domingo, 20 de março de 2016

Histórias reais inventadas por mim

Lorotas
Era uma sexta-feira de noite. Não! Sábado de madrugada. Já tinha passado de meia-noite. Quase uma da manhã e quando cheguei ao limite do entediado me levantei do sofá, peguei a minha toalha na varanda e fui para o banheiro. Meu amigo que divide o apartamento comigo perguntou o que estava acontecendo e respondi que iria na rua comprar cigarro. Ele estranhou o fato de tomar banho para apenas comprar cigarro, mas repliquei dizendo que iria de carro e não queria sentar suado no banco de couro.
- E precisa de carro para comprar cigarros no bar aqui debaixo?
- Não, mas eu vou comprar lá na principal. Aproveito e coloco gasolina para trabalhar durante a semana.
Não acreditando nos meus argumentos, ele franziu a testa, deu de ombros e voltou a jogar videogame. Entrei no banho e quinze minutos depois já estava atravessando a sala rumo à porta da rua. Meu amigo novamente questionou eu estar tão arrumado para comprar apenas cigarros. Ora, um tênis, uma calça jeans e uma camisa polo não é tão arrumado assim, certo? Tanto que nem dei muita trela e perguntei apenas se ele queria algo. Ele respondeu que queria que eu não mentisse tanto para ele. Vejam só! O cara divide o apartamento comigo e pensa que é minha esposa. Para o inferno! Saí e nem me despedi. Só não bati a porta porque teria de pagar o conserto depois.
Depois de penar à procura de uma vaga, lá estava no meu pub favorito, Drunk Duck, ou mais conhecido intimamente pelos seus frequentadores como DD. Apesar de estar em um continente do outro lado do oceano, o Daft Duck não fazia feio perto dos pubs europeus. Inclusive os britânicos. Um enorme balcão de madeira maciça ao comprido com os famosos bancos bunda de fora era o símbolo principal do pub. Como cheguei muito tarde, não consegui lugar ao balcão. Tampouco conseguiria pelas mesas altas espalhadas pelo resto da casa. A solução seria andar pela casa com a caneca de chope em mãos.
Depois de duas voltas sozinho vagando como um espírito, achei melhor ir para o andar de cima. No segundo andar tem uma pista de dança que toca rock inglês, na sua maioria dos anos 70 e 80. Tocadas duas ou três músicas, reparei em uma menina morena sozinha de canto. Estava deslocada como eu, seria uma boa chance de me dar bem. Parei ao seu lado, sorri, ela correspondeu e puxei assunto. Disse um breve olá e perguntei seu nome, só que em inglês. Ela me respondeu também em inglês.
- Meu nome é Graciane. Você não fala português?
- Oh não! Apenas inglês mesmo.
- Mas você é de onde? Seu inglês tem um sotaque diferente de todos que já ouvi.
Claro que era diferente de todos. Aprendi inglês ouvindo música pop nos anos 90 e vendo seriado de ficção científica sem legenda. Obviamente responder isso para ela acompanhado de que morava no Meier seria muito patético. Quem continuaria a falar com um carioca que em pleno Rio de Janeiro puxa assunto em inglês? Pois é! Achei melhor dizer que era da República Tcheca. Não é que ela já tinha visitado à República Tcheca? Quais as chances? Ao me perguntar de onde era, para não correr riscos, falei que vinha de uma cidade pequena do interior cujo nome inventado quando pronunciei foi basicamente uma pigarreada. Ela pediu que repetisse umas quatro vezes até entender. Vai ver não entendeu porque cada uma das vezes saía de uma maneira diferente.
- Puxa, nunca ouvi falar – ela exclamou o óbvio. – Como é a cidade?
Bem, fazia parte do cerimonial jogar um pouco de papo fora até a primeira tentativa de beijá-la. Então, por que não ocupar esse tempo descrevendo sua cidade natal imaginária? Falei da geografia, do povo, do clima e do comércio local. Descrevi até uma feirinha de artesanato e produtos rústicos. Se ela fosse uma pouco mais atenta ou tivesse viajado mais para dentro do país do que para o exterior, teria sacado que falei por longos minutos sobre Nova Friburgo. De tanto me aproximar dela para que pudesse me escutar por conta do som alto, notei que ela exalava cheiro de nicotina. Estava aí a deixa para sairmos da barulheira e ir para um local mais tranquilo.
- Topa dar um pulo lá fora para fumar um cigarro?
- Eu estou sem aqui. Acabou antes de entrar na casa.
- Eu tenho. Vamos?
Já lá fora, sem barulho e mais à vontade, comecei a desenvolver o papo dos elogios. Sorriso bonito! Ela abria um sorrisão agradecendo. Olhos enigmáticos! Ela envergonhada cobria o e depois agradecia mais uma vez. Na tentativa de cortar meus avanços, ela lamenta que o cigarro acabou. Saco um maço do bolso, entrego em suas mãos e pergunto se posso continuar me divertindo descobrindo seus atributos. Com um cigarro na boca, ela disfarça um sorriso tímido e acena com os olhos que sim. Aproveito e prossigo como uma metralhadora de galanteios. Adoro cabelos cacheados! Você tem uma altura boa! Acho tão sexy pintinhas no rosto! Quase todos exagerados ou incoerentes com a realidade. Exceto o sobre como é elegante a forma de segurar o cigarro. Ela não consegue mais disfarçar que está lisonjeada. Avanço ferozmente e a beijo. Ficamos nos beijando por longos minutos até que em uma breve pausa, falo com meu inglês peculiar:
- As pessoas estão começando a nos olhar. Acho que estamos empolgados demais. Vamos lá do outro lado da rua que está mais sossegado?
Ela aceitou e, assim que nos encostamos em um carro, já a peguei de jeito deixando clara minha intenção. Acompanhando minha pegada, ela foi fundo no calor da coisa e nos agarramos intensamente. Aquele pedaço da calçada era bem escuro por conta de uma lâmpada de rua queimada e muitas árvores ao redor. No meio da empolgação, Graciane pediu para que falasse alguma sacanagem na minha língua mãe. Fiz uma bela pigarreada recheada com vogais e ela ficou eufórica. Perguntou o que significava e respondi que era algo como vou te lamber toda. Excitada com o momento, ela pediu mais, só que em inglês. Fiquei bem aliviado, pois se pedisse para repetir o que tinha dito antes, não acertaria uma sílaba sequer:
- Vou te lamber toda da cabeça aos pés. E, ao final, fazer tudo novamente para ter certeza que não esqueci parte alguma.
- Nossa – ela me apertava. – Fale mais.
- Vou te dominar, mostrar quem manda. Farei de você minha putinha.
- Vai? Onde?
- Aqui e dentro do meu carro! No quarto do meu hotel! No banheiro do hotel! Na varanda, na piscina e no elevador. Na sua cama e no sofá da sua sala.
- Sério? Mas isso requer muito tempo.
- Eu vou ficar duas semanas por aqui e vou te comer todos os dias para nunca mais me esquecer.
Foi nesta hora que ela se descontrolou de vez, abriu minhas calças, colocou meu pau para fora e com a mão cheia começou a me masturbar. Não precisei de pouco mais de um minuto para gozar. Foi uma lambança enorme. Respingou nos dois e no carro. Muita atenciosa, ela limpou meu pau, colocou para dentro das calças e a fechou. Depois sugeriu para irmos para o hotel terminar as coisas. E agora? Poderia sugerir um motel com a conveniência logística. Estávamos na Lapa, ela morava em São Cristóvão e disse que o hotel ficava na Barra. Logo, leva-la para o hotel seria, supostamente, uma enorme contramão para ela depois ir embora. Tinha em mãos uma desculpa para optarmos por um motel fuleiro qualquer do centro da cidade. Contudo, a verdade é que não tinha mais coisa alguma para terminar. Tinha bebido uns chopes, fumado uns cigarros, beijado na boca, ganhei uma punheta e gozei com um desempenho olímpico. Tudo que queria na verdade era minha cama.
Sem que ela percebesse, derrubei a chave do meu carro para cair entre o meio-fio e a roda do carro que estávamos encostados. Ela caiu perfeitamente escondida onde mirei. Andamos até meu carro e lá fiz toda aquela cena de chave perdida. Convoquei Deus, Madre Vasconcelos, São Longuinho e outras personalidade cristãs voltadas para o milagre do aparecimento de objetos esquecidos em gavetas desarrumadas.
- E agora?
- Relaxa. Vamos fazer o seguinte, você pega um táxi e vai para casa. Eu vou ter de acionar a locadora do carro. Sabe como é, né? Turista só anda de carro alugado.
- Tem certeza?
- Tenho. Amanhã nos encontramos em frente ao hotel, pegamos uma praia e depois retomamos o que ficou incompleto aqui. Eu quero muito repetir isso. Você gostou?
- Uhum – ela respondeu meio seca. – Mas como faremos?
- É só me dar seu telefone. Digita aqui no meu celular e disca para ter uma chamada perdida.
- Está bem – ela pegou meu telefone, digitou os números e pressionou a tecla chamar.
- Está tocando?
- Sim, está vibrando aqui na minha bolsa.
- Tem certeza?
- Tenho!
Trocamos mais dois beijos de despedida, chamei um táxi e quando ela estava partindo disse que a ligaria pela manhã. Ela sorriu e foi embora para o meu alívio. Podia em paz voltar para casa. Peguei minha chave no mesmo local onde derrubei, fui até meu carro e antes de entrar tirei meu celular do bolso de trás como de hábito. Três ligações não atendidas. Era o mesmo número que a Graciane digitou. Menina ansiosa! Não ia retornar mesmo. Coisa chata. O celular volta a tocar. Que saco! Atendi:
- Oi, Graciane – falei em inglês.
- Quem está falando? – Perguntou uma voz masculina em português.
- É o taxista? – Perguntei desta vez em português.
- Que taxista, porra?
- Este celular não é da Graciane?
- Que Graciane, porra? Meu nome é Eduardo! Estava dormindo até me incomodarem. Quem está me ligando às quatro da manhã?
- Desculpe, Eduardo. Parece que uma filha da puta mentiu para mim.

quarta-feira, 16 de março de 2016

Debutando mais uma vez

Capítulo Anterior Sete dias de véspera
O táxi até a casa de festas em Duque de Caxias foi uma fortuna. Já na recepção, ao me identificar como professor, a mocinha, que até então achava simpática, perguntou o meu nome. Assim que respondi, ela disse que a dona do colégio comentou para que a equipe de seguranças ficasse de olho em mim. Estava tão nervoso que acabei interpretando aquilo como uma real ameaça e acho que fui um pouco rude com a recepcionista que ficou me olhando atravessado. Quem sabe na saída eu me desculpo com ela?
- MEU DEUS DO CÉU, QUEM É ESTE HOMEM SÉRIO VESTINDO TERNO E GRAVATA?
- Porra, Amaral! Quase me caguei todo!
- Levou susto, cara?
- Não, não é isso – fiz uma pausa para ajeitar a gravata, gesto que notei em todo trajeto de táxi ser um tique nervoso que adquiri. – Você acha que estou confortável assim? Isto não é meu terreno, nem meu traje habitual. Daí você vem gritando do nada fazendo piada.
- Relaxa, cara! Vamos beber umas cervejas e você entra em sua programação habitual.
Amaral então me conduziu por um pequeno corredor que levava até o salão onde acontecia a festa. A cena era bem dentro do que esperava. Luz distribuída estrategicamente apenas na primeira parte onde estavam as mesas com pais sentados conversando entre si. Na segunda parte, pouca luz, som alto e alunos com seus amigos dançando qualquer música da moda. As pessoas que me conheciam, quando notaram a minha chegada, fizeram meio que uma reação coletiva quase coreografada. Mas que diabos! Não é possível que ninguém possa ao menos olhar e pensar que era apenas eu vestindo um terno. Todos precisavam reagir como se fosse uma aberração? Eu uso terno! Mentira, em raríssimas oportunidades uso terno. Contudo, quando uso, sou uma pessoa normal como qualquer outra.
Um pequeno grupo de alunos veio me receber euforicamente. Declaram o quanto estavam incrédulos com a minha presença e mais ainda com a minha roupa. Era uma ótima oportunidade para fazer uma piada sobre só estar lá por conta do open bar, todavia a desperdicei de tão nervoso. Eles e Amaral falaram várias coisas e não prestei atenção a uma sequer. Estava disperso com o olhar vagando por toda a casa à procura de Juliana. Ela era a única razão por estar lá e, principalmente, por estar naquele estado, seja vestido, seja de nervos.
