- Hoje é dia da Marlene, baby?
Juliana, com a cabeça repousada em meu
ombro, fez a pergunta me tirando do estado sonolento, quase apagando. Tínhamos
acabado de transar e permanecemos deitados curtindo o momento. Juliana
conseguia uma folga extra no trabalho às quintas-feiras e passou a usar esse
dia para ficar comigo. Típico programa de amante que tanto me incomodava e comentei
com a Tatiana no dia anterior. De fato, não gostava de como essas coisas
estavam andando. Por outro lado, tinha um dia inteiro com ela à minha
disposição. Ela chegava, rolava aquela trepada sensacional para matarmos a
saudade, coisa hormonal beirando à selvageria, depois saímos para almoçar,
voltávamos para a minha casa, rolava uma rapidinha de sobremesa, um cochilo
pós-gozo em seguida, acordávamos já de noite, bebíamos alguma coisa, às vezes
um filme, depois um sexo de fim de dia protocolar estilo casal com vinte anos
de relacionamento, dormíamos e no dia seguinte ela ia direto para o trabalho. Com
sorte, conseguia um sexo matinal daqueles que o homem não goza nunca porque
está com a bexiga cheia. Não, não podia reclamar no quesito satisfação. Fazia
um bom tempo que não tinha dias com tanto sexo. Contudo, esperava algo mais da
minha relação com ela. Ainda mais considerando como foi na época que apenas
flertávamos.
- Claro que não – respondi. – Até porque
já são quase cinco e meia. O horário dela não é esse.
- Baby, então melhor ver porque, pelo
barulho de porta abrindo que eu ouvi, alguém acabou de entrar.
Não tinha escutado o tal barulho que
Juliana falou. Como sou bem surdo na maior parte do tempo, deveria levar em
consideração o que ela tinha dito. Antes que pudesse fazer algo, ambos
escutamos o som da minha porta da sala batendo com força. Os dois reagiram
assustados àquilo. Juliana, levando consigo o lençol cobrindo o seu corpo nu,
correu para o banheiro e lá se trancou. Que ótimo, não? Um suposto marginal
entrando na casa e eu que me virasse para me defender dele nu, literalmente com
o pau na mão. Acabei correndo e fiquei atrás da porta do quarto que já estava
fechada. Alguém forçava a maçaneta tentando abrir a porta. Continuei atrás da
porta oferecendo resistência. Aliás, uma resistência nem tão impressionante
assim. Aparentemente, o meliante era surpreendentemente fraco. Após algumas
tentativas frustradas, a pessoa parou de forçar a porta.
- SAI DE TRÁS DESSA MALDITA PORTA, SEU
IMBECIL! - era a voz da Tatiana.
- Porra! – disse abrindo a porta. – Você
quer me matar do...
- IMBECIL! – Tatiana me interrompeu. –
COLOCA UMA ROUPA! PORRA! Não bastasse tudo, ainda tenho de te ver pelado. Por
que você está pelado em pleno... Peraí! Tem gente no banheiro? Quem é a piranha
desta vez?
- Tatiana, não tem piranha alguma – disse
enquanto colocava um short e tentava gesticular para Tatiana que contivesse as
palavras. – Só pode ser uma pessoa.
- Uma pessoa é o cacete! Cada dia você
come uma piranha diferente. Por que está todo se mexendo aí igual a uma codorna
abatida? O que tem a piranha no banheiro? O que ela tem de especial para você
estar a defendendo? Ela por algum acaso... Ah tá! Já entendi. Quem está no
banheiro é a...
- Juliana – a própria saiu do banheiro
se apresentando. – Você deve ser a Tatiana, não?
- Sim, sou eu. Desculpe-me pela maneira
rude de nos conhecermos, mas meu dia não foi nada bom.
- Imagino que tenha seus motivos além,
obviamente, do habitual que é conviver com esse traste.
- Baby – intervi na conversa. – Não tem
nem cinco segundo que conheceu a Tatiana e já está contra mim?
- Baby é o cacete – Juliana respondeu
num tom áspero que nunca tinha visto antes. – Que história é essa de cada dia
uma piranha diferente?
Olhei para Tatiana na intenção de
sinalizar que a brincadeira não estava tendo graça. Ela me devolveu um olhar
tão furioso quanto o de Juliana. Naquele momento, me dei conta de que algo
sério aconteceu e eu iria me dar muito mal. Pelo menos já estava vestido, pois
a exibição do encolhimento do meu pau seria ilustrativa para a minha sensação
de pavor pelo que estava por vir. Cheguei a desviar os olhos para a Juliana
para confirmar o que era óbvio, só faltava a Tatiana bufar. Vendo que estava em
uma sinuca de bico, ou melhor, em uma corda bamba equilibrando duas coisas ao
mesmo tempo, optei por contemporizar. Seria impossível administrar uma Tatiana,
que tudo sabe de mim, possessa e uma Juliana, que gostaria que desse certo,
igualmente irada. Sentei-me então à beira da cama:
- Calma, Juliana – escolhi por chamar
pelo nome para dar entender que estava levando a conversa a sério. – Não tem
essa de uma piranha por dia. Quando digo que estou para valer com você, estou
dizendo a verdade. Provavelmente esse ataque da Tatiana a mim é uma reação
exagerada algo que fiz.
- REAÇÃO EXAGERADA? – pelo grito da
Tatiana, conclui que talvez estivesse subestimando demais o problema dela. –
EXAGERADA? EU FUI DEMITIDA POR SUA CAUSA!
