Sem solução
- Não! Não! Esquece! NÃO!
- A larga de ser chato. É para me
ajudar. Por favor.
- Não, isso é patético.
- Patético é ter um amigo que não está
disposto a te ajudar.
- Cadu, eu te ajudo com várias coisas.
Vou te ajudar em tudo que pedir. Só que isso é demais.
- Por quê? O que tem de especial no
que te pedi para ficar tão ofendido?
- Como não sabe? Não vou brincar de
mulher.
- Não, Cesinha! Não quero que brinque
de mulher. Quero apenas encenar um diálogo com você, no qual você finge que é a
mulher. Eu não sei chegar em mulher na noite. Você é o rei da noite! Três
palavras e a calcinha já caiu. Por favor! Diga-me onde estou errando.
- Quer saber onde está errando? Está
errando ao ficar num sábado de noite com um macho na sua casa pedindo para ele
fingir ser mulher.
- Eu não pedi isso. Para também,
Cesinha! Vai! Colabora!
- Cara, isso é muito constrangedor.
Vamos a um bar, chegamos em dupla em duas amigas e vemos como você se sai.
- Não, nem pensar! Eu vou falar
besteira, gaguejar, te envergonhar e provavelmente provocar uma golfada nos
seus pés.
- Como você pode provocar uma golfada
puxando assunto?
- Uma vez esbarrei com uma mulher
saindo do banheiro daquele pub irlandês. Ela estava tampando o nariz. Daí disse
para ela: “Está reclamando do cheiro? Precisa ver o cagalhão boiando na privada
do masculino.”.
- Porra, Cadu? Você mordeu o cagalhão?
Comeu no café-da-manhã com Sucrilhos? Quem puxa assunto falando de merda?
- Pois é, eu sei! Eu fico nervoso e
falo a primeira coisa que me vem à cabeça.
- Você deve ter alguma deficiência ou
demência. Não é possível que, uma pessoa, ao se deparar com uma mulher, pense
antes de qualquer outra coisa em merda.
- É que fazia sentido a deixa dela com
as mãos cobrindo o nariz.
- NÃO! NÃO FAZIA SENTIDO! Fazia
sentido oferecer uma bebida para ela aliviar o sofrimento. Fazia sentido
comentar sobre seu pescoço cheiroso. Fazia sentido até falar para ela cheirar a
sua virilha.
- Nossa que grosseria.
- Jura? Grosseria? Sério mesmo, senhor
cagalhão boiando?
- Então! É isso que quero que me
ensine. Quero ter um raciocínio rápido para situações em que me aproximar de
uma mulher e puxar assunto de maneira adequada. Não quero falar de cagalhões,
velório da minha avó, cálculo diferencial, tipos de animais que mais comumente
são atropelados nas estradas ou possíveis doenças provocadas pelo consumo
excessivo de amendoim.
- Quem puxa assunto falando sobre
cálculo diferencial?
- Jura? Em uma lista com velório de
avó e potenciais filhotes de patos atropelados, cálculo diferencial que chamou a
sua atenção?
- Bem colocado.
- Então, por favor! Dá aquela ajuda.
Vai! Vou chegar em você, tá?
- Hum...
- Estou chegando em você. Oi! Tudo
bem?
- Sai fora, viado! Sou hétero!
- Colabora, Cesinha. Só hoje. Só para
mim.
- Se disser isso novamente, te dou uma
porrada.
- Tá! Ok! Pode entrar no jogo?
- Ok. Vai!
- Oi! Tudo bem?
- Tudo bem. E você?
- Tudo ótimo agora.
- Não, Cadu. Porra! Tudo ótimo agora?
Só faltou dar aquela ajeitada no pau. Não precisa forçar tanto logo de início.
Fala que está bem também.
- Qual seu nome?
- Ai, que grosso! Nem respondeu o que
perguntei.
- Ah não sabia. Desculpe. Estou bem
também.
- Agora não quero mais papo com você.
Com licença.
- Porra, Cesinha. Vai na boa.
- Tá!
- Então?
- Então o quê?
- Cesinha! O seu nome! E se responder
Cesinha vou ficar puto.
- Valricélia.
- Ah caralho! Colabora, Cesinha.
- Não, burro! Vai por mim. É uma boa
deixa. Nomes exóticos são uma boa deixa para bons minutos de papo se mostrando
interessado na garota.
- Boa! Não tinha pensado nisso.
Então... Que diferente seu nome. Acho que já vi em algum lugar.
- Jura? Onde?
- Certa vez estudei com duas meninas.
Uma se chamava Célia e a outra Valéria. Imagine que legal se fossem irmãs. Ou
irmãs siamesas. Teria o seu nome.
- PORRA, CADU! Seus pais são primos?
Qual o seu problema?
- Eu sei! Eu fico nervoso.
- Mas comigo?
- Pois é. Estou com aquele frio na
barriga que tenho sempre que vou puxar assunto com uma mulher.
- MAS COMIGO?
- Vai ver eu sou inapto para este tipo
de coisa. Tipo uma patologia.
- Não sabia que era tão grave assim.
Temos de pensar em algo ou vai ficar mais... Mais... Há quanto tempo não
transa?
- Conta puta?
- Não!
- Então sou virgem.
- PORRA, CADU! Como nunca falou comigo
sobre isso? Que parada bizarra!
- Você não ia levar a sério. E até
então, antes de ficar desesperado, tinha vergonha de falar sobre.
- Ah cara! Comigo? Logo eu que, até
aceitar fingir que sou mulher, aceitei.
- Foi mal!
- Foi péssimo! Mal é sua situação.
- Ah obrigado.
- Desculpe. Então vamos fazer algo.
Vamos montar um roteiro básico para você seguir e ver no que dá.
- Tipo decorar falas?
- É, tipo isso! Montamos algumas
combinações e daí é só seguir que não vai ter erro.
- Não acho uma boa ideia.
- Por que não?
- Não sou bom nesse negócio de texto
preparado.
- Como sabe disso? Você não é ator,
apresentador, nem palestrante. De onde tirou isso?
- Eu sei. Tanto que pratiquei por dias
essa nossa conversa de hoje e saiu tudo ao contrário.
- Ao contrário? Mas você explicou
direitinho o seu problema e pediu minha ajuda de maneira razoável.
- Se fosse realmente este o problema
que me trouxe aqui, né?
- Ah não é este o problema? Então qual
é?
- Na realidade estou apaixonado por
você, me enrolei todo e achei que com essa encenação poderia fazer coisas que
iriam te conv...
- PERAÍ CARALHO! VOCÊ ESTÁ APAIXONADO
POR MIM? DESDE QUANDO?
- Então... Tem uns dois ou três anos,
desde que dividimos a cama naquela pousada vagabunda em Paty dos Alferes.
Dormir do seu lado me ajud...
- CALMA AÍ, PORRA! VOCÊ É GAY E AINDA
ESTÁ APAIXONADO POR MIM, CADU? QUE PORRA É ESSA?
- Não fala assim, Cesinha. Não me
deixe nerv...
- Nervoso? Eu quero morrer! Eu prefiro
estar morto a ouvir esta notícia bombástica.
- Bem, Cesinha, se você fosse uma
cotia e estivesse atravessando uma estrada de Melbourne, suas chances seriam
bem favoráveis.
- Cadu, você é mesmo uma tragédia. Não
me faça te beijar por pena.