Em determinado momento senti uma mão sobre meu ombro. Pensei ser um dos alunos ali ao redor tentando reconquistar a minha atenção para a conversa e por isto me virei de forma displicente. Era Juliana. Fiquei boquiaberto. Ela também. Visivelmente os meus trajes lhe causaram surpresa. A recíproca era óbvia e nítida. Os dois catatônicos parados frente-a-frente foi tão evidente que todos ao redor perceberam, tornando tudo mais constrangedor ainda. Ela conseguiu disfarçar um pouco e trocou a expressão pasma por um sorriso sincero e encantador. Eu continuei como um palerma em coma.
- Fala, homem – disse ela, algum tempo depois com o sorriso ainda intocado.
Não conseguia. Ela estava estonteante e não queria parar de admirá-la. Falar ou fazer algo que me distraísse poderia acarretar em um piscar de olhos. E não me perdoaria por perder um segundo daquela imagem por conta de uma piscadela. Se existia alguma justiça no universo, ela se faria com a interrupção do tempo naquele momento. Aquela era uma cena que precisaria de semanas para conseguir digerir, meses para apreciar com minuciosa devida atenção e múltiplas vidas para chegar perto de me fartar. Não, eu não queria falar. Eu queria olhar ininterruptamente até que, como um filme fotográfico, ela ficasse impressa ao fundo da minha retina e, sempre que fechasse os olhos, lá estaria pela eternidade.
- Você está me assustando – ela se manifestou mais uma vez. – Fala alguma coisa, homem!
O que falar? Dizer que ela estava linda era pouquíssimo para a realidade ali presente. Era necessária a desenvoltura de um profeta para conseguir articular as sensações que estava sentindo naquele momento. Era preciso a sensibilidade de um pintor para descrever com cores e traços os adjetivos que lhe eram merecidos. Não, eu não era capaz, tão pouco possuía em alguma parte de mim uma poeira sequer desses talentos. Pensei nas minhas referências. Optei por me imaginar em casa de frente para a minha estante e me deparei com o desgraçado do Hunter Thompson. Lá estavam vários mestres que possivelmente poderiam me inspirar naquele momento, mas o destino quis me obrigar a improvisar. Ficava ali de aprendizado colocar em uma posição mais central Neruda e Garcia Márquez.
- Oi – foi tudo que consegui dizer, para depois me aproximar, dar dois beijos em seu rosto e parar em um abraço justo e demorado.
- Não vai dizer que estou linda? – Ela perguntou praticamente sussurrando ao meu ouvido.
- Eu não consigo – respondi mais baixo ainda com o rosto ainda colado ao dela.
- Me diga... – ela se interrompeu, se afastou um pouco e me segurando pelos braços perguntou. – Você está com frio? Está se tremendo todo.
Era verdade. Por mais constrangedor que fosse, estava me tremendo como um adolescente frente à primeira oportunidade de beijar uma garota, mesmo não estando realmente próximo a fazer isso com Juliana. Resolvi desfazer de vez o abraço, ajeitei repetidamente a gravata e tentei disfarçar olhando para as pessoas ali ao redor. Isso deve ter durado menos de um minuto e lá estava novamente analisando cada parte de Juliana. Seus cabelos, presos em um penteado especial como evento exigia, realçavam seu rosto e seu sorriso que sempre me foi arrebatador, ao mesmo tempo, não descaracterizava sua marca registrada, o cabelo cheio ou, como preferia falar, o cabelão. A maquiagem, algo que nunca vira um traço sequer em seu rosto sempre limpo em sala, trazia uma Juliana fatal e sexy. Lá estavam olhos que me devoram a carne, liam a mente e sugavam minha alma. A boca, inquestionavelmente, era a coisa mais provocadora. Parecia o local perfeito para eu me perder e não querer ser achado. Ver meu nome sendo pronunciado por aquela boca deveria ser algo tão excitante quanto a imagem dela nua andando pela minha casa. Não, meu nome não! Baby! Imagine ela me chamando pelo meu vocativo favorito. Os lábios se contraindo e depois se separando para presentear o ar com a primeira sílaba seria o bastante e sinceramente a interromperia mordendo um deles. Ela tentou se aproximar de volta.
- Que vestido é esse? – Perguntei a repelindo parcialmente de perto de mim.
Aquele era o meu momento e queria desfrutar ao máximo. Além do mais, ela estava em um vestido completamente diferente de todos das fotos que me mandou. Era preto, minha cor favorita. Suas alças não eram tão finas, mas deixavam claro que estava sem sutiã. Por que? Era muita coisa para lidar e agora aquele decote convencido preenchido pelos seus seios que sabia que eram fartos, mas que também acabavam de se revelar firmes. Talvez, após essa descrição, na arrumação da minha estante, eu deva cogitar jogar fora alguns romances da Reader’s Digest.
- Baby – ela tentou se aproximar novamente.
Com todas as minhas forças, relutei e resisti à parte da minha mente que queria ir em sua direção. Queria segurar sua cintura, morder seus lábios e fazê-la sentir todo o seu corpo sendo tocado pelo meu. Dei então um passo para trás e a olhei mais uma vez da cabeça aos pés. Como eu a queria. Era uma certeza que fazia qualquer desejo anterior por ela soar leviano. Eu a queria muito e não era apenas naquele momento, mas a partir daquele momento em diante.
Ela voltou a investir e com uma das mãos por trás da minha nuca se fez por determinada. Segurou minha cabeça com firmeza e, com o rosto bem próximo ao meu, disse que precisávamos disfarçar melhor. Paralisado por aquela abordagem enfática, senti Juliana me dar um beijo naquela área ingrata, na qual sabemos que não é mais bochecha, mas também não tocou na boca. Ao se afastar, ela disse que iríamos nos falando durante a festa e que queria dançar uma música comigo. Virou de costas e sumiu no meio da pista de dança.
- Amaral – peguei meu amigo pelo braço. – Vamos beber!
- Rapaz, ela está uma gata. Deu para sentir o clima entre vocês dois.
- Amaral, cala essa boca e vamos beber... MUITO!
Mal tentamos começar a andar pela festa, fomos parados por um simpático casal. Pais de uma das melhores alunas dentre os formandos. Elogios rasgados foram trocados, dúvidas sobre o futuro e carreira da aluna foram abordados e nada de garçom. Era visível a minha inquietude e a do Amaral. Finalmente, a uma distância razoável avistamos um garçom. Amaral tomou a iniciativa e foi atrás dele, enquanto eu permaneci com o casal sendo simpático. Ouvindo a conversa, mas de olho em Amaral, torcendo pelo sucesso de sua ação, vi quando ele quase teve de dar uma cotovelada em um aluno para conseguir pegar as duas últimas tulipas na bandeja. Sorridente, ele voltou me mostrando a bebida como troféu da sua conquista. Sempre adorei aquele idiota. Brindamos e bebemos em uma velocidade tão grande que o pai ficou impressionado. Talvez fosse melhor nos afastarmos para uma volta.
- Amaral, assim vai ser foda – mostrei a ele minha tulipa de plástico vazia. – Meia hora parados e só conseguimos um garçom. Que porra de open bar é esse?
- Não dá mesmo. A molecada está estrategicamente posicionada perto da saída dos garçons. Apenas um ou dois mais esforçados desviam deles para servir os outros convidados.
- Eu não despenquei até Caxias para ficar sóbrio – Amaral balbuciou algo, mas prossegui. – Muito menos para ficar me espremendo com aluno para conseguir cerveja. Não tem destilado aqui?
- Até tem, mas fica naquele balcão ali.
Amaral apontou para um balcão que parecia uma cena de batalha medieval. Um mar de jovens se empurrando na tentativa de conseguir a atenção dos três únicos funcionários fazendo bebidinhas coloridas ou divertidas, como prefiro chamar, que afetam a memória. Enxerguei ali uma oportunidade e puxei Amaral pelo braço. No meio do caminho ele começou a me perguntar o que estava fazendo. Pedi que apenas me desse uma nota de cinquenta reais e confiasse em mim. Aparentemente, é necessário exatamente o contrário, que primeiro ele confie em mim para depois me dar a nota. De qualquer forma, ele me entregou e me separei dele. Já falei que sempre adorei aquele idiota? Ele ficou plantado atrás da horda sedenta por álcool. Já eu fui contornando todos até parar na ponta do balcão, passei por debaixo da portinhola e andei até o que parecia ser o mais experiente de todos. Criou-se um alvoroço. Os que não me conheciam começaram a protestar. Os alunos fizeram uma farra com a imagem do seu professor atrás do balcão de bebidas. O aumento do barulho me foi favorável. Abracei o barman, coloquei minha mão dentro do bolso de trás de sua calça e falei em seu ouvido:
- Calma, não estou passando a mão na sua bunda. Está ouvindo eles? Sou o professor favorito deles e acabei de colocar uma nota de cinquenta no seu bolso. É possível que eu receba um atendimento prioritário?
- Cachaça ou vodca?
- Dois copos com muito gelo, um pouco de refrigerante de limão e vodca com nenhuma cerimônia na dosagem.
Ele largou o drink que fazia e encheu os dois copos. Comentou algo sobre me arrepender de beber aquilo a noite toda e me entregou. Gesticulei para que não guardasse a garrafa, dei uma golada que secou um dos copos e o devolvi para repor mais uma dose. A molecada delirou com a cena, ergui o copo saudado a hora e o devolvi ao barman que impressionado tornou a encher o copo. Agradeci e me despedi dizendo que voltaria mais vezes.
- Você tem merda na cabeça – falou o Amaral quando retornei lhe entregando um dos copos. – Você subornou o barman na frente dos alunos.
- Claro que não. Apenas dei um incentivo para ela ficar mais motivado a nos atender. E nenhum aluno viu. Foi por trás dele.
- EU VI DAQUI! Ou na sua cabeça acha que os alunos pensaram que você o ameaçou com uma possível dedada no rabo?
- Que seja, qual o problema deles saberem disso?
- Já pensou se eles começam a subornar ao seu exemplo? Tudo vira prioridade e joguei meus cinquenta reais no lixo.
- Relaxa, Amaral. Foram cinquenta reais. Eu já comecei a brincadeira inflacionando o mercado. Eles não vão cobrir isso.
Amaral deu de ombros e começamos a andar pela festa. Assim que nos esgueiramos pelas mesas, fomos abordados por outro casal de pais de alunos. Disparei um olhar entediante para o Amaral que, idiota como sempre, não percebeu e começou a conversar com eles entusiasticamente. Nada me oponho aos pais, mas ficar de papo superficial apenas por se fazer presente não é minha praia. A conversa começou sobre como passou rápido o ano. Não, não passou rápido. Principalmente a última semana que pelas minhas contas demorou seis meses. Quando desandaram a falar sobre a reforma da quadra da escola, inventei que uma tia alterada estava dançando até o chão e não podia perder por coisa alguma. Despedi-me elogiando a gravata do pai e o sorriso da mãe. Segui pelas mesas deixando Amaral por lá.
Foi impressionante o tempo que demorei para cruzar aquelas mesas. Por cada uma que passava, um pai elogiava o meu trabalho ou uma mãe dizia que o filho adorava minhas aulas. Sim, amo ouvir isso e por mim ficaria um dia inteiro à disposição deles somente para tal. O problema pontual naquele momento era estar de terno, com um copo em mãos de vodca quase pura terminando e uma vontade enorme de ver a Juliana se acabando de dançar. Obviamente, tudo que consegui foi terminar o copo antes de sair do mar de mesas. Resolvi voltar para o bar para um novo refil, só que dando a maior volta por fora, evitando assim as mesas. Chegando, nem precisei passar pela portinhola. Apenas sinalizei para o barman que em um minuto chegou com mais dois copos. Esperava naquele momento não encontrar o Amaral tão cedo.
- Hum, pegando bebidinha para mim – disse a Juliana ao se aproximar de surpresa.
- Eu não sabia que bebia vodca.
- Baby – ela segurou firme minha gravata e me puxou para muito perto dela. – Hoje estou bebendo tudo.
- Estou percebendo pela sua abordagem sociavelmente nada cautelosa. Você está bêbada?
- Bêbada? Você quer saber se estou bêbada? Ele não sabe se estou bêbada – ela segurou a gravata com as duas mãos. – Bêbada? Bêbada?
- Ok, isso vai ser mais longo do que imaginei. Vamos pegar uma água?
- Não – ela soltou a gravata e com as mãos espalmadas apertou cada uma das minhas bochechas. – Você não pode ser visto segurando água. Não, não pode. Isso vai ser péssimo para a sua imagem de bebum. Vamos beber essas vodcas agora mesmo.