- BABY! – Juliana se espantou e eu em
seguida.
- MINHA CAUSA? COMO ASSIM?
Tatiana, por mais impossível que fosse,
ficou mais transtornada ainda com a minha reação. Xingou, gesticulou, gritou e,
em certos momentos, até chegou a puxar os próprios cabelos. Algumas frases
ficaram desconexas, outras incompletas. Filtrando o máximo, o que se pode
concluir é que fiz uma série de cagadas na festa de final de ano da empresa na
noite anterior e, mediante os fatos, o gestor a demitiu. Cagadas, aliás, que,
como era de se esperar, não lembrava por conta das minhas constantes amnésias
alcoólicas. Pelo visto, o gestor além de vingativo, pois a demitiu porque não
gostou de coisas que fiz, era um verdadeiro filho da puta, afinal, porque só a
demitiu no último minuto de um longo dia de trabalho.
- NÃO, NÃO ADIANTA FICAR CONTRA O MEU
CHEFE FALANDO MAL DELE. ISSO NÃO VAI AMENIZAR O SEU LADO. – Tatiana, ainda
possessa, cortou o que achava ser uma boa estratégia minha. – Mas, sim, ele foi
um filho da puta mesmo.
- Ok, gente – Juliana se enfiou no fogo
que nem era cruzado, mas apenas em uma única direção. – Desculpe-me pela
intromissão, Tatiana, mas o que ele fez de tão grave que chegou ao ponto de
gerar a sua demissão?
Ao que parece, foi o conjunto da obra.
Tudo começou no que deve ter sido após a minha terceira Cuba Libre. Longe de estar
bêbado, mas suficientemente encorajado pelo álcool e incomodado com a apatia
das pessoas, subi no pequeno palco onde o tecladista tocava música ambiente. Peguei
o microfone e fiz um discurso improvisado sobre a importância de se extravasar
nas festas de final de ano.
- Ah, baby – a reação da Juliana foi
sofrida. – Que vergonha.
- Calma, Juliana – a Tatiana se
antecipou. – Piora. Ah, mas piora muito. E, para dizer a verdade, isso nem
seria motivo de dar merda, pois ele se passou por funcionário. Ninguém conhece
de fato todos os funcionários por lá. E quer saber de uma coisa? Foi até
engraçado. Teve uma parte que foi assim:
“Sim,
vocês têm o direito de extravasarem na noite de hoje. É uma celebração! Onde já
se viu celebração combinar com pessoas contidas. Aposto que o meu chefe vai me
regular esta noite, um de vocês deve estar pensando. Pois eu aposto que o seu
chefe vai estar completamente bêbado em menos de meia hora do jeito que servem
uísque na mesa da diretoria. Aposto que ele não vai se lembrar de coisa alguma
no dia seguinte. Aposto que ele ficará decepcionado caso passe vergonha sozinho
na pista de dança. Aposto que... Ah, vocês já entenderam. Vamos! Levantem essas
bundas caretas das cadeiras. Exceto a bela loura de cabelos presos ali ao
fundo. Não, você deve, sim, se levantar também, baby. O exceto foi porque sua
bunda está longe de ser careta. Chamar esse monumento ao corpo feminino apenas
de bunda é, no mínimo, uma falta de respeito. Este objeto, cobiçado por uma
ampla maioria que já teve o prazer de vê-la desfilar pessoalmente, precisa ser
tombado pelo patrimônio cultural para que evitem o seu mau aproveitamento. Ela
precisa ser venerada dias e noites como fazem com imagens religiosas. Ela
deveria estar estampada em cada mural por toda a empresa em uma bela campanha
motivacional com o slogan: Quando você achar que fez um belo trabalho, olhe
para esse rabo e perceberás que fez apenas a sua obrigação. Li isso algum dia
pela internet e adaptei, mocinha. Agora, antes que todos venham dançar, uma
salva de palmas para o mais belo rabo que vi em minha vida.”
- Que machista, baby – Juliana me
recriminou.
Não era a intenção. Bem, ao menos, nunca
tive a intenção de assim ser, mesmo não me lembrando de patavinas do que
aconteceu na noite anterior. Por mim, poderia ter campanha com fotos de homens
sarados sem camisa também. Não me afetaria, tampouco eles se sentiriam
ofendidos por isso. Talvez a minha forma de venerar o corpo feminino seja um
pouco enfática e espalhafatosa. De qualquer forma, não iria me prolongar com
essa discussão com a Juliana, pois não era o objetivo daquele momento tenso.
- Ainda bem que você sabe que nem vale a
pena discutir comigo. Machista ou não, já está errado por elogiar bundas
alheias por aí. – disse a Juliana.
Tatiana cortou o ciúme barato da Juliana
e prosseguiu. O tom mais ameno que ela apresentou ao detalhar o meu discurso
foi rapidamente substituído pela ira do início da conversa. Talvez tenha sido
um lapso dela ou, na minha plena esperança, uma total incapacidade de ficar por
muito tempo irritada comigo. O fato é que o vulcão voltou a entrar em erupção,
principalmente na parte em que descrevia a conversa que tive com o chefe direto
dela.
- Nem começa porque essa parte eu me
lembro bem – interrompi tentando deixar um ponto a meu favor registrado. – Eu
era só elogios. Comecei ainda no personagem do falso funcionário e desenvolvi
um longo monólogo sobre seus atributos profissionais, dedicação e seriedade.
