O horror! O horror!
Romário
esperou algumas horas para falar sobre, eu esperei alguns dias. Mentira! Não
esperei coisa alguma, estava apenas tentando digerir esta massa que tanto
fermentava na minha garganta. Algo que ruminei por dias, mas só me causava azia
e refluxo.
Não
deveria ter orgulho de falar isso, mas lido muito bem com ressaca química. Sei evitá-la
com propriedade e, quando falha, no dia seguinte sei administrar, minimizando
aquela horrorosa sensação que nos faz desejar a própria morte. Já a ressaca
moral, esta sim é meu ponto fraco. Não sei como evitar, tampouco reduzir os
traumas posteriores. Ela acaba comigo, me destruindo a ponto não somente de
desejar a própria morte, mas de passar a acreditar em reencarnação só para
morrer mais algumas vezes depois.
Não
tinha a menor ideia de por onde começar, exceto pelo título do texto. Confesso
que é muito clichê, contudo, o caso em questão implorava por essa referência à
fala final do personagem Kurtz no clássico Coração das Trevas de Joseph Conrad:
“O horror! O horror!”. Depois disso, estava totalmente perdido sobre como
prosseguir no tema.
Obviamente,
como em tudo na minha vida, lidei com bom humor. Fiz graça, debochei, coloquei
pilha e até comemorei. Depois a sensação de anestesiado virou dormência, que em
seguida passou apenas para dor. Era inacreditável tal fato. Fomos atropelados
com um caminhão alemão e sequer anotamos a primeira letra da placa. Tinha tanta
coisa ruim em um só evento que a única coisa boa era a certeza que algumas
pessoas não estavam vivas para presenciá-la: Mario Filho, Nelson Rodrigues,
João Saldanha, Armando Nogueira, meus avôs, dentre outros.
Imagino
que alguém comentaria que se estivesse vivo, Barbosa ficaria, no mínimo,
aliviado com a sova que levamos. Apesar de soar grosseiro, é inevitável não
afirmar que, se você compara o estupro que a Alemanha nos deu nesta terça com o
Maracanazzo, você não entende coisa
alguma da história da Copa de 50.
A
tragédia envolvida na final de 50 está ligada diretamente ao evento que beira o
impossível, o acontecimento que ninguém esperava. Naquela Copa do Mundo, não
teve final. Foi um quadrangular no qual todas as equipes se enfrentavam entre
si e seria campeã a com mais pontos. Nosso primeiro adversário, a seleção da
Suécia, foi destruída pelo sugestivo e coincidente placar de 7x1. Depois,
enfrentamos a Espanha e a liquidamos por 6x1. Na última partida, bastava um
simples empate com a seleção do Uruguai, time considerado mais fraco dos três.
Durante a partida, foi um baile do Brasil. Mais de trinta chances de gol, além
da que convertida. A seleção do Uruguai só teve duas e as converteu. A segunda,
que sacramentou a nossa tragédia e crucificou Barbosa como grande culpado, foi
um dos maiores eventos de sorte já visto. Ghighia erra o chute pegando mal na
bola e surpreende Barbosa que fechava corretamente o ângulo visado no lance.
Para
se ter uma ideia do quanto era inesperado aquele evento, Jules Rimet,
ex-presidente da FIFA, em sua biografia fala sobre o ocorrido dizendo que,
enquanto caminhava para o túnel e se preparava para fazer a entrega da taça,
estranhou um silêncio geral no Maracanã tomado por mais de duzentos mil
brasileiros. Ele não entendia o que podia ter acontecido para provocar o
silêncio, pois derrota do Brasil era impensável. Não existem dúvidas que o Maracanazzo foi a maior tristeza de
nossas vidas no que se refere ao futebol. Jogamos como deveríamos jogar,
fizemos nosso papel e fomos destronados por um evento de sorte (para eles,
claro).
O
que aconteceu nesta terça sequer chega perto do Maracanazzo. É algo totalmente distante, que sequer provoca
tristeza. Não foi uma euforia transformada em choro coletivo. Foi uma cogitada
derrota transformada em humilhação histórica. A superioridade alemã em relação
ao time do Brasil era notória, cabia apenas aos jogadores se esforçarem para,
caso de derrota, honrar a camisa e minimizar o estrago ou, quem sabe, uma
impensada e heroica vitória. Nada disso ocorreu. Aliás, no que se refere ao
Brasil, literalmente nada ocorreu.
