela demora e aparência, deve ter chorado muito. De fato foi uma burrada épica por parte dela e, em condições normais, aproveitaria o momento para sapatear sobre ela e sair vitorioso. Obviamente não seria vitória, mas enfim, não o fiz. Assim como não terminei o meu almoço. Estava sem energia para qualquer coisa. A ressaca voltara com força e a cabeça parecia um tambor de aço que não parava de tocar. Precisava de cama e descanso. Ao mesmo tempo, sabia que devia fazer algo com Juliana. Era necessário falar as palavras certas e agir corretamente.
- Baby, não estou muito bem. Essa ressaca está foda, mesmo para um profissional como eu. Não pense que é picuinha ou indiferença minha. Estou mal mesmo. Preciso descansar.
- Ok. Também estou mal. Podemos descansar juntos?
Claro! Claro que podemos! Era tudo que eu queria. Ah esqueci. Aquele gigantesco acidente gástrico que chamava de casa. Eu sequer conseguiria voltar para lá. Imagine levar Juliana pela primeira vez. Por falta de opções e aproveitando o momento sinceridade à flor da pele, abri o jogo para ela.
- Baby, sim. Sim, podemos descansar juntos. É tudo que eu quero e preciso. Descansar e você ao mesmo tempo. O problema é que houve um pequeno problema lá em casa. Sabe aquela melancia que ficou no seu colo no banheiro? Então, ela foi borrifada por toda a casa. Está um pandemônio. Não se preocupe, vou aproveitar que tem muito álcool na mistura e tacar fogo. Até semana que vem já queimou tudo e poderei voltar a morar lá – ela fez uma cara de nojo e depois riu. – Bem, o fato é que a minha faxineira só vai lá em casa no meio da tarde e vai demorar um pouco. Pensei em descansar em um motel aqui perto. É muito pé-de-chinelo, mas é o que tem mesmo. E pare com esse olhar desconfiado. Não é truque para tentar te comer. Estou mal mesmo e preciso de uma cama.
Ela consentiu. Pedi para a Adriana uma dose de vodca para a viagem, pagamos a conta e seguimos para o motel. Lá, Juliana se espantou comigo. Peguei mais dois comprimidos e tomei com a vodca. Enquanto me chamava de doido, Juliana tirou os sapatos e as calças, ficando apenas de camisa e calcinha. É para ficar à vontade, ela disse. Não tive tempo de responder ou reparar na cena. Minha pressão desabou, fiquei pálido e caí desacordado na cama.
Algumas horas depois acordei novo em folha. Era o meu famoso macete de me resetar. Nunca falhava. Quando dei por mim, lá estávamos nós dois. Deitados, agarrados, encaixados. Parecia que tínhamos anos de intimidade. Era confortável para ambos e podíamos ficar assim por dias. Ela, ainda sonolenta, percebeu que estava acordado. Então a abracei com mais intensidade para ficar próximo ao seu ouvido e falar:
- Baby, você se assustou comigo desmaiando? – Ela, cheia de preguiça, apenas balançou discretamente a cabeça dizendo que sim. – Pois se acostume, isso faz parte da minha vida e, a partir de agora, você faz parte dela também.
Ela sorriu timidamente e voltou a dormir leve, sem peso algum nas costas. Eu também.
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