sexta-feira, 25 de julho de 2014

Entrevista de matar



Com exclusividade, pela primeira vez na história, nosso repórter conseguiu uma entrevista com a entidade mais temida de todas. Na reportagem de hoje, teremos um bate-papo com a Morte.
Repórter: Gostaria de iniciar agradecendo a sua presença, pois sabemos o quanto você é ocupada. Aliás, devemos nos remeter a você no feminino ou no masculino?
Morte: Bem, não deveria usar nem um, nem o outro. Por isso prefiro o inglês, pois sou um autêntico “it’. De qualquer forma, pode usar o feminino mesmo, fica mais elegante e charmoso.
Repórter: A primeira coisa que deve ficar clara é que, com você aqui, podemos de fato comprovar que você de fato existe.
Morte: Mas como assim? É claro que eu existo. A partir do momento que a moça faz o xixi naquele pauzinho, aparece a cor rosa dando que é positivo, a única certeza que aquele ser terá é que um dia vai morrer.
Repórter: Sim, não duvidamos disso. Talvez tenha me expressado mal. Quando digo você existir, falo literalmente da personalidade, da entidade, do ser. Até então, a imagem da morte como alguém que visita todas as pessoas nos seus últimos momentos de vida era algo difícil de acreditar. É como crer que existe Papai Noel e que ele visita todos os lares na noite de Natal.
Morte: Mas como assim? Você está me dizendo que Papai Noel não existe?
Repórter: Er... Na verdade quero focar em como faz para visitar todas as pessoas no final da vida delas.
Morte: Bem, eu costumo viajar em velocidades inimagináveis. Para que se tenha uma ideia, enquanto construía a sua última frase, estive em 185 lugares diferentes, levei 245 pessoas comigo e voltei. Inclusive sua tia Alzira.
Repórter: Oh não! Pobre Alzira.
Morte: Ela já era bem velhinha. Convenhamos.
Repórter: Tem razão. Mamãe vai ficar arrasada. Seguindo... Diga-me como começou nessa carreira.
Morte: Minha primeira oportunidade foi como incentivador de apedrejamentos. Como sabe, esse era um ritual muito comum há séculos. Meu papel era ficar estimulando as pessoas para que não parassem, inclusive, quando acabavam as pedras, eu conseguia mais. De fato, eu era sensacional nisso. Tanto que o patrão reconheceu e...
Repórter: Peraí! Patrão? Está falando de Deus?
Morte: Sim, ele mesmo. Meu chefe, patrão, o cara que manda, o dono de tudo, o pica das galáxias. Então... Ele reconheceu meu talento e me chamou para conversar. Naquela época, ele era ainda a versão do Antigo Testamento, colérico, vingativo, sádico e provocador do caos. Ele disse que queria montar um grupo de quatro entidades que se chamaria os Cavaleiros do Apocalipse. Esse grupo seria formado pelas quatro piores coisas que já pisaram na Terra. A formação original era composta por mim, a Morte, Time do Flamengo, Pagode e Operadores de Telemarketing. Mas daí, ele remodelou o projeto para algo menos aterrorizante chegando à formação que todos conhecem.
Repórter: Você sabe quantas pessoas levou até hoje?
Morte: Sim, mas é um número que não é possível expressar usando a matemática que conhecem.
Repórter: E se lembra de todos?
Morte: De todos que levei, sim. De todos que tenho de levar não.
Repórter: Você se esquece de levar pessoas?
Morte: Sim! Como explicar a Hebe ter vivido tanto tempo?
Repórter: Faz sentido. O Silvio Santos e o Cid Moreira também são casos esquecidos?
Morte: Não! O Silvio continua por escolha minha. Depois do Datena e todas aquelas tragédias, ele é meu programa favorito. Já o Cid, eu sou proibido de levar. Ele faz divulgação de material do patrão e aí já viu, né? Protegido e tal. Ninguém mexe com ele.
Repórter: Já que falou de protegido, vamos conversar sobre a Faixa de Gaza que é um tema do momento. Ali deveria ser um local protegido, mas aparentemente você tem atuado enfaticamente?
Morte: Eu não tenho relação alguma com aquele lugar. Ele fica fora da minha jurisdição.
Repórter: Pensei que trabalhava por todo o planeta. Existe isso de jurisdição?
Morte: Sim, existem alguns lugares que não me envolvo. Faixa de Gaza, Afeganistão, alguns países da África e Pavuna. Lá na Faixa de Gaza é por conta de todo um problema religioso. Sempre que levava alguém, aparecia uma dúzia de entidades metidas a superior para resmungar com o patrão. Era uma encheção de saco. Daí o chefe ficou puto e falou “para de se meter naquele lugar, deixe com aqueles teimosos que acham que conseguem se entender sozinhos”.
Repórter: Imagino que no Afeganistão seja a mesma coisa.