- Baby, peraí – e cortei a minha própria fala porque Juliana tirou um dos copos de minhas mãos e deu um gole de respeito. – Vamos devagar com isso que ainda tem muita festa pela...
- Que belo casal – Verônica surgiu por trás de mim como uma assombração. – Desculpem-me! Casal não! Par! Duas pessoas bem vestidas e bonitas compondo um belo par. Para ser um casal, faz-se necessária uma relação. E não espero que exista relação entre aluna e professor na minha escola, não? Não? Então, como dizia, que belíssimo par.
- Dona Verônica – Juliana a recebeu de maneira empolgada, para não dizer embriagada. – Também acho. Eu não estou linda hoje?
- Ah sim, Juliana. Você está lindíssima – Verônica ia falando e disparando olhares para mim como quem pedia que preste atenção no que está acontecendo. – Sem dúvidas uma das mais bonitas nesta festa.
- E você acredita que ele sequer disse isso para mim? Nem um bonitinha ele falou para mim.
- Eu não acredito – Verônica se virou totalmente para mim. – Você não elogiou essa produção magnífica? Que diabo de homem insensível é você? A festa toda está babando por ela.
- Não seja tão dura assim com ele, Dona Verônica. Ele ficou nervoso quando me viu. Nervoso! Não sabia o que falar.
- Ele? Nervoso? Eu não acredito.
- Pois acredite. Gaguejou, ficou se tremendo todo e mudo. Mudinho da Silva. Não sabia o que falar.
- Vocês duas sabem que estou exatamente aqui ouvindo tudo isto, não sabem?
- Cale a boca – disse a Verônica. – Continue Mudinho da Silva que é a melhor coisa que faz. Então prossiga, Juliana. Acredito que com essa passividade dele diante da sua beleza deva ter causado tanta frustração que nem quer mais papo com ele.
- Não serei tão dura assim com ele. Afinal – Juliana voltou a segurar minha gravata com as duas mãos enquanto o rosto de Verônica ficava notadamente ruborizado. – ele está uma graça de terno. Você não acha que ele fica um gato de terno, Dona Verônica?
- Não me comprometa, Juliana.
- Ora, mas qual o problema, Dona Verônica? Eu sequer usei o termo tesão. Oh sim, ele está um tesão de terno. Você não acha que esteja digno de ser desarrumado?
- Juliana, acho que a sua opinião é a mais importante por aqui. O que você acha? Acha que ele está um tesão e mereça ser desarrumado por você?
- Eu acho muitas coisas, Dona Verônica – Juliana soltou minha gravata e apertou meus lábios. – Só que ele não me elogiou e, como lembrou bem, a festa toda está babando por mim. Além do mais, seria algo repugnante para você uma aluna com um professor. Então acho que vou dar uma volta. Quem sabe arranjo um namorado com desenvoltura.
- Veja só – Verônica pontuou logo após Juliana soltar meus lábio e ir embora com um dos meus copos em mãos. – É, ou não é uma garota adorável?
- Pena que não posso dizer o mesmo de você, não é mesmo, Verônica?
Dei as costas para ela e voltei para o bar para encher meu copo que esvaziou rapidamente enquanto presenciei calado à minha humilhação pública. Mais uma vez, encostar apenas na ponta do balcão foi suficiente para o barman me notar e interromper o que fazia para preparar meus dois copos. Bastante solícito, ele me entregou e brincou novamente sobre me arrepender de beber aquilo em tanta quantidade e tão pouco tempo. Agradeci e completei dizendo que provavelmente quem ia se arrepender por eu ter feito aquilo seria a segurança da festa.
Quando começava a retornar para o meio da festa à procura de Amaral, Verônica apareceu ao meu lado com dois copos de uísque e brincou que podíamos fazer uma troquinha. A ideia me pareceu bastante justa e tentadora. Topei. Só não contava com a condição imposta por ela de que deveria ser no lado de fora da casa de festas. Relutei por míseros segundos, mas ao final topei novamente. Ao final de contas, era uísque e, por ser uma das donas da escola, deveria ser de primeira. Ela sugeriu sairmos pela cozinha. O acesso era praticamente ao nosso lado e evitaria passar por aquele mar de mesas e pessoas. Atravessando a cozinha, sob olhares curiosos dos cozinheiros e garçons, peguei uma bandeja para facilitar a condução dos quatro copos e ainda roubamos um pequeno prato de salgados.
- Até que gostei daqui. Menos barulhento, mais arejado, bebidinhas e comidinhas. Você é uma gênia, Verônica.
- Quero ver repetir isso depois que você entornar os copos goela abaixo ou descobrir que todos esses salgados que pegou têm azeitona.
- Ah não brinca – desmontei um deles com a mão. – Puta que pariu! Só falta esse uísque ser falsificado ou nacional.
- Claro que não! Sou uma mulher fina – ela pegou um dos copos da bandeja que apoiamos sobre uma pilha de caixotes e me entregou. – Vira logo essa bagaça. Enquanto isso, deixe-me confirmar o que a Juliana disse. Você fica mesmo um tesão de terno e gravata. Parece homem. Não um moleque rebelde. Dá vontade de te desarrumar.
- Verônica, controle-se.
- Por que deveria me controlar? A Juliana, sua queridinha, não se controlou nem um pouco. Ficou lá se oferecendo toda para você. Acho até que vou mudar meu discurso lá do churrasco sobre se comportar.
- Ah sim, ela se ofereceu muito mesmo. Principalmente naqueles passos determinados enquanto se distanciava de mim em direção de vários garotões bêbados na pista de dança.
- Que bonitinho – ela apertou minhas bochechas. – Está com ciúmes. Está preocupado com a possibilidade da namoradinha que nunca deu uma bitoca em você se embolar com um alguém. Tá de quatro! Tá apaixonadinho! E ela cagou para você. CAGOU! POFT! POFT! Cagou e deixou um rastro de bolinhas de merda enquanto ia atrás da molecada fedendo a leite com vodca.
- Definitivamente, Vêronica, você não é uma mulher muita fina, diferentemente do seu uísque – virei o resto que tinha no meu copo. – Agora me dê o outro, porque nesse tinha mais gelo que bebida.
- Pega o outro! Enche a cara! Isso não vai te consolar! Isso não vai acalmar o que está te corroendo por dentro! Essa angústia de esperar tanto tempo, presenciar a Juliana linda daquele jeito e ao final vê-la escapar pelos dedos. Nenhum álcool do mundo vai te consolar ou fazer você esquecer-se disto. Você sabe muito bem que eu sou capaz de resolver esse seu problema.
- Verônica – dou um passo atrás quando ela se aproxima e acabo encurralado contra a parede. – Você está bêbada.
- Sim, estou bêbada – ela, me segurando pela cintura, colou o corpo todo em mim. – Isto é tão certo para você, quanto ao fato de que sou a saída para apagar essa frustração da sua cabeça.
- Verônica – virei o copo na tentativa de manter minha boca obstruída para aproximação da dela. – Isso não vai acontecer.
- Não vai acontecer? – Ela se afastou em um tom bem diferente do anterior. – Por que não vai acontecer? Por que sou sua chefe? Por que sou dez anos mais velha que você? Por que não estou tão firme quanto a sua pequena “musa caga e anda”? Por que sou casada? Por que conhece meus filhos? Fala! Qual seu preconceito?
- Verônica – aproveitei o afastamento dela para pegar um dos copos de vodca e depois ajeitar a gravata indicando nervosismo e desconforto. – Tirando os preconceitos motivados pelo seu complexo autodepreciativo associado ao seu corpo e imagem, sim, os outros são motivos suficientes para não querer. Mas quando disse que não ia acontecer, me referia a perder a Juliana. Ela está alterada, sim, mas não vai cometer uma besteira, pois, diferentemente de você, ela tem limites.
- Ah é, então por que aceitou tão facilmente vir aqui fora comigo? Eu sei! Eu sei o motivo – ela se aproximou novamente, pegou a minha mão que não está ocupada com o copo e, com uma força inacreditável, conduziu até pressionar sua boceta. – É por isso que está aqui!
- Verônica! – Eu tirei a minha mão e me afastei dela.
- Verônica! – Ela imitou a minha exclamação. – Qual o susto? Você adorou enfiar todos esses dedos em mim quando estávamos lá na minha sala. Qual o problema hoje? Está bêbado? Quando fica bêbado fica careta? Ou fica broxa?
- Verônica, por respeito ao seu marido – continuei me afastando dela. – Controle-se.
- Eu não quero me controlar. Eu quero que você me deixe descontrolada e me foda como nunca vai conseguir com aquela pirralha pudica – ela ia aumentando o tom de voz conforme me afastava mais ainda. – FODA-SE O MEU MARIDO! VOCÊ NÃO PENSOU NISSO QUANDO ME FODEU COMO SEU EU FOSSE...
Entrei na cozinha e a deixei gritando lá fora. Mesmo com todo som vindo do salão, ainda dava para ouvir os seus gritos na cozinha. A equipe toda estava parada me olhando atravessar a cozinha sob os gritos que vinham lá de fora. Não tinha o que explicar. Eles provavelmente ouviram tudo ou a melhor parte. Se é que posso chamar de melhor. Ao final, já com a mão na porta que dá acesso ao salão, consciente que a merda estava feita, virei-me para trás e disse para todos que ainda me encaravam:
- Isso é culpa de vocês que a deixaram assim por colocar azeitona em tudo.
Meia dúzia de passos pelo salão e surgiu o Amaral todo esbaforido e afoito. Perguntou onde tinha me enfiado. Disse que me procurou por toda casa de festas e estava puto porque seu copo estava vazio tinha muito tempo. Ele comentou que foi falar com o tal barman à procura de atendimento privilegiado, mas teve o pedido recusado. Mesmo depois de afirmar que a nota de cinquenta na verdade era dele. O Amaral sempre foi um idiota.
- Vamos lá pegar mais que esse copo aqui aguou.
Mesmo visto pelo barman, passei por debaixo da portinhola, aproximei-me dele e disse que essa ida e vinda estava muito cansativa. Ele riu e me ofereceu uma garrafa de vodca. Agradeci rindo e levantei para os alunos como um capitão erguendo a taça do campeonato. Sob ovação coletiva, dei uma senhora golada na garrafa e saí. Amaral incrédulo tirou a garrafa da minha mão e deu uma bicada de constranger qualquer pessoa naquele recinto.
- Porra, Amaral! Bebe essa merda direito porque vou sumir lá no meio da pista atrás da Juliana.
- Isso não é justo! Eu paguei o suborno e vou ficar sem a bebida?
- A minha desenvoltura para que isto desse certo é mais cara que cinquenta reais. Logo, tenho mais direitos que você. E agora, se eu fosse você, iria correndo no bar e pegaria um copo para se servir.
- Não saia daqui então, idiota!
Lá se foi Amaral todo desajeitado a passos acelerados para o bar. Saí de lá um segundo depois. Se for para ser chamado de idiota, que fosse por um motivo razoável.
Entrei na pista de dança e obviamente me locomover por lá não seria nada fácil. A cada passo uma aluna brincava com a minha presença. Ou um aluno tirava sarro da cena. Estava bêbado e disposto a entrar na onda, então dava corda para todos. Entre uma mexida para cá e uma jogada de cintura para lá, avistei Juliana. Ela estava em uma pequena roda com amigas e não tinha me visto. Comecei a andar em sua direção, mas evitando que me notasse. Quando estava muito perto, ela me viu, escancarou um sorriso, levantou um dos braços em minha direção e com o indicador começou a fazer gestos me chamando. Não tenho a menor ideia de que tipo de música estava tocando. Sei apenas que, ela no mesmo local e eu indo em sua direção, nos mexíamos ao som da música. Ou pelo menos achávamos, pois a vodca tem esse poder persuasivo de nos convencer que sabemos dançar. A uma distância bem próxima, ela pegou a garrafa de minhas mãos e deu um gole que o Amaral precisava ter visto para aprender. Depois me devolveu e levantou os braços dando espaço para me aproximar. Já com os corpos colados, ela com os dois braços por trás do meu pescoço e eu com a minha única mão livre segurando sua cintura, continuávamos nos mexendo naquela ilusão rítmica da vodca. Era corpo colado no corpo. Pélvis se esfregando na outra. Minha perna esquerda estava tão encaixada no meio das pernas dela, que uma pessoa distraída pensaria que eu era um amputado e ela um parente de polvo. Seu rosto liso e macio se misturava com a minha barba por fazer. Tudo que era meu estava tocando nela e vice-versa. Pela primeira vez éramos uma identidade apenas. A coisa estava intensa, todos ao redor notaram e nem por isso disfarçamos. Ou nos preocupamos, se assim preferirem:
- Baby, não dá mais – falei ao seu ouvido com o rosto colado ao dela. – Eu quero muito você.