- Ele me falou isso – Tatiana ponderou
com um tom seco e áspero. – Inclusive, ele disse que foi nesse momento que
começou a desconfiar de que você não era funcionário.
- Que absurdo! O cara, além de ser um
filho da puta, é um pessimista. Como pode uma pessoa não acreditar que alguém
seja funcionário da própria empresa unicamente pelo fato de elogiar demais
outro colega?
- Não foi por isso, imbecil – Tatiana
permaneceu com o mesmo tom. – Ele disse que você tentava descrever tarefas, mas
nenhuma fazia sentido com as minhas, tampouco com qualquer outro setor da
empresa.
- Tá, mas isso não significava
necessariamente que foi você quem me colocou para dentro da festa.
- Na realidade, sim, né? Na cabeça de
quem faria sentido um penetra numa festa corporativa elogiar aleatoriamente uma
funcionária? Bem, que seja. Você depois desandou a me elogiar como amiga
também. Acho que isso acusa tudo, né?
- Ok, é justo! Mas que fique registrado
que te elogiei como amiga. E foi sincero. Não se esqueça de que a sinceridade
sai nos momentos alcoolizados. Já viu algum bêbado manter uma mentira ou
inventar algo? Pois é! Estava bêbado e sendo honesto. Tudo que falei era
verdade. Maior declaração de amor que fiz para uma amiga. Você! Baby friend! Vem cá, me dá um abraço. Vou
colocar Friends Will Be Friends do
Queen para tocar. Viva a nossa amizade! Estamos de bem? Paz? Aqui, cheira!
Amiguinho...
- CALA A BOCA, IMBECIL!
- Gente, mas o cara te demitiu só porque
você levou uma terceira pessoa para a festa? – Juliana retomou a palavra em um
péssimo momento, quando estava pegando velocidade na minha deixa de amolecer o
coração da Tatiana. Ou era o que eu achava.
- Juliana, colocar um conhecido para dentro
de uma festa corporativa fechada, de fato, nem é um pecado capital. É algo
recriminável, mas não tão dramático. – Tatiana se explicou para Juliana num tom
que queria tanto que fosse comigo. – O problema é esse convidado externo
aprontar todas e você não ter controle sobre ele.
- Como assim aprontar todas? O que ele
fez, meu Deus?
- Basicamente, subornou um garçom para
receber bebida deliberadamente. O discurso do microfone que já contei. Desenhou
um enorme pênis com sushis e sashimis da mesa de comida japonesa. Lambeu
a minha diretora nos dois lados do rosto.
- ELE O QUE?
- Relaxe, Juliana. Ela ao menos curtiu a
lambida dele. Fez um bolão com os auxiliares administrativos sobre o tamanho da
bunda da tal loura e depois foi até ela medir com uma fita métrica, que sabe-se
lá de onde ele arrumou?
- VOCÊ MEDIU A BUNDA DA MULHER?
- Toquei o mínimo necessário, baby! E
foi tudo muito profissional com fins de jogatina. Até porque, para dar entrar
na papelada do patrimônio cultural, eu preciso das medidas...
- Mas, enfim – Tatiana cortou tudo. – Deixe-me
terminar a parte do meu chefe. Porque foi ali que a queimação foi aumentada com
um tonel de gasolina. O problema foi quando ele se empolgou nos elogios sobre a
nossa amizade. Falou demais e contou de quando precisou do meu ombro amigo para
falar do relacionamento com você, Juliana.
- Falar do nosso relacionamento? Baby,
você está com algum problema com o nosso relacionamento?
- NÃO! – respondi no automático. – Digo,
sim! Mas não foi isso!
- Peraí – Juliana demonstrou mais
interesse do que nunca na conversa. – Você está ou não está com problemas no
nosso relacionamento?
- Sim, estou! Só que o problema não é
esse. A história do ombro amigo não foi por conta de problemas.
- Tem razão, Juliana. O caso do ombro
amigo foi para ele me contar sobre a festa de formatura e a frustrada primeira
transa de vocês.
- OPA! – Juliana gritou com a palma de
uma das mãos espalmada. – Você foi fazer fofoquinha da nossa intimidade com
ela? É isso mesmo?
- Não, não é isso – respondi. – Estava
eufórico com o início e precisava contar para alguém. Daí, nada melhor do minha
melhor amiga que amo tanto e nunca faria algo para prejudicar a sua...
- CALA A BOCA, IMBECIL – fui cortado
pela Tatiana. – Não era fofoquinha, Juliana. Aqui preciso defender ele. Estava
desde o início acompanhando a novela de vocês dois. Além de torcer muito por
vocês. Não sei se ele disse, mas sempre fui sua fã sem te conhecer. Considerava
que você fosse capaz de dar um juízo na cabeça dele. Enfim...
- Então, vejam que coisa linda – dessa
vez, eu interrompi a conversa. – Minha amiga linda do coração e a maior paixão
que tive na minha juntas...
- CALA A BOCA! – as duas gritaram.
- Como ia dizendo, – Tatiana retomou a
palavra. – a minha torcida era tamanha, que queria muito saber como tinha sido
a noite da formatura. Só que no domingo seguinte ele sumiu. Daí, eu só consegui
falar com ele na segunda. Foi quando comentou que tinha toda uma epopeia para
me contar. A euforia dele para compartilhar a notícia somada à minha vontade de
saber o final da história nos fez marcar um almoço na segunda-feira.
