sexta-feira, 18 de julho de 2014

A casa dos Malavazi 1.2



- Que sala grande!
A observação de Julia foi a mesma que provocou a reação de Sandra e Marlene fazendo com que exclamassem a mesma coisa juntas. Era uma sala enorme, maior que muito apartamento. Com boa vontade, era possível fazer até quatro ambientes separados sem deixar os móveis apertados. Obviamente estava vazia de mobília. Seu piso exigia um novo tratamento de sinteco, assim como as paredes urgiam de reboco e tinta.
- Isso é uma espelunca – esbravejou Artur assim que entrou por último.
- CHEGA, ARTUR – grita Sandra. – CHEGA! Estou cansada dessa rebeldia desnecessária. Nada te faz feliz, nada te satisfaz. Tudo que sabe é reclamar, colocar defeito, destratar os outros. Cansei! Se não tem algo de bom para falar, fique calado.
O clima fica ruim na sala. Marlene que, apesar de ser uma pessoa de pouca instrução, é bastante safa para as coisas do dia-a-dia, vai para outro cômodo com Julia no colo para que ela não veja a bronca que a mãe dava no Artur. Ela abre a primeira porta e entra, trata-se da cozinha e fica pasma com o que vê.
- Não sou obrigado a aceitar tudo que me impõem – rebate Artur. – A vida não funciona assim.
- Funcionam, sim – Sandra se impõe com o dedo em riste. – A vida não é como seu maldito videogame em que você aperta os botões e acontece exatamente o que você quer que aconteça. A vida, mocinho, não é como Facebook, em que você pode escrever qualquer porcaria e sua patotinha vai curtir e comentar dando corda. Não, não é mesmo. Acredite! A vida é muito pior e injusta. Muito mais do que imagina. E se acha que se mudar para um bairro longe dos seus amiguinhos, ou longe do shopping onde você gastava a tarde inteira fazendo nada, é a pior coisa que pode lhe acontecer, você está muito enganado. Existem coisas muito piores, como ser mãe, esposa, patroa e sensata ao mesmo tempo.
A fala de Sandra é interrompida por uma pancada seca e alta: TUM! Vagner e Sandra se assustam e correm na direção da porta em que Marlene entrou com Julia. Vagner é o primeiro a entrar perguntando se está tudo bem. Marlene responde que sim.
- Mas é que ouvimos – Vagner não consegue completar a frase porque Marlene está muito empolgada com o que vê.
- Patroa, olha essa cozinha – diz ela apontando para todos os lados conforme vai comentando. – Olha o tamanho deste fogão. Deve ser industrial. E a geladeira. Olha essa bancada! E ainda posso pendurar as panelas sobre a bancada que nem aqueles programas de chef.
Sandra concorda, mas sequer consegue balbuciar algo de tão espantada. A cozinha é enorme, com tudo nela tão grande quanto deveria ser. Era possível fazer comida para alimentar um batalhão ali. Ainda assim, ela retoma o fôlego do esporro, do susto e da boa surpresa com a cozinha:
- Marlene, seu sonho de fazer comida para fora e ganhar dinheiro extra vai se realizar.
Além de concordar com a patroa, Marlene se empolga com o cenário, com a possibilidade, com tudo. Tamanha é a sua empolgação, que ela deixa Julia sobre a bancada central da cozinha e começar a planejar coisas em voz alta. Cardápio, pratos, a logística de como vai funcionar, horários. Faz tudo isso de frente para o fogão, como se fosse um general em frente ao grande mapa da guerra planejando o próximo movimento de suas tropas. Vagner e Sandra, logo atrás dela, se cutucam concordando com a felicidade dela. A cena é ingênua, mas ao mesmo tempo cheia de emoção e sincera. Marlene chega ao auge do seu raciocínio quando é interrompida por uma sequência de novas pancadas secas e altas: Tum! Tum! Tum! Tum! Tum!
- ARTUR – grita Sandra. – AGORA ESTÁ SENDO INFANTIL. PARE DE ANDAR PELA CASA BATENDO OS PÉS NO CHÃO!