- Muito? – Ela perguntou de uma forma sexy e provocativa.
- Muito. Vamos cagar para esse pessoal todo ao nosso redor. Deixa eu te beijar agora.
- AGORA? – Ela deu uma risada exagerada meio disfarçando o teor da nossa conversa, meio de nervoso. – Baby, eu te quero muito, mas não aqui.
- Então vamos lá para fora. Por favor, eu não estou aguentando mais. Se quer tanto algo sério comigo, por que não começar aqui com todos vendo?
- Baby – ela afastou a sua bochecha da minha e de frente, com os lábios muito perto dos meus, prosseguiu. – Eu estou doida para provar a sua boca, mas não vai ser aqui, nem hoje.
Juliana tomou mais uma vez a garrafa de vodca da minha mão e a levantou sugerindo que me serviria na boca. Aceitei. Ela virou sem pudor. Essa menina tem potencial, pensei na hora. Quando dei sinal que precisava interromper porque era demais, ela tirou o gargalo da minha boca, mandou um beijo provocativo no ar para mim, virou-se de costas e foi embora com a garrafa na direção das amigas. Agora estava parado no meio da pista, sendo o centro das atenções, de pau duro, bêbado e sem saber para onde ir.
Com um esforço absurdo e sem a menor noção de direção consegui sair da pista de dança. Mais uma vez lá estava Amaral à minha espera. Estava começando a desconfiar que ou ele estava me dando mole, ou tinha severa dificuldade em socializar. Ele perguntou de forma direta pela garrafa. Dizer que tinha bebido tudo seria uma mentira muito exagerada. Contar sobre a Juliana daria muita bandeira. Falei que esbarraram em mim e ela se espatifou no chão. Avisei que pegaria mais e ele pediu que não fosse algo puro, pois as coisas estavam feias para o lado dele. O idiota não tem a menor ideia do quanto isso soava ridículo perto da minha situação.
Chegando perto do balcão, dei uma olhada para ver as opções disponíveis para misturar a pedido do Amaral. À disposição do barman estava uma fileira de vasilhas prepotentes, cada uma delas cheia de pedaços de um tipo de fruta para fazer bebidinhas divertidas. Tinha morango, kiwi, acerola, carambola e outras que minha concentração não pode identificar. Ao final da fileira estava uma melancia com apenas o topo cortado. De dentro dela, com um pegador, o barman retirava pedaços para a mesma finalidade das outras nas vasilhas.
- DEUS DO CÉU – gritou o Amaral espantado. – O QUE É ISSO?
- Bebidinha divertida de melancia com vodca – respondi mostrando a melancia que roubei do balcão do barman. – Veja, tem dois canudinhos. Um para mim e o outro para o amiguinho. O seu é o verde! Da cor dessa gravata ridícula. Anda! Tem meia garrafa de vodca derramada aqui dentro.
- Senhor, preciso que devolva isso – disse um segurança furtivamente com uma das mãos apoiadas sobre o meu ombro.
- Não, escute só – entreguei a melancia para o Amaral que ficou dando bicadinhas pelo canudo. – O barman quem me deu. É consentido! Pode olhar para ele.
O segurança então se virou para o bar e de lá estava o barman gesticulando. Seus gestos sinalizavam para deixar de lado. Algo do tipo que estava tudo bem. Ou que eu era um retardado e era melhor não contrariar. O segurança com uma expressão de reprovação consentiu e perguntou se eu era o tal professor que a dona da escola tinha alertado. Neguei e apontei para o Amaral que se tremeu todo a ponto de engasgar. O segurança se foi e tomei a melancia de volta.
- Cara, isso vai dar merda – disse o Amaral quase gaguejando. – Vamos sair daqui.
Em um lapso de consciência, concordei com ele. A primeira coisa que me veio à cabeça foi os fundos da cozinha, mas lá era quente e tinha muito mosquito. Mentira! Estava com receio de encontrar a Verônica ainda por lá xingando a pilha de caixotes pensando ser eu. Olhei ao redor e vi um pequeno mezanino apagado. Seria lá. Ao pé da escada que dava acesso tinha uma espécie de corrente de plástico para conter o acesso. Ignoramos aquilo e subimos escondidos. O local devia ser usado como depósito ou algo do tipo, pois tinha muito caixote por lá. Ajeitamos alguns, nos sentamos sobre eles e, praticamente encobertos pela mureta guarda-corpos, estávamos escondidos com, ao mesmo tempo, visão privilegiada da festa. Era no nosso camarote clandestino improvisado.
Tínhamos agora uma cena bastante romântica. Eu sentado juntinho ao Amaral com a melancia apoiada em partes na minha perna e em partes na perna dele. A cada momento um se inclinava um pouco para dar uma “chupadinha” no seu respectivo canudo. Até brincamos dizendo que, se alguém visse aquela cena por trás, pensaria estávamos fazendo troquinha de boquete. Como já estávamos muito bêbados, em um determinado momento nos entretemos brincando de tentar acertar a Verônica com os caroços da melancia. Foi divertido até ela se irritar e, sem saber de onde vinham, sair de onde estava ficando assim fora do nosso campo de visão.
Ficamos quase duas horas lá em cima. Era de fato uma festa bastante animada. Em determinado momento, a pista estava lotada, inclusive com pais e parentes mais velhos. Chegamos a cogitar participar também, mas sabíamos bem que isso não era do nosso feitio. Permanecemos por lá debochando dos movimentos descoordenados de uns, da roupa de outros e da decoração clichê do local. Por volta de quase quatro da manhã Amaral jogou a toalha. Não aguentava mais beber e decidiu ir embora. Perguntou se queria carona e neguei falando que a festa estava no auge. Pediu que o ajudasse a descer a escada e neguei porque seria mais divertido ver ele se esborraçar degraus abaixo. Ele não caiu, mas se embolou todo na correntinha de plástico, precisando arrebentar para conseguir passar. Foi bem divertido. Quase coloquei vodca com melancia pelo nariz.
Mesmo sozinho consegui me diverti por lá. Sempre fui muito autosuficiente para estas coisas. Na maior parte das vezes, me divirto mais sozinho que acompanhado. Com a parte líquida quase no fim, comecei a raspar a melancia. Algo no meu cérebro afogado em álcool dizia que aquilo seria o bastante para me hidratar e reduzir a embriaguez. Obviamente não fez efeito algum e, quando a polpa da melancia acabou, aposentei o canudo e comecei a virar direto na boca como um enorme copo caribenho. Ao final da bebida, levantei-me para pegar mais e tudo rodou. Estava completamente bêbado. Tanto que precisei me apoiar de maneira irresponsável na baixa mureta para me manter de pé. Quando finalmente consegui ficar minimamente restabelecido não pude acreditar no que estava acontecendo no meio da pista de dança. Juliana estava aos beijos com um rapaz. Filha da puta!
Tentei descer a escada rapidamente, mas tropecei e fui de bunda por metade dos degraus finais. Abraçado à melancia ainda intacta pelo tombo, segui colérico pelo salão até ser interrompido por outro professor. Ele dizia que a Verônica estava atrás de mim há uma hora. Perdi o foco por meio segundo e me recobrei mais colérico ainda. Não bastante, fiquei irracional.
Foda-se! Palhaçada! Ficou me mantendo em banho-maria este tempo todo porque era casado. Depois, já divorciado, não podia porque ainda existia uma relação professor aluna. Daí se formou e não assume porque tem testemunhas ao redor. Para o inferno! Quem ela pensa que é para me enrolar tanto? Duvido que estivesse mesmo interessada. Ela estava apenas mantendo uma diversão conveniente. Aposto que nenhum garotão como aquele que enfiava a língua em sua garganta era capaz de falar as coisas que ela gostava de ouvir. DUVIDO! EU ERA E SEMPRE FUI CAPAZ DISTO! Era eu quem massageava seu ego. Era eu quem fazia ela se sentir especial. Não esses moleques que só pensam em academia. Tudo uma molecada molenga e bunda-mole. Foda-se ela!
Vou fazer o que sei fazer melhor. Merda! Vou atrás da Verônica para trepar com ela. Pouco me importa as besteiras que ela jogou na minha cara. Tudo que precisava naquele momento era sexo sujo e impulsivo sem compromisso. Verônica me daria isso e, se fosse mesmo um padrão dela, sairia calada ao final como da última vez. Perguntei então ao professor onde a encontraria e ele respondeu que a viu entrando na cozinha. Já sabia então onde estava. Cruzei a cozinha como um ônibus sem freio descendo uma ladeira. Alguns funcionários me dispararam olhares de alerta. Caguei para eles. Ao sair pela porta dos fundos, flagrei a Verônica dando para um pai de aluno. Tentei soltar um xingamento, mas tudo que consegui foi jorrar um jato de vômito que quase os acertou. Os dois sem graça e em pânico correram para trás de uma Kombi tentando se vestir. Dei outras duas golfadas. Uma na parede que chegou a respingar nas minhas calças. A segunda dentro da melancia que ainda segurava. Depois, limpei a boca na gravata e retornei para a cozinha. Novamente os olhares e agora de mais funcionários do que antes. Mandei todos enfiarem as azeitonas do rabo. Saí da cozinha, entrei na pista de dança e, ignorando qualquer lei básica da física, passei por uma multidão se remexendo ao som de funk até chegar à Juliana. Lá estava ela ainda se esfregando e beijando o rapaz. Separei os dois. Ele sem entender ficou me olhando. Já ela entrou em pânico quando me viu:
- Parabéns! Aqui está o seu prêmio! Merece um abacaxi, mas tudo que tenho agora é uma melancia. Aposto que ela tem mais QI que esse cara aí. Seja feliz com ela – virei-me de costas e fui embora sem ouvir sequer um pedido dela para que esperasse.
Próximo capítulo O dia seguinte

domingo, 13 de março de 2016

Sete dias de véspera

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A semana, como imaginava, seria muito corrida. Começou com um domingo morto e estava em uma ressaca de merda. Assim que cheguei do almoço com meus pais, no dia anterior, passei em um pequeno mercado perto de casa e comprei alguns biscoitos salgados para comer de noite. Para acompanhar, levei a única bebida que conseguiria consumir sem ter uma geladeira ainda em casa: tequila. Que mentira! Comprei primeiro a tequila e depois os biscoitos para acompanhar. Entre um punhado de biscoito enfiado na boca e um shot de tequila, analisava como faria a pintura do quarto e da sala. Na metade da garrafa desisti do copinho de café que peguei no restaurante para fazer shot e pulei para os goles diretos no gargalo. Cinco horas depois a garrafa estava vazia na pia da cozinha, os pacotes de biscoito amassados no chão e eu devastado no sofá. Como disse, o domingo foi destruidor. Fiquei o domingo em um estado zumbi vagando entre o banheiro e o sofá, me limitando a beber água direta da torneira para minimizar a ressaca.
Já na segunda, recuperado parcialmente, fui à procura de tintas, rolos, bandejas e todas as outras coisas que uma que pessoa que quer se passar por pintor profissional compraria. Faltou apenas uma coisa, comprar a técnica. Ainda assim achei que conseguiria um resultado razoável. Entre analisar um galão e outro, resolvi mandar uma mensagem para Juliana pedindo que adivinhasse o que estava fazendo. Ela, sempre indo na ferida, me respondeu provocativamente:
“Agonizando de ressaca no chão de algum lugar.”
Como não amar uma mulher que sabe te provocar? Repliquei de maneira seca e direta. Disse apenas que estava comprando tinta. A ideia era instiga-la a perguntar para qual propósito precisava de tinta. Mais uma vez ela foi ferina. Porém, agora, como estava desatualizada sobre a minha vida, errou o alvo:
“Pintar o apartamento não é a melhor opção para salvar seu casamento.”
Pois é, ela não sabia que tinha saído de casa. Não nos falávamos desde dois dias antes da mudança. Era o momento. Claro que preferiria que fosse ao vivo e assim poderia presenciar sua reação. Ela merecia que fosse daquele jeito. Só que não dava para segurar até o sábado. Era importante que soubesse antes. Isso mudaria totalmente sua expectativa sobre a festa. Ao menos era o que eu esperava.