- Viu? – usei a deixa da Tatiana para
acertar a impressão da história com a Juliana. – Nada de fofoquinha. Apenas um
cara apaixonado e empolgado com uma grande amiga torcendo pela felicidade
deles.
- Está bem! Menos, né? – Juliana deu
entender que aceitou a história. – E o que isso tem a ver com a sua demissão?
Qual a relação que eu não entendi até agora?
- O problema foi que o imbecil aí... –
Tatiana seguia com a palavra até ser interrompida por mim.
- Essa insistência em me chamar de
imbecil é uma forma estranha de dizer que me ama, né?
- CALA A BOCA! – Tatiana seguiu. – Você
já deve ter percebido, Juliana, que tudo com esse bêbado é na base do álcool.
Pois bem, durante o almoço, DURANTE UM DIA DE SEMANA QUE EU ESTAVA TRABALHANDO,
ele pediu uma cerveja e me ofereceu. Eu neguei. Daí, ele com esse talento
persuasivo todo desastrado me convenceu a beber um copo só para brindar o
início do relacionamento com você. Acabei aceitando. Erro grave de quem o
conhece há tanto tempo. Nunca é apenas um copo com ele. Nunca tem fim. Nunca
tem limite. O almoço durou quase a tarde toda e saímos de lá bêbados.
- Ah, baby, que péssimo amigo – Juliana
se decepcionou novamente comigo.
- Péssimo nada, baby! Eu estava feliz.
Ela estava feliz por mim. Estávamos felizes comemorando. Não existe nada de
errado nisto. Venha me dar um abraço, vamos comemorar!
- PARA! Que seja. Eu me lembro de algo
do tipo. – Juliana começou a ligar uns pontos e, assim, me preocupar. –
Lembro-me da segunda-feira logo depois da formatura que você cancelou de nos encontrarmos.
A desculpa que você deu era outra. Algo de ela estar com problemas pessoais e
precisava de você para conversar. Até achei foto depois.
- Ah, baby, veja bem. – ela tinha ligado
bem os pontos e eu precisava acertar as coisas. – Perceba que era uma
emergência para ajudar a amiga de qualquer forma. Só distorci a verdade por
fins práticos. Não existe por de trás da história...
- Você é uma pessoa muito ruim mesmo. –
Juliana me cortou. – É uma mentirinha atrás da outra. Não bastante, só faz
merda. Complica a vida de quem chama de amiga. E você também, Tatiana, vou te
falar uma coisa. Para mim, tudo isso é novidade. Sabia que ele era desajustado,
mas não a esse ponto de destruir as coisas ao seu redor. Agora com você é
diferente, pois você sabe bem disso. Convive com isso. Aliás, como consegue
conviver com isso? Como ainda é amiga dele? Então ele contou para o seu chefe
que você encheu a cara e faltou o resto do trabalho?
- Exatamente – Tatiana concordou e sua
expressão era cada vez pior. – Alguma coisa na cabeça desse imbecil, talvez um
curto-circuito entre os neurônios afogados em rum, o fez pensar que contar esse
episódio soaria como um elogio. Era óbvio que o meu chefe ficaria possesso em
saber que bebi na hora do almoço. Aliás, bebi é eufemismo. Enchi a cara na hora
do almoço a ponto de não poder voltar para o trabalho. Não bastante, ele
percebeu que caiu na mentirinha dele. Afinal, foi ele mesmo quem ligou para o
meu chefe inventando a história que passei mal. O próprio se lembrou dos
detalhes da conversa e se recordou que esse imbecil debochou da cara dele o
tempo todo durante a ligação. Ele se sentia humilhado a cada constatação que
fazia. Você me disse uma coisa certa, Juliana. Eu convivo com isso. Sei dos
riscos. Mesmo com ele sempre se superando, a certeza de que no final vai dar
merda é real. E, na maioria das vezes, eu quem me fodo com ele. No mínimo,
passo uma vergonha enorme. Você tem razão. Não existe motivo para ser amiga
dele. Quero dizer, eu gosto dele de verdade, mas, aparentemente, a recíproca
não é verdadeira.
- NÃO! – tentei cortar a Tatiana. – NÃO
DIGA ISSO!
- Digo, sim. Não faz sentido algum. Você
em uma noite, em que deveria apenas escolher um vestido para eu ir à festa,
arruinou a minha vida. Começou colocando defeito em todas as minhas roupas que
eu considerava boas, fez com que perdesse meu emprego e ainda afugentou o
carinha que eu estava saindo.
- OPA! – interrompi novamente. – DESSA,
EU NÃO ESTOU SABENDO.
- Pois é, baby. Aparentemente, entre uma
merda ou outra, você acabou conhecendo o Jefferson. Aquele com o nome com dois
efes que você fez piada por isso. É curioso que, com o meu chefe, mesmo da pior
maneira possível, você tentou me elogiar, falou dos meus atributos, quase uma
declaração estabanada de amor. Já com o Jefferson, você só falou mal de mim.
Desenhou o meu pior retrato, quase um rascunho feito por uma criança. Parecia
que me odiava e que eu era a pior pessoa do mundo para se relacionar. O garoto
ficou tão assustado que apenas me disse que precisava repensar algumas coisas
e, desde então, não me atende mais, nem responde às minhas mensagens.