Morte: É parecido, mas não a mesma coisa. O problema lá basicamente é o chato do Alá. Ele promete uma porrada de coisas, os caras ficam se explodindo antes que eu chegue e depois pedem o que ele prometeu. Ah caceta! Que peçam para ele! Mas não! Ele sempre foge da raia e se faz de morto. O que é uma ironia na minha presença.
Repórter: E os países da África?
Morte: Ah, lá é de cortar o coração que não tenho. Tanta fome, pobreza, doença que nem tenho coragem de aparecer. Até porque, mesmo sem aparecer por lá, morrem dúzias por dia.
Repórter: E a Pavuna?
Morte: Já foi lá? Nem a porrada que coloco meus pés lá. Aquilo é uma desgraça na vida de uma pessoa.
Repórter: Ok, vamos falar de outras coisas atuais então. E esses aviões caindo e sumindo?
Morte: Confesso que desastre de avião não me agrada. É trabalho porco e preguiçoso. Mesmo assim, existem épocas do ano que estou longe da minha meta. Aí não dá! Preciso agilizar o resultado, né? Então apelo para avião, transatlântico com comandante italiano covarde, final de campeonato entre Flamengo e Vasco. Tudo que gere muitas mortes.
Repórter: Quem diria que você tem metas?
Morte: Sim, tenho. É muita pressão. Tem semanas que mal consigo dormir.
Repórter: Você dorme?
Morte: Não, foi uma piadinha, mas você não acompanhou. Prossiga!
Repórter: Ainda de atualidades. Por que levou três escritores brasileiros em uma distância tão curta de tempo? Ariano, Ruben e João Ubaldo de uma só vez não é demais?
Morte: Ora, eles não iriam fazer falta.
Repórter: Como não? São excelentes escritores aclamados pela crítica.
Morte: Ora, convenhamos. No seu país são poucas as pessoas que ainda leem livros. A molecada de hoje em dia só quer saber de Facebook. A única coisa que eles leem é manchete do Meia Hora e olhe lá. E ainda mais, estava de saco cheio desse título bobo de imortal. Peguei logo três para mostrar que de imortal eles não têm nada.
Repórter: Mas se for para pensar assim, podia ter levado o Sarney.
Morte: Mas ele não é querido por aí?
Repórter: Claro que não!
Morte: Não? Todo dia alguém fala sobre ele no Facebook e Twitter. O povo continua votando nele e por isso permanece onde está. Como que ele não é querido?
Repórter: É, faz sentido nessa perspectiva. Ainda sobre mortes coletivas em algumas áreas, lembro que levou um grupo de profissionais do esporte recentemente.
Morte: Sim, foram alguns. Luciano do Valle, aquele repórter da Globo que foi para a Record que posso até falar o nome, mas só vão reconhecer falando assim, o doutor Osmar, a dupla de ataque do Fluminense Casal 20, Kajuru...
Repórter: Epa! Kajuru? Ele não morreu, não? Eu vi um programa dele hoje.
Morte: Acredite, ele morreu. Basta olhar para ele. Só que o bicho é tão chato, tão mala, tão cricri, que o rejeitaram e o patrão autorizou que ele ficasse vagando por aqui.
Repórter: E qual o motivo para ter levado eles?
Morte: Eles que pediram. Eles imaginavam a vergonha que seria a Copa e daí imploraram para ir embora e não testemunhar aquele vexame.
Repórter: E você atende ao pedido de todos?
Morte: Claro que não! Imagine só, Brasil perdendo de 7, Vasco rebaixado duas vezes e Fluminense na terceira divisão. Se atendesse a todos os pedidos isso aqui estaria um deserto.
Repórter: Existe alguma morte que se orgulhe?
Morte: Sim, as misteriosas são minhas favoritas. Pessoas que somem, corpos sem evidência. Teve uma com potencial para ser perfeita. A morte do Tancredo Neves. Mas nos quarenta e cinco do segundo tempo apareceu a Gloria Maria e fudeu com tudo. Só de sacanagem fiz uma meia morte nela. Agora ela fica por aí, meio morta, meio viva, parecendo uma múmia de Botox.
Repórter: Todos têm a imagem da morte como um esqueleto humano com lençol preto cobrindo todo o corpo e uma foice na mão.
Morte: Essa é a imagem que o Maurício de Souza me popularizou. Até acho bonitinha, mas preciso passar algo mais imponente. Preciso causar impacto. Alguns filmes insistem em querer vender a minha imagem com algo poético. Não existe poesia na morte. Poesia é para as meninas abrirem as pernas e só.
Repórter: Pois bem, morte, adorei a conversa. Podemos marcar ao final do ano uma nova entrevista fazendo uma retrospectiva das mortes mais importantes do ano?
Morte: Claro que pode! Só que você precisa ter certeza que estará por aqui até o final do ano. Afinal, nunca se sabe, né? Ainda mais depois de me contar que Papai Noel não existe.