“Não, baby! Estou comprando tinta para pintar meu apartamento novo. Saí de casa!”
Após alguns segundo encarando seguidamente a tela do celular esperando por uma reação dela que não veio, o vendedor me interrompeu me chamando. Aparentemente não tinham cor branca. Sugeriu então gelo, nude, palha ou outra cor que honestamente sequer sabia que existia. Coloquei o celular no bolso e fui com o vendedor ver as opções. Para mim, eram todas palhetas brancas com níveis diferentes de empoeiramento, mas ele insistia em dizer que fazia uma diferença enorme quando aplicadas em um ambiente apropriado. Como se algo em minha vida fosse apropriado. Depois de alguns minutos olhando em silêncio, pedi para o vendedor um tempo para pensar. Peguei o celular na tentativa de ligar para meu pai e pedir uma ajuda. Acionei a tela e vi sete ligações perdidas da Juliana. A oitava começou a tocar. Sorri espontaneamente e atendi:
- LOUCO – ela tinha, em alguns momentos, uma forma estranha de me chamar. – VOCÊ É LOUCO? QUAL O SEU PROBLEMA?
Perguntas como essas quando feitas para mim costumam ser recebidas de forma bem subjetiva. Afinal, elas se aplicam em tantas possibilidades que me obrigavam a refletir atentamente para saber ao certo do que falava especificamente. Acreditando então que em partes fosse por conta da saída de casa, contei no detalhe. Era possível perceber que ela estava pasma e ao mesmo tempo eufórica com a notícia. Ela, por mais que tivesse interesse neste tipo de acontecimento, era muito cética sobre tal possibilidade. Sempre ficou bem claro o quanto ela estava envolvida comigo, assim como sua convicção de que jamais sairia com um homem casado. Ao mesmo tempo, ainda que tão interessada quanto eu que algo acontecesse, nunca me pediu para tomar essa decisão.
Não, não era fácil manter contato e nada rolar entre os dois. O clima era sempre intenso. Suas amigas notavam. Os outros professores notavam. Talvez em sua cabeça transbordavam tantos fundamentos básicos de ética sobre sair com homens casados ou força-los a se separar para enfim ter algo com eles, que isso lhe dava a segurança para agir com rigidez quanto aquilo. Eu a odiava demais por isso.
Acredito que, enquanto ela em algum momento torcia para que aquilo acontecesse, ela também tinha a certeza que com a chegada da formatura nunca mais nos veríamos se não acontecesse algo. Com o passar do tempo teríamos apenas as trocas de mensagens que iriam inevitavelmente esfriando. A convivência contínua de colégio acabaria naquele evento e, se nada tivesse se concretizado, tudo ali terminaria de vez. Seria apenas questão de tempo. A forma como ela lidava com serenidade com aquela possibilidade me deixava louco. Eu sou instintivo, impulsivo e irresponsável. Ela era centrada, racional e paciente. Eu sabia desde o início que isso seria uma dor de cabeça enorme, mas como eu queria aquela dor de cabeça.
A ligação durou uns vinte minutos. Fato que irritou o vendedor que me abandonou e foi almoçar. Falamos obviamente da decisão tomada, de o quanto estava certo daquilo e como estava lidando com a nova vida. Mesmo com ela não tendo feito sequer uma mínima menção ao fato, deixei claro que nunca me senti pressionado por ela. Ela consentiu, não escondeu que era uma notícia que na sua individualidade egoísta lhe satisfazia, mas ao mesmo tempo lamentava por um casamento fracassado. Que diabos de garota com vinte e poucos anos tem uma cabeça tão boa quanto ela? Custava simplesmente falar que estava feliz com a notícia e que pretendia comemorá-la trancada comigo no quarto por todo um final de semana? Claro que não! Contudo, ela não somente comentou aquilo, como acrescentou que o fato de estar solteiro não significava necessariamente que teríamos algo. Para ela, era necessário demonstrar um real interesse além de um final de semana inteiro trancados em um quarto. A cretina parecia ler minha mente. Acho que conversávamos demais.
- Baby, por fim, antes que desligue. Você prefere frequentar um quarto com a parede cor gelo, palha, areia ou nude?
- Baby, honestamente, tenho muita esperança que, no dia que começar a frequentar o seu quarto, me entretenha a ponto de sequer conseguir reparar na cor da parede dele.
Desnorteado e sorridente, encerrei a ligação, paguei pelas tintas e outras coisas e fui embora. Como o prazo para a entrega era de três horas no mínimo, fui almoçar no restaurante da minha rua. Ao entrar, Adriana se lembrou de mim e perguntou pela Tatiana como quem está sondando para saber se era namorada, esposa ou parente para evitar comentários constrangedores em outras situações futuras. Disse que era minha irmã mais velha:
- MAIS VELHA?
- Pois é, ela usa muito Nivea Renew.
Ela não entendeu a gracinha, anotou o pedido e foi embora. Almocei acompanhado de duas garrafas de cerveja e levei outras duas para casa. Na portaria, para minha frustração, Pereira disse que os móveis não chegaram. Nem os eletrodomésticos. A geladeira era minha maior preocupação. Ainda sem ela, fui obrigado a beber em ritmo de Oktoberfest as duas garrafas para que não ficassem quentes. Daí, o esperado acontece. Entregam as tintas, você está meio relaxado com um total de quatro cervejas em uma hora e meia e acaba achando melhor deixar para mais tarde. Deitei no sofá e dormi. Não preciso dizer que quando acordei, por volta das oito da noite, nem cogitei iniciar a pintura. Que ficasse para o dia seguinte. A melhor opção era ir para a Lapa.
Acordei na terça-feira com o toque do celular. Eram mensagens da Juliana perguntando se poderia ajuda-la na escolha do vestido para a formatura. Perguntei com sinceridade se era para ir ver pessoalmente. Não, ela só queria saber se estava com tempo livre para receber as fotos conforme experimentava. Ok, deu para perceber que não iria encontra-la naquele momento. Quando ia responder que estava sempre com tempo livre, percebi que era quase meio-dia. Dormi além da conta. Talvez por ter chegado em casa da Lapa quase cinco da manhã.
“Baby, perdi a hora e estou indo voando para a sua terra. Tenho conselho de classe daqui uma hora. Vai mandando as fotos e chegando lá te respondo uma a uma.”
Tomei banho, vesti meu uniforme básico de calça jeans e camisa de malha preta, subi na moto, vi rapidamente a primeira resposta dela me chamando de irresponsável e parti. De moto, o caminho até o colégio na Pavuna era bem rápido. Durante todo percurso senti o celular vibrando de mensagens chegando. Já imaginava a quantidade de fotos que estariam à minha espera. Cheguei com quinze minutos de atraso e mesmo assim fui elogiado por Verônica, uma das coordenadoras do colégio. Era habitual chegar com quase uma hora de atraso. Agradeci pelos elogios, sentei-me ao redor da mesa e, enquanto mexia no celular, tentava me inteirar sobre a pauta em questão. Lá estavam elas, dezessete fotos. Uma para cada vestido experimentado.
Era esperado qualquer tipo de surpresa, afinal estava acostumado a ver Juliana sempre com roupas de aula, nada espalhafatoso, mas também nada largado, apenas o básico. Se deparar com ela em um vestido de gala, mesmo sem maquiagem e penteado era o suficiente para provocar pânico. Aqueles pânicos maravilhosos que sentimos quando estamos em uma loja de doces, ou quando na entrada da festa avisam que é Open Bar. Exceto por três que eram de gosto duvidosos, os demais ficaram espetaculares. Disse para escolher todos e usar um por dia comigo. Ela riu, disse que sequer podia pagar por um e pediu que escolhesse logo qual era o melhor. Não tinha melhor. Ela nasceu para usar todos aqueles vestidos. A cintura delineada, os seios preenchendo o decote e a parte de uma de suas pernas escapando pela fenda era algo que precisava ser visto pelo resto da minha vida. Com aquilo, cancelava internet, vendia a televisão, jogava fora meus livros e ficaria rindo das pessoas que se contentavam em deslumbrar o pôr-do-sol no Arpoador.
Não adiantava, precisava escolher um vestido. Fiquei uns vinte minutos passando foto para cá, foto para lá, dava zoom, analisava aqui, enxergava acolá. Amaral, colega de vida e de profissão que estava ao meu lado, me sinalizou para disfarçar. Não dava. Era impossível. Tinha uma meta para bater e ficar admirando aquelas fotos era cada vez mais prazeroso. Ele me deu uma cotovelada e com a cabeça apontou para Verônica como quem diz para prestar atenção. Não quero prestar atenção na Verônica e seu discurso chato para justificar que o décimo terceiro só será pago no carnaval. E se fosse para receber tal notícia, que seja olhando para o que tanto me fascinava naquele momento. Amaral, discretamente resolveu dar uma checada no que tanto olhava no celular:
- É a Juliana do terceiro ano?
- É, mas fala mais alto que a senhora idosa em coma no hospital de Saracuruna não ouviu direito.
- Por que ela está te mandando fotos de vestido?
Conhecia o Amaral tinha mais de quinze anos e ainda ficava estupefato com a capacidade dele de ser desligado das coisas. Por que diabos uma aluna mandaria fotos dela de vestido de gala para seu professor? Era algo tão óbvio e limitado de respostas que sequer consegui rebater com uma cretinice à altura da estupidez dele. Optei então por guardar o celular por alguns minutos, sorrir debochadamente para ele e me levantar para pegar um copo de café com biscoitos. É sempre ótimo começar o dia com uma refeição que envolva biscoito tipo água e sal sem uma gosma sequer para se passar em cima e um café melado frio.
“Anda! Qual acha mais bonito?”
Juliana interrompeu meu momento de professor concentrado na reunião com outra mensagem. Não sabia o que responder. Todos estavam ótimos porque era ela vestindo. Acabei sendo influenciado pelo azul marinho, pois na foto ela fez uma pose mais sexy que com os outros e parecia o que tinha a logística mais prática de retirada em caso de um ataque feroz meu. Instintivamente pensei em como lidar com ela e aquele vestido. Como agarrar, apertar, puxar, tirar delicadamente uma das alças enquanto a outra mão a pressiona com força enchendo suas costas. Respondi o que me veio à cabeça.
“Esquece! Você não vai me agarrar no banheiro da festa!”
Era capaz de, naquele momento, ouvir a voz da Tatiana dizendo que ela era a garota certa. Claro que ela era a garota certa e que tentaria agarrá-la no banheiro da festa. E o fato de não conseguir tirar dela um minuto de descontrole a tornava um desafio proporcionalmente grande a esta certeza.
Respondido o vestido, ela não fez mais contato. Provavelmente estava falando com outras amigas pedindo opinião, ou preenchendo o formulário para abrir um crediário para pagar o vestido. Voltei minha atenção à reunião. Metas para o ano que estava por vir, orientações para as correções das provas finais, distribuição de turmas. Tudo uma chatice sem fim que poderia ser feito por um único e-mail que ignoraria igualmente como estava fazendo naquele momento. Ao final, como de costume, liberaram a bebida e acenderam a churrasqueira. Agora sim estava na Pavuna.
Socializava com um professor, olhava uma foto recebida, conversava com outro grupo, mais uma bisbilhotada nas imagens. Mandei uma mensagem para Juliana perguntando que horas voltaria para a Pavuna para quem sabe nos esbarrarmos por lá e ela me cortou na maneira de sempre:
“Não! Somos ainda aluna e professor! Seja paciente e aguarde até o sábado. Parece adolescente!”
Ela gostava muito de exclamações e isso era um dos raros defeitos dela. Talvez eu seja tão cretino que acabei escolhendo como defeito algo que jamais me faria perder o interesse nela. Enquanto refletia separadamente sobre como responder à altura, Verônica se aproximou e puxou assunto sobre a formatura:
- Eu sei que você vai e não apenas porque é o patrono da turma – fiz minha expressão de bobo conhecida como cara de nascença, mas não colou. – Todos sabem que você vai por conta da Juliana do terceiro ano. Diferentemente dela, você não sabe disfarçar e isso é grave. Uma aluna ficar demonstrando paixonite por professor é normal e esperado. O que não posso é ter um professor parecendo um desenho animado com os olhos saltando em formato de coração toda hora que uma determinada aluna passa à sua frente. Só te peço duas coisas, por favor. Controle a bebida. Você tem uma mão nervosa que insiste em derramar tudo que é alcóolico garganta abaixo. E contenha-se em relação a ela. A família dela estará por lá e eles talvez fiquem preocupados com um professor cercando a filha como um urubu faminto.