- Sério, Tatiana? Ele é um péssimo
amigo. Acho que nem podemos colocar amigo na definição.
- Calma aí, meninas. Vocês estão
exagerando um pouco as coisas...
- Exagerando? – Tatiana me interrompeu.
– Vamos ver o que é exagero. Juliana, se lembra da diretora que ele lambeu os
dois lados do rosto?
- TATIANA, PORRA! – o pânico tomou conta
de mim.
- “Tatiana porra” o quê? O que tem ela? –
Juliana me confrontou.
- TATIANA! NÃO SEJA EU! VOCÊ É MELHOR DO
QUE ISSO!
- Para o inferno esse papinho. Ser você
seria sustentar uma mentira e iludir essa menina. Eu vou ser sincera e dizer o
que tem de ser dito. O que vier depois é consequência da SUA AÇÃO, não da
minha.
- Fale, Tatiana. Por favor. O que ele
fez com a diretora?
- Eles foram flagrados se agarrando numa
cabine do banheiro masculino. Ela foi demitida hoje também. Outra vítima das
inconsequências dele. Se te consola, ou massageia o ego, você em uma noite
virou uma lenda em toda a empresa. Só falavam de você hoje por lá.
Fez-se o silêncio na casa. Juliana
voltou ao banheiro e se sentou na tampa da privada que estava abaixada. Eu e
Tatiana, do meio do quarto ficamos olhando para ela aguardando alguma reação.
Nada. Olhei então para Tatiana que desviou o rosto e se sentou na cama. Assim
como a Juliana, ela ficou fitando o chão. Eu não tinha um incêndio para
contornar, tinha dois. Na realidade, tinha duas florestas com vários focos de
incêndio em cada uma delas. Não tinha a menor idade de por onde começar. Não
sei lidar com essas situações apaziguadoras. Tudo que faço é usar sarcasmo na
esperança de quebrar o clima e as coisas se acertarem sozinhas com uma risada.
O momento não chegava perto de permitir isso. Saí do quarto e fiquei de pé na
sala esperando que alguma das duas fizesse algo. Não sei o que? Que me
xingasse, jogasse algo em mim, fosse embora, mas fizesse algo. Aquele silêncio
estava me matando. Peguei uma garrafa de rum do meio das minhas outras garrafas
de bebida. Fez um barulho de vidro quando elas se esbarraram. Deu para ouvir um
riso curto contido do meu quarto. Com certeza foi a Tatiana. Foi um sorriso
recriminador como quem diz que esse merda vai encher a cara como solução do
problema dele. Não pretendia encher a cara. Todavia, precisa de uma bebida. Não
tinha condições de elaborar algo mais sofisticado. Estava inquieto e ansioso.
Coloquei três dedos de rum em um copo e virei em um gole só. Desceu mal e
franzi todo o rosto. Abri a geladeira à procura de algo para misturar. Minha
casa nunca tem um suco ou refrigerante para improvisar uma bebida. A maior
parte dos destilados que tenho é de protagonistas, não devem ser misturados.
Apesar de essa geração bunda-mole insistir em misturar com energéticos
excessivamente açucarados. Não, o problema não está no excesso de açúcar, mas
na mistura em si. Exatamente por nunca ter com o que misturar, não fazia
sentido ter uma garrafa de rum em casa. É a minha bebida destilada favorita,
sim. Entretanto, sempre bebo misturando com algo. Com a geladeira ainda aberta
e a garrafa de rum na mão, fiquei refletindo de onde ela surgiu. Faltava bem
menos que a metade para ela acabar.
- Admirando sua recordação da noite
épica? – Tatiana disse enquanto entrava na cozinha, pegava uma garrafa de água
e, em seguida, saía de lá.
Ela ficou parada no meio da sala
encarando minha estante de livros. Dizem que se pode definir uma pessoa pelo o
que ela lê. Talvez até funcione comigo, em partes. Jamais, por exemplo,
conseguiriam determinar qual disciplina leciono. Nunca tive livros técnicos do
tema em casa, tampouco nos locais onde trabalhava. Provavelmente era um sinal
da minha soberba nesse aspecto que me impedia de consultar um material
completar. O que daria na aula vinha sempre da minha cabeça e de improviso.
Obviamente nunca lecionei algo tão complexo que exigisse uma preparação prévia,
mas uma leve consulta para ampliar as abordagens era algo salutar para um bom
professor. Bem, não fazia isso. Lá na minha prateleira estavam os meus
“mestres”. Sim, entre aspas. Nunca fui aluno deles, mas assim os considerava
por conta da influência que exerceram sobre a minha personalidade e a minha escrita.
Não sei se uma coisa é consequência da outra. Digo, personalidade e escrita. É
óbvio que escritores são capazes de causar impacto em seus leitores a ponto de
influenciar características de quem os lê. Experimente mergulhar de cabeça no
mundo de Bukowski e entenderá o que falo. Ou como sou, se assim preferir.
Hemingway, Machado, Garcia Márquez, Rubem, o Fonseca, não o Alves, Kerouac,
Mario Prata, Dostoievski, Ariano, Cervantes, Veríssimo e Hunter Thompson estavam
a postos aguardando o olhar sinistro de Tatiana. Ela os ignorou. Seus olhos
eram todos atenção para um título perdido destoando dos demais.
- Poxa, baby – com um tom melancólico,
Tatiana puxou a palavra. – Você nem abriu o livro que te dei.