- Mas estou aqui – responde ele.
Os adultos se viram para trás e lá está ele, sentado em um balcão ao lado da porta por onde entraram. Os três então se entreolham assustados, enquanto Julia finalmente se vira também e, ao ver Artur, o chama pelo nome. Ele repete o próprio nome para ela em voz alta, mas prolongando a última sílaba como a sonoplastia de filmes de fantasmas de baixo orçamento.
- Pare, Artur. Pela sua irmã, pare – diz Sandra logo depois se virando para Vagner. – Será que veio daquela porta?
Ela se refere a uma pequena porta no meio de uma das paredes. Ela, além de pequena, é baixa. Vagner se aproxima dela e Sandra pergunta se ele sabe o que tem ali. Ele diz não saber, pois a primeira e única vez que esteve na casa, foi tudo muito rápido.
- É ali que escondem os corpos – fala Artur.
- Já disse para parar, Artur. Coisa mais estúpida.
- Estúpida, mãe? Vocês escutaram um barulho estranho, não sabem do que se trata, ao invés de fugir, querem ir atrás e minha brincadeira para tentar quebrar a tensão é estúpida?
- Sabe, patroa – diz Marlene enquanto pega Julia no colo e circula o balcão central da cozinha para se posicionar no ponto mais oposto possível da porta. – Isso me dói muito, mas tenho que concordar com o garoto problema.
- É garoto enxaqueca, Marlene – Sandra a corrige. – E não tem nada de estúpido em checar do que se trata. Provavelmente foi apenas um gato preso atrás dessa porta.
- Um gato, patroa? Com esse barulho, é mais fácil ter sido um touro.
Vagner gesticula com a mão para que façam silêncio. Ele está com a mão na maçaneta e quando vai começar a abrir, Artur fala: “Outro gato!”. Todos olham sérios para ele que batendo os ombros diz:
- Ih, esqueci que nunca assistiram Chaves na vida.
Vagner enfim abre a porta. Nada! É uma despensa, daquelas que você consegue entrar e dar uns três ou quatro passos dentro, com prateleiras por todos os lados. Está completamente vazia. Nem uma lata sequer.
As atenções então se voltam para a terceira porta na cozinha localizada na parede oposta da porta por onde entraram. É uma porta comum de acesso provavelmente a outro cômodo e, como todas as outras da casa, totalmente maciça, sem a chance de prever o que está por trás dela. Vagner, mesmo não querendo fazer suspense, se dirige até ela vagarosamente. Sandra então toma sua frente, coloca a mão na maçaneta e abre.
- MARLENE, MULHER! VENHA VER ISSO!
É um pátio enorme nos fundos da casa. Além de possuir o mesmo comprimento do muro da rua, ele deve ter, no mínimo, o dobro de largura. Ele tem o chão todo em cimento e diversas mesas de concreto com bancos também de concreto ao redor. Estranhamente, se olharmos como um todo, as mesas formam um círculo com um grande espaço ao meio, bem no centro do pátio. Nenhum deles se atenta para esse detalhe. Eles se espalham pelo quintal olhando as mesas. Marlene fala em voz alta que é possível fazer ali um bom restaurante popular a céu aberto. Sandra senta em uma das mesas e pergunta o que fazer com tantas. Vagner sugere abrir um bingo clandestino. Artur cogita sediar a copa do mundo de sueca. Julia apenas corre entre mesas e bancos.
- Vai voltar à caça de assombrações, mãe? – Pergunta Artur assim que a mãe se levanta da mesa e se encaminha para a porta por onde vieram.
- Não, seu bobo. Vou ver o resto da casa. Quero saber se ela consegue me surpreender mais ainda.
Ela finaliza a frase, abre a porta para voltar a cozinha e entra. Depois disso se escuta um grito de Sandra. Vagner e Marlene correm na direção da porta. Artur corre na direção de Julia. Marlene é a primeira a chegar à porta e também grita.
- O que foi? – Pergunta Vagner enquanto se aproxima às pressas. – O QUE FOI?
(Continua em 1.3)