- Verônica, calma. Eu não sou tão burro assim.
- Não, não é. Eu sei disso. Nunca vi um professor contornar tão bem as situações como você. Por conta dessa sua mania de querer bancar o cara legal e manter uma pinta de mau ao mesmo tempo, fica uma dúzia de alunas por semestre se esfregando em você. E me impressiona o quanto consegue reverter isso sem magoar as meninas ou se expor.
- Então...
- Não terminei – ela me cortou. – Só com essa menina que você fica um palerma. Parece os outros professores daqui que sequer disfarçam e conversam com as alunas encarando diretamente os decotes delas. Faça o seguinte, esqueça os dois pedidos anteriores. Vou fazer apenas um e quero que pense bem nele, ok?
- Ok. Pode falar.
- Lembre-se que é casado.
- Verônica, eu saí de casa semana passada. Eu e Maria Fernanda estamos nos separando.
- PUTA QUE PARIU, SEU MERDA – ela me encheu de tapas enquanto olhava para trás conferindo se algum professor notara seu chilique. – Você tem merda na cabeça? Puta que pariu! Puta que pariu! Escute aqui o que vou te dizer e você vai me obedecer. Não aceito não como resposta. Você vai me obedecer?
- Não!
- Seu merda – mais um tapa na cabeça. – Você está proibido de falar isso para ela, entendeu?
- Ela já sabe desde ontem.
- PORRA! MERDA! QUAL O SEU PROBLEMA?
- Verônica, espero que os professores pensem que estou pedindo um aumento, ou ficarão muito curiosos sobre o teor da nossa conversa.
- Fodam-se todos eles. Por que você contou para ela? Você quer confundir a menina? Você contou pessoalmente? Seu desgraçado! Você encontrou com ela, contou, ela se derreteu toda e passou esse seu pau fedendo a tequila nela?
- Verônica – parei até para respirar profundamente porque estava engraçada a cena. – Contei porque era necessário. Costumo falar sobre tudo com ela todos os dias. Era o que tinha de ser feito. Não, não foi pessoalmente, então não passei meu pau fedendo a tequila nela. E, por favor, confie em mim. Tentarei ao máximo manter meu pau, que espero estar cheiroso no dia, longe dela enquanto tivermos testemunhas ao nosso redor. Agora vamos mudar de assunto. Já ouviu falar em assédio moral?
- Enfie o assédio moral no seu cu, seu fresco. Escute bem. Não vou ficar de babá de você na festa, mas saberei de tudo. Não quero ameaçar o seu emprego e nem vou, pois é o nosso melhor professor quando, obviamente, se limita a dar aula. Só quero lembrar que ela é uma garota diferenciada de todas para quem já deu aula por aqui. Portanto, se fizer merda, vai magoar uma menina que queria apenas retomar os estudos.
- Verônica, minhas intenções com ela são as melhores.
- São, mas você sempre faz merda.
Aquela frase caiu com o peso de uma vida que começou sujando a mão da obstetra e não parou nunca mais de cagar. Era um fato do qual não podia correr. Por melhores que fossem as minhas intenções, cedo ou tarde faria uma merda. A formatura não seria um final de novela em que todos ficam felizes com as ambições alcançadas, tudo se congela e acaba. A vida seguiria. Eu continuaria professor em um supletivo para maiores de idade em que muitas das vezes era atacado de forma covarde pelas alunas. As idas para a Lapa nunca parariam. Nem as bebedeiras. Merda! Não tinha como e sequer sabia lidar com uma verdade desta magnitude. A solução foi encher a cara no churrasco de fim de ano da escola e acabar confirmando a teoria de Verônica de que tenho uma mão nervosa com bebida. Tão nervosa que foram necessárias três idas emergenciais ao mercadinho da esquina para comprar mais cerveja. Na quarta, quando estávamos apenas eu, Verônica e mais três professores, foi escolhido por maioria (fui o único voto contra) encerrar o churrasco.
Já tinha passado de uma da tarde da quarta-feira quando acordei no susto. Estava no chão da minha sala entre as caixas. Levantei com calma e ainda assim os traços da ressaca se manifestaram. A caminho do banheiro para tomar uma ducha na tentativa de amenizar as coisas, passando pelo quarto, vi as latas de tintas e seus apetrechos. Merda! Tinha de pintar o apartamento. Não precisava de pânico, era apenas uma tarefa simples que mesmo começando no início da tarde poderia ser encerrado naquele dia mesmo. Segui para o banheiro e tomei um banho bem rápido. A ressaca continuou entranhada em mim, mas estava um pouco mais revigorado. Decidido então, abri a lata de tinta e precisei de exatos quatro segundo para voltar correndo para o banheiro. Reforçado pela ressaca, o cheiro me enjoou. Não sei o que tinha ou se tinha algo no estômago, mas sei que saiu bastante coisa. Desisti de pintar. Só que para concretizar a minha desistência, precisava fechar a lata de tinta e a cada vez que tentava me aproximar dela, voltava correndo para o banheiro. Desisti também de fechar a lata e fui direto para a sala. A melhor ideia era deitar no sofá e tentar descansar um pouco daqueles minutos intensos. Ao chegar no sofá me deparei com dois envelopes enormes e vi que eram as provas finais que deveria corrigir e entregar as notas no dia seguinte. Isso poderia fazer mais tarde. Quem desistiu de duas coisas, pode facilmente desistir de três.
Passadas umas duas horas, acordo novamente no susto. Agora no sofá e com o som do interfone. Era o Pereira avisando que tinha uma entrega da loja de móveis. Autorizei a subida. Depois da surra que levaram para conduzir as enormes caixas até o elevador, entrar nele com elas e depois sair, lá estavam os entregadores de frente para a minha porta. Pedi que fossem espalhando pela sala mesmo, pois precisava primeiro pintar o quarto. Aproveitei o momento para pedir um favor:
- Qual de vocês é o montador?
- Montador?
- É, dos móveis. Quero saber se temos como negociar de ao invés de montar hoje, só fazer isso na semana que vem. Ainda tenho de pintar o apartamento.
- Senhor, não foi paga a taxa de montagem. Estamos apenas entregando. A montagem fica por sua conta.
E, depois de sapecar aquela notícia, eles se viraram de costas e foram embora. Revisei então a lista que acabara de crescer. Precisava corrigir as provas, pintar o quarto, montar o armário e a cama no quarto, levar as outras caixas para o quarto, arrumar a roupa no armário, pintar a sala, montar os móveis da sala e trazer o restante das coisas para arrumar na sala. Era muita coisa e não estava preparado para isso. Achei melhor ir para a rua almoçar.
Já sentado à mesa, Adriana me recebeu com o cardápio e uma garrafa de cerveja. Ia pedir inicialmente uma água, como não gosto de reforçar os erros dos outros, aceitei a cerveja. Ao menos estava muito gelada. Perguntei se tinha a língua que comi no outro dia e recebi como resposta que língua somente às segundas. Tudo bem! Terei de mudar todo o meu horário semanal de aulas para às segundas poder comer por lá. Pedi frango à milanesa, purê de batatas e feijão. Adriana retirou o cardápio e gritou para a cozinha:
- SAI UM BAIXA RENDA SEM ARROZ!
Terminado o almoço, duas garrafas de cerveja e um copo de café que mais parecia um balde, refuguei da ideia de voltar para casa e decidi dar uma volta na Praça. Sim, praça com letra maiúscula. Nós, pessoas que moramos no bairro da Tijuca, autointitulados tijucanos, sabemos que existem outras praças na cidade do Rio de Janeiro e pelo mundo também. Todavia, dentro da nossa cultura provinciana, quando nos referimos ao termo praça com letra maiúscula, fica implícito que estamos falando da Praça Sãens Peña, a mais importante de todas e pobre coitado de quem não souber disto. Naquele momento, estava no auge da minha realização pessoal como tijucano. Morava literalmente na esquina da Praça. Morar lá era como um nova iorquino morando de frente para o Central Park, um parisiense com vista total da Torre Einfel ou um argentino trabalhando em um trailer na Praia de Geribá em Búzios.
Andando pela Praça, observando os idosos se ocupando pelos bancos, admirando a infinita quantidade de farmácias, desviando das pessoas entregando panfletos e esquivando de pombos, ouço uma voz familiar me chamar. Era Juliana. Estava com a mãe que conhecia apenas por fotos. Nos cumprimentamos com um longo e apertado abraço, mas com dois beijos de bochechas discretos. Para provoca-la, apertei sua cintura com uma das mãos. Ela confirmou que obtive êxito cravando as unhas nas minhas costas. Ao final do abraço, ela falou baixo no meu ouvido que cumprimentasse sua mãe à distância, pois estava forte demais meu hálito de álcool. Feito o que me foi pedido, conversamos amenidades, expectativas para a festa, sobre estarem tão longe de casa, tudo disfarçando como se fossemos aluna e professor com uma relação dentro do que se espera. Juliana estava acompanhando a mãe em uma consulta médica. Dentre as infinitas vantagens da Praça, muitas salas comerciais ocupadas por médicos era uma das que encabeçavam a lista.
- E você? O que está fazendo por aqui?
- Eu? Eu moro aqui! Você se esqueceu que sou tijucano? Aliás, moro literalmente ali – apontei para o meu prédio. – Meu apartamento é de fundos, mas é ali.
- Bom saber – interrompeu a mãe dela. – Caso reprove minha filha podemos fazer uma visita surpresa.
- Ou pode me visitar em um domingo para almoçar como minha sogra. - Fez-se um silêncio tão constrangedor que, em um momento desespero, tentei disfarçar. – Vejam! Um pombo!
Juliana me olhou com uma expressão tão lamentável que não a condenaria se parasse naquele momento de ter qualquer contato comigo. Já sua mãe, apesar de parecer uma mulher desligada, analisou a cena com o canto dos olhos. Ficou claro que ela reparou a troca de olhares que tive com sua filha, ela me recriminando e eu pedindo clemência. Não restando nada mais, inclusive dignidade, elas se despediram. Juliana me deu dois beijos, agora sem abraço, mas falando ao ouvido que eu era um idiota. Uma obviedade dispensável, convenhamos.
- Tenho uma notícia boa – disse o Pereira assim que adentrei a portaria, - Chegaram suas coisas. Como esqueceu de deixar as chaves aqui comigo, pedi que colocassem no corredor mesmo.
Ótimo! Lá estavam à minha porta geladeira, fogão, máquina de lavar, televisão e adega climatizada. Só itens de necessidade básica, principalmente a adega. Mesmo que tivesse força suficiente para colocar tudo para dentro sozinho, não tinha como entrar. A sala era um depósito de caixas com meus poucos pertences, além das caixas com partes de armários para se montar, um sofá, um colchão e o box da cama. Não tinha mais como escapar, era necessário eliminar alguma coisa da minha lista de afazeres. Aproveitar o quarto vazio para pintar e em seguida poder montar o armário e cama me pareceu uma boa ideia. Geraria espaço para entrar com os eletrodomésticos e a evolução daquele lugar de almoxarifado caótico para uma residência aconteceria com mais naturalidade. O problema seria fazer aquilo sozinho e careta. Da necessidade, surgem as ideias de merda. Tirei a geladeira da embalagem, liguei na tomada do corredor do meu andar e fui para a rua comprar cerveja. Coloquei para gelar no congelador e ao saber disto o síndico quis me matar. Pouco me importava. Prometi para ele que até o final do dia estaria tudo no meu apartamento, inclusive a geladeira. Tive o apoio do Pereira para convencê-lo. Aliás, o Pereira desde o início se mostrou um cara parceiro. Assim que terminou seu turno, ele apareceu lá em casa para me ajudar na pintura e na montagem do armário. Claro que ele bebeu algumas da minha cerveja também. Nada mais justo.
Já tinha passado de duas da manhã quando optei por expulsar o Pereira. Ele relutou alegando que podia me ajudar a pegar as coisas na sala e colocar no armário já montado. Neguei. Já tinha feito muito por mim e era muito tarde. Quase cinco da manhã estava pronto para dormir na minha nova cama que estava no meu novo quarto com minhas coisas no meu novo armário. Antes, fui à cozinha pegar a última lata de cerveja, esvaziando de vez a minha nova geladeira. Tudo novo, vida nova! Estava satisfeito. Meu quarto estava pronto e minha cozinha também. Restava apenas a sala. Instalar televisão, tirar livros das caixas, montar mesa do computador, passar cabos de internet, ligar adega dentre outras coisas. Contudo, além de satisfeito, estava cansado e bêbado. Que ficasse para outro dia.