- Eu ia abrir quando fosse ler, assim
conservaria o delicioso cheiro de livro novo.
- Quando fosse ler? Eu te dei tem mais
de um ano.
- A fila de livros aqui é grande, baby.
- Fila? Você sempre relê os mesmos. Só
esse tal de Putas Choronas... – cortei a Tatiana.
- Memórias de Minhas Putas Tristes!
- Que seja! – ela prosseguiu. – Só esse,
já te vi folheando umas cem vezes nesse mesmo espaço de tempo que te dei o livro.
- PÉSSIMO AMIGO! - a Juliana gritou do
banheiro.
- Tatiana – chamei pelo nome para manter
o foco em mim. – Acredite, eu ia ler um dia.
- Quando?
- Quando estivesse preparado.
- Preparado? Desde quando precisa de
preparação para se ler algo? O que você precisa?
- Talvez uma lobotomia. Ou estar em coma
e alguém ler para mim para ver se acordo de raiva.
- Porra, baby! Que ingratidão!
- Não, não é ingratidão. Nem um pouco.
Fiquei muito feliz de ganhar um livro de você. Deu-me um baita orgulho saber
que por minha causa você pisou alguma vez na vida numa livraria.
- VAI TOMAR NO SEU CU! Você e esse seu
sarcasmo de merda.
- PÉSSIMO AMIGO! – Juliana mais uma vez
gritou do banheiro.
Não era sarcasmo. Foi um comentário
honesto que talvez devesse ser tolhido por uma mente com o mínimo bom senso.
Ser estabanado socialmente sempre foi um defeito grave que me acometia,
principalmente em momentos de tensão.
- Desculpe-me – tentei amenizar as
coisas em um tom que entoava sinceridade. – Na minha cabeça, era um elogio que
fazia sentido.
- Ah, na sua cabeça fazia sentido? Na
sua cabeça não tem a recordação que fico magoada por pouca coisa?
- Ah, tá! E na sua cabeça não passa que
não gosto dessas merdas de autoajuda?
- Você é um péssimo amigo!
- PÉSSIMO AMIGO! – Juliana outra vez.
- Você compra um presente errado para
mim e eu sou o péssimo amigo por não mudar minhas predileções literárias?
- SÉRIO QUE VOCÊ VAI DISCUTIR ALGUMA
COISA? – Juliana surgiu triunfante na sala encerrando a conversa de vez. – Você
é muito pior do que imaginava. Adeus!
- Peraí! – contive a Juliana pela mão
enquanto ia a caminho da porta. – Aonde você vai?
- Eu? – Juliana parou para me responder.
– Eu vou embora da sua vida e espero que você faça o mesmo da minha. Adeus!
Congelei. Um gosto de sangue subiu à
boca. Lábios e língua travaram. Não sabia como reagir. Foi um esforço diário por
semanas para conseguir começar algo com a Juliana e tudo estava desmoronando
por conta de uma cagada que ela nem estava envolvida. Não podia desprezar a
Tatiana e a sua desgraça, contudo, prioridades precisavam ser determinadas.
Entre as duas, escolhi a Juliana. A Tatiana eu tentaria resolver mais à frente.
- Calma, Juliana – mais uma vez usei o
nome para demonstrar seriedade ao problema. – Precisamos conversar.
- Conversar o que? Você me traiu!
- Eu não te traí coisa alguma.
- Ah, traiu, sim. – Tatiana se meteu na
conversa.
- Tatiana, na boa – me impus para tentar
conduz melhor a conversa. – Eu entendo perfeitamente a merda toda ao seu redor.
Já falou e falou até demais. Eu só peço que segure um pouco a onda aí enquanto
ao menos tento ser sincero com ela.
- Sincero? Ok! Vou até sentar para ver
melhor essa cena. – disse a Tatiana enquanto cumpria com a sua fala.
- Essa eu também quero ver. – Juliana
completou. – Vai, senhor sinceridade. Vai assumir que me traiu?
Forçando um pouco a cabeça, conseguia me
lembrar dos amassos com a diretora no banheiro. Recordava, inclusive, de como
começou. As lambidas foram bem depois de tudo começado. Pelo que me consta, foi
numa série de sarradas em uma tentativa de dançar forró. A coisa, naturalmente,
começou a pegar fogo e, em algum momento, disse para a diretora que ela era
muito gostosa. O destino, que sempre me prega peças, colocou à minha frente uma
pessoa tão cretina quanto eu. Ela respondeu perguntando como eu poderia saber
que era gostosa se sequer tinha a provado. Daí que vieram as lambidas. Para a
minha maior surpresa, a diretora foi enfática ao dizer que ninguém prova um
produto lambendo o rótulo. Foi nesse momento que o convite para sairmos do
campo de visão de todos foi feito. Pena que o executamos miseravelmente. Todos
nos viram entrando no banheiro masculino. Claro que foi questão de minutos para
um segurança aparecer e interromper tudo. Não sei precisar o tempo, mas foi o
bastante para um zíper ser abaixado e uma saia ser levantada. Imagino ser dispensável
dizer o que era de quem
- Eu não estou acreditando no que estou
ouvindo. – Juliana expressava desespero com as mãos levadas aos cabelos. – Como
você mesmo diz, eu te fiz uma pergunta que admitia apenas sim e não como
resposta. Em troca, você me deu um relato detalhado da sua façanha. Obrigado
pelo sadismo gratuito em me magoar. Foi a resposta mais longa e dolorosa que
poderia imaginar para uma simples confirmação de que me traiu.