As
pessoas (leia-se imprensa esportiva e entendida), na tentativa de achar uma explicação,
insistem em procurar o Felipão, um dos principais culpados. E acreditem, na sua
explicação, ele espalha culpa para todos os lados, inclusive dizendo que a
torcida pode ter culpa também. Ora, a única culpa que a torcida possui é de não
vaiar em peso depois do terceiro gol e gritar “vergonha, time sem vergonha”,
para, quem sabe, os jogadores tentarem correr um pouquinho e sair da inércia.
Passado
o trauma, com a cabeça mais fria, mas ainda desprovido de capacidade
intelectual, Felipão desiste de distribuir culpa e fala em apagão geral por
seis minutos. Sabemos bem que não foi um apagão de seis minutos que aconteceu.
Todos viram que, de fato, o ocorrido foram sofridos sessenta minutos de
benevolência da seleção alemã que, depois de trinta minutos e cinco gols
feitos, desistiu de jogar para valer. No segundo tempo, inclusive, era notório
o constrangimento deles em atacar e marcar mais dois gols.
Não
sei quanto a vocês, mas, para mim, se a Alemanha continuasse naquele ritmo,
alcançaria fácil o segundo dígito ainda no primeiro tempo. Fora a possibilidade
do Müller quebrar o recorde do Klose e do Ronaldo na mesma partida.
O
fato é que, desde o início da partida até o sétimo gol, a Alemanha manteve a
mesma dedicação tática e o mesmo esforço em campo. Ironicamente o Brasil
também, mas no nível zero. Um rombo no meio de campo, o rapaz famoso por ser avantajado
fisicamente nos glúteos, mas inversamente provido de talento futebolístico insistia
em ficar escondido em uma ponta do campo, um atacante que não corre, não se
apresenta e sequer causa preocupação à zaga adversária, o suposto cérebro da
equipe jogando atrás dos volantes e com uma preguiça notável, uma zaga composta
por máquinas de emocionar sem capacidade de desarmar e laterais que não sabem
cruzar ou marcar formavam a cena daquela partida. Aliás, cena comum em todas as
partidas que a antecederam.
Sempre
falei que temos um time fraco. Sim, falo time! Recuso-me a usar o termo seleção
para esse bando de “inhos” e moleques preocupados com o penteado e/ou a roupa
que usam. Ganham uma fortuna e acham que chorar durante o hino é a maior prova
de patriotismo que podem dar. Fazem cara de mau quando entram em campo, dedicam
amor incondicional um ao outro, usam o momento do hino para promover “a união”
do grupo, inclusive com quem está fora por contusão, mas quando a bola rola,
voltam a ser burocratas bem pagos. Estão longe de ser uma seleção, aliás, a
última seleção brasileira que reconheço foi eliminada em 1986 com um improvável
Zico perdendo pênalti. De lá para cá, temos bandos esforçados com um ou dois
talentos perdidos ajudando. Por isso repito, é um time e nada além.
E
como se não bastasse a procura por explicações, existe também a procura pelo
herói, pelo pobre coitado, pelo que será absolvido da tragédia. Elegeram Davi Luiz,
aquele que ao final da partida aos prantos disse que queria apenas trazer
alegria ao povo dele. Pois bem, mas lembro-me que chorar depois dessa tragédia
era o mínimo que se esperava. Todos choraram! De vergonha, de raiva, de rir (o
caso dos argentinos, por exemplo). O Davi Luiz é um fofo por ter chorado tanto,
mas o brutamontes espancado e algemado na delegacia é engraçado. Nosso povo,
como diz o próprio Davi Luiz, é muito engraçado ao eleger heróis. Por mim, Davi
Luiz não seria um herói, mas receberia o título de homem mais corajoso do mundo.
Levar dois gols na sua marcação, sumir em outros três e depois aparecer para
dar entrevista requer muito colhão. Ou total falta de discernimento, que seja.
Só
nos resta agora torcer para não fecharmos a chamada Copa das Copas da maneira
mais melancólica possível, tomando outra sova (agora da Holanda) e ainda ver a
Argentina ser campeã mundial em pleno Maracanã. Ocorrendo isso, confesso que não
aguento nem um dia, tenho uma morte por parada digestiva ou cometo um suicídio
moral. Vejamos.