- ONDE ESTÁ VOCÊ?
Foi a primeira coisa que ouvi ao acordar com o celular tocando e em seguida atende-lo. Era Verônica desesperada, pois já tinha passado de dez da manhã e precisava das notas de prova final para dar o resultado final aos alunos. Não tinha sequer tocado naquelas provas. Disse que estava a caminho e desliguei. Ao me levantar para tomar banho, notei que ainda estava bêbado. Tinha tudo para ser um dia divertido.
- VOCÊ ESTÁ BÊBADO? – Foi assim que Verônica me recebeu assim que entrei em sua sala.
- Claro que não! Por que está dizendo isso?
- Porque você ainda está de capacete.
- Ah – me desculpei e retirei. – Entrei com tanta pressa que nem reparei nisto.
- Você é um idiota! Cadê as notas?
- Eu ainda não corrigi.
- Ah francamente – ela bateu na mesa e mudou sua expressão para indignação. – Eu não sei mais o que fazer com você. Você só me dá trabalho! Chega atrasado para as aulas, nunca cumpre com os cronogramas, é politicamente incorreto, trab...
- Peralá – interrompi a Verônica. – Eu só te dou trabalho? Quantas vezes, diferentemente de outros professores, você recebeu reclamação de aluna dizendo que dei em cima dela? Quantas vezes, diferentemente de quase TODOS os outros professores, você escutou comentários sobre não saber escrever corretamente? Ou quem sabe não usar corretamente qualquer uma das concordâncias? Podemos falar também sobre dominar os conteúdos ministrados em sala? Você já me viu alguma vez, mesmo de ressaca assumida, enrolar em sala? Já recebeu alguma contestação do meu trabalho em sala? Então, vamos falar do trabalho que te dou. Dou muito trabalho, sim, mas perto do trabalho que os outros professores te dão, isso é fichinha e não coloca em risco a duvidosa qualidade do ensino que sua instituição oferece aos alunos.
- Não me venha amenizar as suas merdas exagerando a dos outros. Todos aqui dão trabalho, eu sei disso. Mas não existe trabalho menor. Eu preciso que todos trabalhem fazendo o mínimo de merda possível ou me passarei por frouxa ou incompetente.
- Isso nada tem a ver com incompetência. Você sendo competente ou não, seus professores continuarão parecendo semianalfabetos repetidores do que está escrito no livro sem conseguir falar algo mais profundo. Isso porque é o máximo que você vai conseguir no mercado com esta merda de salário no limite do piso sempre pago com duas semanas de atraso.
- Você acha que não sei disto? Você acha que não tenho consciência disto? Claro que tenho! Pois sou eu que todo mês preciso me virar com a merda de valor de mensalidade que é compatível com o público daqui. SEM CONTAR COM A INADIMPLÊNCIA QUE É GIGANTE! Portanto, não me venha falar de salário. Eu pago o máximo que posso e sei que por conta disto preciso aturar professores de inglês com sotaques de indianos, engenheiros incompetentes dando aulas de física nas coxas, improvisar sociólogos maconheiros militando em sala no lugar de dar aula de história e técnicos de enfermagem que pensam que são médicos dando aula de biologia com a mesma eloquência dos pedreiros que fazem a reforma da minha casa. Pare com esse papinho barato e agradeça ao meu péssimo salário atrasado, pois é o máximo que um professor irresponsável como você vai conseguir no mercado. – Ela se levantou, deu a volta na mesa e com o dedo em minha direção se aproxima. – ISTO AQUI, ESTE ANTRO DE PERVERTIDOS, INCOMPETENTES E PROBLEMÁTICOS É O AUGE DA SUA CARREIRA E ESTOU POUCO ME FUDENDO PARA O QUE VOCÊ ACHA. AGORA ME DÊ AS MERDAS DAS NOTAS QUE VOCÊ NÃO CORRIGIU PORQUE PREFERIU FICAR ENCHENDO A CARA POR AÍ CORRENDO ATRÁS DE ALGUM RABO DE SAIA PARA ENFIAR ESSE PAU FEDENDO A TEQUILA.
- Enchendo a cara? Então olhe isto – eu me levantei e mostrei as mãos para ela. – Está vendo isto aqui? Isso é tinta! Eu virei a noite toda pintando o meu apartamento e não sou obrigado a ouvir você falar que não corrigi as provas por irresponsabilidade minha e bebida. Quer falar de responsabilidades? VAMOS FALAR DA PORRA DA SUA RESPONSABILIDADE DE ME PAGAR O DÉCIMO TERCEIRO SALÁRIO QUE VOCÊ SÓ VAI PAGAR DAQUI A DOIS MESES. SE TIVESSE COMPROMISSO COM ISSO, EU PODERIA TER CONTRATADO ALGUÉM PARA PINTAR MEU APARTAMENTO E DAÍ SOBRARIA TEMPO PARA CORRIGIR ESSA MERDA DE PROVAS. SÓ QUE PARA VOCÊ É CONVENIENTE ME ACUSAR DAS COISAS SEM SABER. TUDO SERIA MAIS DIFERENTE SE ESTIVESSE MAIS PREOCUPADA COM SUAS OBRIGAÇÕES DO QUE COM MEU PAU FEDENDO A TEQUILA QUE É PROBLEMA MEU!
- POIS SAIBA – ela se aproximou e meteu a mão cheia na minha virilha. – QUE SE VOCÊ ESTIVESSE PREOCUPADO COM ELE, AO INVÉS DE PAGAR ALGUÉM PARA PINTAR SEU APARTAMENTO, GASTARIA O DÉCIMO TERCEIRO TOMANDO INJEÇÕES PARA TUDO QUE É DOENÇA SEXUAL.
- VOCÊ É UMA MALUCA!
- VOCÊ É UM IMUNDO!
E sabe-se lá de onde surgiu, estavam eu e Verônica agarrados. Ela enfiando a mão nas minhas calças e eu tirando sua blusa. Antes que pudesse abocanhar um de seus peitos, ela se abaixou e começou a me chupar. Um pouco depois, pelos cabelos, coloquei Verônica novamente de pé e me abaixei para chupá-la. Com o queixo já lambuzado com aquela mistura de saliva minha e fluidos dela que me escorriam pela boca, me levantei, coloquei-a sobre a mesa e começamos a foder. Sim, nada de transar. Aquilo é uma foda por definição. Começamos comigo de pé e ela sentada sobre a mesa com as pernas envolvendo minha cintura. Depois, com Verônica de pé e debruçada sobre a mesa, continuamos com ela de costas para mim. Ela gozou primeiro. Eu precisei de mais alguns minutos. Terminado, ainda em silêncio, os dois começaram a recolher as roupas. Já vestida, Verônica recolheu as provas do chão, jogou sobre a própria mesa e enquanto saia de sua sala disse:
- Você tem meia hora para corrigir esta merda. E me desculpe – ela fez uma pausa, ajeita os cabelos e antes de sair finalizou. – seu pau não fede a tequila.
Terminado de corrigir as provas, saí da sala da Verônica e me deparei com sua secretária que me recebeu com um olhar estranho que talvez suspeitasse o motivo. Ela pediu que lhe entregasse o resultado e o fiz. Em seguida, na sala dos professores, atualizei meus diários, preenchi relatórios e esvaziei meu armário da papelada que vai se acumulando no decorrer de um ano letivo. Eram quase quatro da tarde quando retornei à sala da Verônica. A secretária disse que ela não tinha voltado ainda, mas que ligou e deixou um recado para mim.
- O conselho de classe de início de ano vai ser na última sexta-feira de janeiro. As aulas começam na primeira semana de fevereiro.
- Diga a ela que pode contar comigo e aqui estarei.
Aparentemente com o emprego garantido, fui embora aliviado e com a sensação de que a secretária de Verônica me recriminava com seu olhar cheio de pudor e horror. Já em casa, motivado com os eventos do dia, finalizei a arrumação da casa. Estava tão satisfeito com o fato de enfim morar em um local organizado e com funcionalidade que desliguei o celular, abri uma das garrafas de vinho que comprei voltando da Pavuna e me refestelei no sofá imundo. Sim, ele permaneceria por lá, pois, por algum motivo, me identificava muito com ele e por isto viraria parte da minha história. Tanto que resolvi apelida-lo de Tidus. Mesmo oficialmente de férias, não saí naquela noite. Virei a noite com duas garrafas de vinho me acompanhando enquanto devorava um Hemingway. Estava com todos os meus compromissos em dia. Só me restava aguardar as quarenta e oito horas de ansiedade até a formatura de Juliana.
Acordar às duas da tarde de sexta-feira foi uma boa estratégia para o tempo passar mais rápido. Reparar que não existia uma mensagem sequer da Juliana foi bastante frustrante, preciso admitir. Enquanto almoçava então mandei uma mensagem dizendo que estava contando o tempo para o evento. Não fiz menção de que a expectativa envolvia qualquer contato físico com ela, mas apenas poder ver o resultado final da produção. Tudo balela. Eu queria muito agarrar a Juliana e isso vinha de longa data. Tinha perdido as contas de quantas vezes tentei imaginar a textura da seu boca e o gosto do seu beijo. Será que ela beijava com vontade te agarrando com força ao ponto de perder o ar? Ou era daquelas meninas com o beijo estilo novela de época, devagar, suave e de tão entediante que ficamos pensando no preço do leite no supermercado? Não, ela precisava ser intensa. Mesmo sendo uma menina contida e racional, o beijo precisava ser sua válvula de escape. Ela com certeza devia se libertar na hora de beijar alguém. Provavelmente seria uma força da natureza, um acúmulo de energia de te deixar desnorteado sem saber como manuseá-la. Sim, ela precisava ser assim. Seria muito frustrante caso não fosse.
“Você não tem noção da pilha de nervos que estou. Parece até que vou casar. Só penso no vestido, na maquiagem, no penteado.”
Estava ali uma boa campanha para diminuir o índice de mulheres com o ensino médio incompleto. Pensar nisso me distraiu a ponto de esquecer o quanto queria desfazer o penteado dela, borrar sua maquiagem e transformar seu vestido de gala em um pequeno amontoado de pano no meio da minha sala. Voltei a imaginar no quanto ela estaria linda e constatei que não tinha a menor capacidade de digerir aquela imagem. Terminar o almoço que a Adriana sequer tinha servido ainda era uma opção para ter tempo suficiente para refletir o que responder para Juliana. Quando Adriana me serviu, duas garfadas depois respondi que queria muito ela e não aguentava mais esperar por aquilo.
“Baby, já lhe disse o quanto também estou envolvida nesta história e o quanto te quero. Só que neste momento não quero distrações. Tudo que estou pensando é na formatura. Quando começarmos de vez, isso deixará de ser uma distração e você passará a ocupar de vez a minha cabeça.”
Sem saber o que dizer, deixei Juliana sem resposta. Terminei o almoço, passei no mercado e levei algumas cervejas para casa. Abri uma e coloquei as demais na geladeira. Bebi com calma enquanto ouvia as músicas de uma banda que tinha descoberto recentemente. Assim que a garrafa acabou, peguei no sono. Eram mais de quatro da tarde de sexta-feira e só tinha passado duas horas acordado. Não podia ser mais feliz e até que a felicidade durou algumas horas. Tarde da noite acordei assustado com alguém esmurrando minha porta. Tatiana!
- Baby, preciso de dois favores seus.
- Algum deles envolve pedir dinheiro emprestado para uma passagem só de ida para a Guiné Bissau?
- Você morreria de saudades, daria a bunda na rua para conseguir dinheiro para outra passagem e iria atrás de mim – ela entrou e começou a contemplar a nova aparência da casa. – Gente, mas isso agora parece uma casa de pessoa normal. Foi despejado?
Sabendo como o assunto seria tedioso, peguei a garrafa de cerveja vazia ao lado do sofá e fui para a cozinha deixando Tatiana falando sozinha. Ela foi para o quarto e de lá, aos berros, fazia comentários sobre o quanto estava estupefata com a drástica mudança e melhoria no apartamento. Confesso não saber o por que dos gritos. O apartamento era tão pequeno que mesmo da cozinha era capaz de ouvir os pentelhos dela crescendo enquanto estava no quarto. Fui para o quarto com uma garrafa de cerveja e um copo. Servi um pouco para ela no copo e bebi o resto no gargalo. Aproveitei então o seu silêncio enquanto dava um gole para perguntar quais favores estava precisando. Ela tirou uma enorme mochila das costas, jogou sobre a cama e apontou para ela como se devesse concluir algo com aquilo. A desgraçada era uma mula no sentido animal do termo. Ela vivia carregada com tralhas nas costas. Anos de amizade e nunca a vi sem uma mochila ou bolsa grande. Em outra vida ela foi nômade provavelmente. Continuava sem entender.