- Nada disso! Sim, me desculpo por ter
sido prolixo. De fato, foi desnecessário. Mesmo assim, não confirmei que te
traí.
- Ah, não me traiu? A traição seria
configurada em qual momento? Quando estivesse com um dos punhos cerrados dentro
do rabo da diretora vagabunda?
- Olha o machismo. Minha boca foi mais
rápida que meu cérebro.
- Enfia o seu deboche no cu! NO CU!
Enfia e roda! E não me venha com esse papinho de que não me traiu.
- Mas eu não te traí. Para te trair, é
necessário que tenhamos um relacionamento.
- E não temos um relacionamento? Vai ser
escroto ao ponto de entrar em especificações técnicas do relacionamento? O que
temos então?
- Sei lá! Estamos saindo. Estamos nos
conhecendo. Só que em nenhum momento anunciamos que estamos em um
relacionamento oficial exclusivo. Portanto, sem relacionamento oficial
exclusivo, não existe traição.
- Você vai ser mesmo filho da puta ao
ponto de tentar se safar tecnicamente dessa cachorrada que me fez, né?
Preciso reconhecer que foi muita
covardia colocar na mesa um argumento desse tipo. Algo tirado do fundo do poço
de tão baixo. Não, não me via num relacionamento com a Juliana. Muito pelo
contrário. Estava me sentindo em uma conveniência mútua de puro comodismo
movida por motivações de sentimentos equivocados. Ela, para mim, era como o
Santo Graal. A aluna séria que jamais sairia com um cara como eu,
principalmente sendo seu professor. Não sei por parte dela qual a motivação que
a fazia querer se envolver comigo de maneira tão fria.
- Que relação fria? – Juliana perguntou
demonstrando mais desespero ainda. – De onde você está tirando isso?
- Bem... – fiz uma pausa e olhei a
Tatiana sentada passivamente com as sobrancelhas levantadas como quem pede para
prosseguir e saciar sua sádica satisfação com aquela cena. – De onde tirei
isso? Baby, nosso relacionamento parece um caso de pessoas casadas. Eu pareço
seu amante.
- Meu Deus! Meu Deus! – Juliana se
descabelava mais a cada exclamação feita. – Você é muito mais maluco do que eu
imaginava. De onde você tira essas coisas?
- De onde? Ora, sejamos sinceros, não é mesmo?
Quantas vezes andamos na rua de mãos dadas? Quantas vezes fizemos um programa
em local público? Tudo que fazemos é nos encontrar por aqui. No máximo, vamos
ao restaurante da esquina comer algo e voltamos. Se isso não parece um caso de
amantes, então não sei de nada dessa vida.
- Tatiana – Juliana se vira para a
Tatiana. – Preciso da sua ajuda aqui porque ele é muito pior do que eu
imaginava. Isso é sério mesmo? Ele comentou com você sobre isso? Já que vocês
conversam sobre tudo, inclusive nossas peripécias sexuais, ele falou com você
sobre essa leitura torta do nosso relacionamento que sei lá como ele prefere
chamar?
Os breves segundos de silêncio da
Tatiana foram suficientes para acusar que ela consentia com a minha versão.
Quero dizer, que ela tinha ciência de tudo aquilo que tinha dito para a
Juliana. Ela interrompeu seu próprio silêncio com uma longa respirada. Em
seguida, confirmou verbalmente.
- E você não acha que isso é loucura
dele? – Juliana perguntou mais uma vez para a Tatiana.
- Sendo bem sincera, eu achei isso
estranho. Só que precisava ouvir a sua versão para ter uma opinião melhor
formada. É isso mesmo que ele disse? A programação de vocês se limita a isso?
- Sim, ele não mentiu, mas... – Tatiana
interrompeu a Juliana que confirmava a minha versão.
- Ora, se era isso mesmo, ele tem razão
para achar que tem algo de estranho. Lembro que ele comentou algo sobre
desconfiar que você tinha vergonha dele.
- VERGONHA? – Juliana riu depois do seu
próprio grito. – Quero dizer, ele me fez passar vergonha muitas vezes. Por
sorte, quando acontecia, estávamos aqui a sós. Tirando isso, não tenho vergonha
dele. Que absurdo! Todos no colégio sabiam que flertávamos sempre. Caso tivesse
vergonha dele, teria cortado logo de cara para minimizar a minha fama.
- Então me explica o motivo de tanta
reclusão comigo. Por que publicamente não existimos? Por que nosso
relacionamento se limita a esse apartamento de cinquenta metros quadrados?
- Por quê? Isso não é óbvio para você?
Porque me sinto intimidada. Você é uns dez anos mais velho do que eu. Você foi
meu professor. Consegue imaginar o quanto é difícil para mim?
- Eu sabia – Tatiana foi pontual
enquanto Juliana prosseguia.
- Não bastante, você é meu segundo
namorado. Quero dizer... – Juliana fez uma pausa, balançou as mãos no ar e prosseguiu.
– Sei lá! Não sei mais o que somos, mas sei que você é o número dois. É isso, apenas
posso dizer que você é o meu segundo. O segundo cara na minha vida. O primeiro
foi um namorico de adolescência que sequer durou um ano. Perdi a virgindade com
ele, mas foi só isso. Você agora é a segunda pessoa na minha vida. Ou o
primeiro homem. Bem, nem sei mais se posso te chamar de homem depois disso
tudo. Digo, no sentido de adulto, não de masculino, antes que fique ofendido.