- Mas você é burro mesmo! Tenho uma festa aqui perto hoje. Preciso usar sua casa para me arrumar e depois voltar para dormir.
- Que tipo de festa?
- Que diferença faz? – Assim que terminou de me perguntar, fiquei parado em silêncio olhando para ela que então percebeu e prosseguiu. – Aniversário de uma amiga. Nada de especial. Vai ser em um bar aqui perto.
- Ok, eu vou!
- Ai merda!
Enquanto nos arrumávamos, ela ia perguntando da minha relação com a Juliana e a expectativa sobre a formatura que estava por vir. Como de hábito, respondi tudo com muito deboche, mas não ocultei fato algum. Mais uma vez ela declarou o quanto estava fã da Juliana. Acho que essa afirmação dela era verdadeira apenas em parte, a outra parte seria apenas para me irritar. Era comum ficarmos uma semana, às vezes duas, sem nos encontrarmos. Quando acontecia, colocávamos um relatório em dia. Ela riu e ficou pasma com a história da Verônica. Não necessariamente nesta ordem. Já arrumados, seguimos para a festa que de fato não era muito especial. Um bar, uma mesa enorme com vinte e poucas pessoas, falatório alto e bebida na mesa. Eu saberia lidar com isso.
Chegado o tão aguardado sábado, era esperado que acordasse cedo eufórico como uma criança em uma manhã de Natal. O que aconteceu de fato é que recobrei a consciência já ao final da manhã com vozes na minha sala. Quando dei por mim, estava deitado no Tidus e à minha frente Tatiana se despedia de uma menina simpática e jeitosa. Ela, antes de sair, notou que tinha acordado e me mandou um beijo de forma carinhosa. Assim que Tatiana fechou a porta, perguntei-lhe quem era, pois o rosto não me era estranho.
- Seu idiota, era a prima da minha amiga aniversariante que você engoliu no bar e no elevador do seu prédio.
- Oxi – despertei rapidamente de tão surpreso que fiquei com aquela revelação. – E por que você não dormiu aqui na sala para que eu ficasse com ela no meu quarto?
- Porque você precisa de foco. Hoje vai recomeçar sua vida com a Juliana. Ela não merece isso.
- De onde você tirou que pode avaliar algo. Ei – tentei me levantar gritando do sofá, mas tudo que fiz foi erguer um dos braços. – Você poderia chamar a mocinha de volta?
- Chame você. Basta gritar o nome dela.
- Ei – fiz nova tentativa de me levantar e fracassei mais uma vez. – PRIMA DA ANIVERSARIANTE! Ah, mas que merda. Você sempre fazendo da minha vida um inferno.
- Eu? Eu, seu desgraçado? Se fosse por mim, estaria até agora me agarrando com um menino gato que conheci ontem. Mas não! NÃO! Tive de voltar para evitar que você fizesse merda. E, para piorar, ao invés de me deitar na cama e dormir, fiquei quase duas horas ouvindo a Isabel perguntando sobre você e comentando como foi legal ter te conhecido. É, o nome dela é Isabel.
- Hum, Isabel! Que coisa!
- Que coisa? Que coisa? Peraí! Levanta! Vai! Levanta!
- Levanta?
- É! Levanta! Fique de pé!
Com muito esforço e pouca velocidade me postei de frente a ela no meio da sala. A cena era patética. Lá estava eu de cueca, pau duro de vontade de fazer xixi, descabelado e com o que pareciam farelos que estavam perdidos no sofá presos na barba.
- Agora veja isso – Tatiana falou apontando para mim. – Que coisa! Como pode, em uma noite, isso amolecer uma menina a ponto de ficar babando no meu ouvido enquanto tento dormir?
- Ora, precisava me levantar para me humilhar? Não podia apenas destacar minha unha inflamada do dedão? Seria suficiente para provar seu ponto.
- É isso! Esse é o problema! Você vem com toda essa eloquência. Sua agilidade no raciocínio para responder coisas divertidas, as meninas acham graça e pensam que você é um fofo. Não, você não é um fofo! Você é um idiota articulado!
- Desde quando você tira partido de outras pessoas contra mim? Tudo isso porque ela não te deixou dormir? Vai lá. Volte a dormir, descanse essa cabeça e depois volte a me amar.
Ela ficou mais irritada ainda. Não era essa a questão. Estava divorciado há menos de duas semanas e já tinha feito mais merda que muita gente em uma vida inteira. Ora, não é culpa minha. Cada um tem o seu talento. E convenhamos, se ela tivesse optado ficar de fora, estaria eu no quarto com o sono abalado pela prima da aniversariante cujo nome me esqueci novamente. Sem mencionar a possibilidade de ela estar com o tal rapazinho que comentou.
- Não, seu idiota! Não é apenas isso! É o fato de você estar prestes a iniciar um relacionamento já fazendo merda.
Estava claro desde o início que Tatiana tomaria partido da Juliana. Ela se declarava fã dela com motivos e era sinal suficiente para cortar detalhes, evitando assim que ela ficasse me censurando. Agora era tarde demais. Ou a convencia a voltar a carregar a bandeira do meu time, ou teria de ser mais cuidadoso ao compartilhar detalhes da minha vida para ela. Sim, porque simplesmente andar na linha em um primeiro momento me parecia totalmente absurdo.
- Estou com fome.
- E eu estou com sono e ressaca.
- Bem, como a parceria sono e ressaca é algo comum na sua vida, acho que consegue me acompanhar enquanto como algo na rua.
- E?
- Você não consegue dormir e se recuperar da ressaca comigo repetindo no seu ouvido que estou com fome.
Com tal argumento arrebatador, ela me convenceu a sair. No restaurante, recebidos euforicamente pela sempre sorridente Adriana, nos sentamos e pedimos uma cerveja. Corrigindo, eu pedi. Tatiana resmungou, mas depois bebeu com se nada tivesse acontecido. Algumas cervejas depois e almoço devorado, voltamos em passos lentos para minha casa. Tatiana, que já demonstrava inquietude com meu silêncio, resolveu perguntar se algo me incomodava ou era apenas mau humor de poucas horas de sono. Sim, tenho personalidade de bebê quando o assunto é relacionado ao tempo dormido. Tenho também personalidade de bebê para outras situações, mas não vem ao caso. Não era mau humor, estava apreensivo mesmo. Tanto que, ao chegar em casa, dispensei a proposta de Tatiana de acompanha-la na cerveja. Deitei-me no Tidus e, depois de dez minutos refletindo o que esperar e o que fazer mais tarde, peguei no sono.
Acordei com uma sala escura e fria. Pelo barulho, chovia e muito. Ao me levantar, vejo a porta do meu quarto fechada. Provavelmente Tatiana foi embora. Vou à cozinha, abro a geladeira e vejo o que tem nela. Cervejas, duas garrafas de vinho branco para dias de muito calor ou de pouco bom senso, meia garrafa de rum, requeijão, frios embalados em plástico, uma fruta que espero muito ter sido esquecida pela Tatiana, mas nada do que procurava, algo de atitude atitude. Sim, álcool é coragem, mas não é atitude. Talvez um pouco de química clandestina me ajudasse naquele momento. Fui ao quarto ver o que ainda tinha nas minhas gavetas.
- QUE PORRA É ESSA?
Lá estava Tatiana com um ferro, que não tenho a menor ideia de onde surgiu, improvisando sobre a minha cama uma tábua de passar. Pendurado na porta do meu armário estava o paletó do meu terno. Ela estava terminando de passar a calça e ainda tinha uma camisa branca ao lado provavelmente esperando sua vez.
- O que você esperava? Que ia te deixar sair todo amarrotado como sempre? Claro que não! Admito que tentei dormir, mas seu ronco não deixou. Então fui para rua comprar um ferro de passar e uma tábua. Não tinha dinheiro para os dois, comprei só o ferro. Agora estou aqui te deixando arrumadinho para recomeçar sua vida.
- E, pelos meus cálculos, você demorou quatro horas para passar um paletó e meia calça?
- Não, idiota. Demorei mais do que o normal na rua. Dei uma volta, vi várias coisinhas legais  para a sua casa nessa feirinha que tem aqui na praça e depois voltei. Quando cheguei, já estava de lado sem roncar, então dormi. Tem meia hora que acordei. E pode parando de reclamar que estou lhe fazendo um favor.
Favor? Eu sequer sabia se iria. A cada minuto que refletia sobre como seria, mais tinha certeza que ficar em casa era uma boa ideia. Ficar comportado, pois pais e mães poderão me julgar? Melhor ficar em casa. Ter de fazer social com pais e mães com assuntos rasos e insossos? Fico então em casa. Agir de maneira contida em um evento open bar? Acho que ficarei em casa. Encarar a Verônica depois do incidente na sala dela? Minha casa é o local mais seguro. Estava chovendo muito, não poderia ir de moto, então correria o risco de parecer um almofadinha chegando de táxi? Por favor, uma porção de travesseiros para me acompanhar no sofá de casa.
- E por conta dessas desculpas esfarrapadas você vai deixar de ver a garota que ocupou sua cabeça nos últimos meses na sua versão mais linda? Sem maquiagem e com a cara toda amassada de sono, você ficou babando nas fotos dela provando o vestido. É sério que vai perder isso? Você acha que consegue lidar com as fotos amanhã pela rede social? Você acha que ela vai querer alguma coisa com você se der um furo deste logo hoje? Bem, eu não sei o que você acha, mas sei o que EU ACHO. Eu acho que você está sendo burro! Eu sei que você é um idiota, irresponsável e imaturo, mas nunca pensei que usaria o adjetivo burro com você de verdade.
Saí do quarto e a deixei falando sozinha. Não consegui sequer pensar em uma resposta cretina para disfarçar meu desconforto com o pequeno esporro que tinha acabado de levar. Estava mesmo acuado e não sabia o que fazer. Não eram desculpas esfarrapadas. Só de pensar em cada uma das que citei, minhas mãos ficavam suadas e trêmulas. Algumas pessoas costumam parar de frente para a geladeira aberta para refletir. Eu tento fazer isso em alguns momentos, mas, para funcionar mesmo, fico de frente para minha estante de livros. O que Bukowski diria? Como Hemingway lidaria com isso? Qual seria a saída de Kerouac? Droga! O primeiro que me veio aos olhos foi o psicopata suicida do Hunter Thompson. Isso não vai dar muito certo.
- E escute aqui – Tatiana interrompeu meus pensamentos adentrando à sala. – Eu não estou pedindo para se comportar, nem para fazer social com os pais. Por mim, você enche a cara, vomita no pé de uma das mães e limpa a boca na gravata de um pai. Pouco me importa a Verônica. Diga para ela que foi uma foda única, errada, que nunca irá se repetir e ela que lide com isso. Mas antes disso tudo, você precisa lidar com outra coisa. Precisa ver a Juliana. Vá e antes de tudo, procure apenas por ela. Olhe para ela linda do jeito que estará e depois saberá perfeitamente como agir o resto da noite.
- Isso não é uma frase de um filme da Julia Roberts?
- Seu idiota, não estrague o meu momento profundo – ela se aproximou de mim, apertou minhas bochechas debochadamente e prosseguiu. – Esse medinho que está te consumindo por dentro é a responsabilidade de começar tudo novamente. Isso é comum em pessoas adultas. Acredite em mim. Então, vá tomar um banho enquanto acabo de passar sua roupa. Faz o que a amiguinha está pedindo uma vez na vida.
Ok, decidi que iria fazer. Fui antes até a gaveta procurar algo para me dar a tal atitude necessária e Tatiana interviu mais uma vez. Limpo e puro no primeiro momento, ela pediu. Ela estava começando a me irritar. E ela sabe bem que só me irrita quando tem razão. Entrei então no banho e quase uma hora depois estava no meio da minha sala de terno, gravata e sapatos engraxados. Que morte patética! A última vez que estive assim foi no meu casamento e, portanto, podemos concluir que isso não dá muita sorte, não é mesmo? Sem muitas opções, me despedi de Tatiana:
- Estou tão orgulhosa. Meu menino está virando um hominho.
- Cala a boca, sua idiota. Ali em cima da estante tem uma cópia da chave daqui de casa para você. Tranque a porta quando sair. E espero que saia, pois não quero te ver por aqui quando voltar.