Estou perdida. Queria estar com você, mas não sabia como fazer. Se fosse para
ficarmos trancados dentro da sua casa como vinha acontecendo toda semana, por
mim estava ótimo. Afinal, estava com você. Se me chamasse para ir ao cinema,
iria. O mesmo com praia, shopping, parque, até circo fuleiro lá da Pavuna. Não
te dava a mão nas poucas vezes que estávamos na rua exatamente por isso. Não
sabia se era para darmos as mãos. Só que, se você me desse, eu não soltaria
nunca mais. Apesar de preferir que andasse abraçado a mim. Está satisfeito
agora? Está explicado? Porque eu sequer precisava me explicar para você depois
de tudo que ouvi hoje. Cada dia ao seu lado é um esforço enorme para te
acompanhar e ao final recebo isso. Você não tem ideia do quanto é complicado
tentar te acompanhar conforme os copos vão sendo virados. Como te disse, você
foi meu segundo. Minha segunda transa foi com você. Isso para mim já é algo
complexo demais para ficar totalmente confortável. Daí, você vem cheio de
coisinhas. Fala sacanagem, me joga para lá, me aperta. Claro que com o tempo
iria curtir. É sua forma peculiar de demonstrar o quanto me deseja. Só que, na
segunda transa da vida, isso assusta, e muito. Eu não tinha vergonha de você.
Nunca tive. Sempre te achei um cara genial, ainda mais com esse jeito
desastrado de ser. Eu estava em pânico. Queria conseguir te acompanhar. Nem
sempre é fácil. Tem vezes, que ao se deparar com algo novo, ao invés de nos adaptarmos,
travamos. Eu travei. Eu queria ser a musa sexual que você tentava fazer com que
me sentisse. Queria mesmo. Era algo novo demais. Tudo que conseguia era ser uma
boneca. Um brinquedinho. Ainda assim, você se esquecia que sou mais do que um
corpo para lamber, apertar, beijar e enfiar esse pau ansioso. Eu sou uma companhia
também. E você sabe bem disso porque, no início, era tudo que éramos um para o
outro. Virtualmente, na maior parte do tempo, eu assumo, mas éramos. Tínhamos
conversas, cumplicidade, interação. Tudo bem que às vezes você descambava para
as coisas com duplo sentido. Era engraçado, confesso. Acabava jogando sua
mentalidade para mais próxima da minha e me sentia confortável. Ou menos
desconfortável. Enfim, eu estava em pânico. Agora, não sei mais. Acho que estou
horrorizada com a pessoa que você é. Eu ouvia falar das suas bebedeiras e
maluquices, contudo, imaginava que eram situações apenas engraçadas. Não sei.
Vai ver sou muito inocente. A minha vida social não me proporcionou amigos que
transam em banheiro de festa com mulheres desconhecidas.
- Ou com diretoras de colégio na
secretaria.
- TATIANA! – Gritei.
- O que ela disse? – Juliana fez a pergunta
no automático, pois tinha entendido perfeitamente o que Tatiana falou. – A
Verônica? Jura? Aquela mulher mesquinha? Que nojo! Não me fale que foi durante
a época em que estávamos juntos. Nem precisa responder. É indiferente. Foi a
cereja do bolo. Mesmo assustada com nosso relacionamento, esperava que você me
calejasse para a vida. Jamais imaginaria que me deixaria calejada para as
coisas ruins da vida. Você não me deu experiências, mas cicatrizes que me
lembrarão de erros que nunca mais cometerei. Adeus. Não me procure, por favor.
Juliana se levantou e foi até a porta.
Quando segurou na maçaneta, ela refugou por alguns segundos. Não, ela não olhou
para trás. Juliana apenas respirou fundo, e encarando ainda para a porta, disse
que me odiava e que jamais passaria pela sua cabeça que um dia teria tal
sentimento por mim. Daí, a porta foi aberta e ela foi embora sem fechar. Não
quis correr o risco de ter de olhar para trás. Em um corredor silencioso,
Juliana foi embora sem fazer barulho algum. Sem deixar rastros de que um dia
esteve ali. Eu podia sentir que era o fim. A minha certeza disso era tão grande
quanto a da que tinha quando sabia que um dia estaria com ela.
Éramos agora eu e Tatiana na sala. Levantei-me,
fechei a porta e sentei-me ao lado dela. Tatiana se levantou, foi até a
estante, retirou o livro que me deu de presente e colocou em sua bolsa. Depois
disso, não fez mais movimento algum. Não sabia se estava pronta para ir embora
e esperava que eu dissesse algo. Ela também poderia estar tomando coragem para
dizer algo. Resolvi quebrar o silêncio:
- Satisfeita?
- Ah, para o inferno! Se te consola, isso
não era o meu plano quando saí rumo à sua casa. Não tinha isso em mente.
- Pelo menos, agora pode dizer que
conseguiu empatar a minha fodida na sua vida fodendo com a minha.
- Pois saiba que está muito longe de
empatar ainda.
Ela foi até o meu quarto e se sentou na
beira da cama. Visivelmente, Tatiana não iria embora naquele momento. Com certeza,
não iria embora tão cedo. Muita coisa foi dita e tínhamos muito por acertar.
Próximo capítulo em breve