quinta-feira, 10 de julho de 2014

Amargura por Extenso



O horror! O horror!
Romário esperou algumas horas para falar sobre, eu esperei alguns dias. Mentira! Não esperei coisa alguma, estava apenas tentando digerir esta massa que tanto fermentava na minha garganta. Algo que ruminei por dias, mas só me causava azia e refluxo.
Não deveria ter orgulho de falar isso, mas lido muito bem com ressaca química. Sei evitá-la com propriedade e, quando falha, no dia seguinte sei administrar, minimizando aquela horrorosa sensação que nos faz desejar a própria morte. Já a ressaca moral, esta sim é meu ponto fraco. Não sei como evitar, tampouco reduzir os traumas posteriores. Ela acaba comigo, me destruindo a ponto não somente de desejar a própria morte, mas de passar a acreditar em reencarnação só para morrer mais algumas vezes depois.
Não tinha a menor ideia de por onde começar, exceto pelo título do texto. Confesso que é muito clichê, contudo, o caso em questão implorava por essa referência à fala final do personagem Kurtz no clássico Coração das Trevas de Joseph Conrad: “O horror! O horror!”. Depois disso, estava totalmente perdido sobre como prosseguir no tema.
Obviamente, como em tudo na minha vida, lidei com bom humor. Fiz graça, debochei, coloquei pilha e até comemorei. Depois a sensação de anestesiado virou dormência, que em seguida passou apenas para dor. Era inacreditável tal fato. Fomos atropelados com um caminhão alemão e sequer anotamos a primeira letra da placa. Tinha tanta coisa ruim em um só evento que a única coisa boa era a certeza que algumas pessoas não estavam vivas para presenciá-la: Mario Filho, Nelson Rodrigues, João Saldanha, Armando Nogueira, meus avôs, dentre outros.
Imagino que alguém comentaria que se estivesse vivo, Barbosa ficaria, no mínimo, aliviado com a sova que levamos. Apesar de soar grosseiro, é inevitável não afirmar que, se você compara o estupro que a Alemanha nos deu nesta terça com o Maracanazzo, você não entende coisa alguma da história da Copa de 50.
A tragédia envolvida na final de 50 está ligada diretamente ao evento que beira o impossível, o acontecimento que ninguém esperava. Naquela Copa do Mundo, não teve final. Foi um quadrangular no qual todas as equipes se enfrentavam entre si e seria campeã a com mais pontos. Nosso primeiro adversário, a seleção da Suécia, foi destruída pelo sugestivo e coincidente placar de 7x1. Depois, enfrentamos a Espanha e a liquidamos por 6x1. Na última partida, bastava um simples empate com a seleção do Uruguai, time considerado mais fraco dos três. Durante a partida, foi um baile do Brasil. Mais de trinta chances de gol, além da que convertida. A seleção do Uruguai só teve duas e as converteu. A segunda, que sacramentou a nossa tragédia e crucificou Barbosa como grande culpado, foi um dos maiores eventos de sorte já visto. Ghighia erra o chute pegando mal na bola e surpreende Barbosa que fechava corretamente o ângulo visado no lance.
Para se ter uma ideia do quanto era inesperado aquele evento, Jules Rimet, ex-presidente da FIFA, em sua biografia fala sobre o ocorrido dizendo que, enquanto caminhava para o túnel e se preparava para fazer a entrega da taça, estranhou um silêncio geral no Maracanã tomado por mais de duzentos mil brasileiros. Ele não entendia o que podia ter acontecido para provocar o silêncio, pois derrota do Brasil era impensável. Não existem dúvidas que o Maracanazzo foi a maior tristeza de nossas vidas no que se refere ao futebol. Jogamos como deveríamos jogar, fizemos nosso papel e fomos destronados por um evento de sorte (para eles, claro).
O que aconteceu nesta terça sequer chega perto do Maracanazzo. É algo totalmente distante, que sequer provoca tristeza. Não foi uma euforia transformada em choro coletivo. Foi uma cogitada derrota transformada em humilhação histórica. A superioridade alemã em relação ao time do Brasil era notória, cabia apenas aos jogadores se esforçarem para, caso de derrota, honrar a camisa e minimizar o estrago ou, quem sabe, uma impensada e heroica vitória. Nada disso ocorreu. Aliás, no que se refere ao Brasil, literalmente nada ocorreu.
As pessoas (leia-se imprensa esportiva e entendida), na tentativa de achar uma explicação, insistem em procurar o Felipão, um dos principais culpados. E acreditem, na sua explicação, ele espalha culpa para todos os lados, inclusive dizendo que a torcida pode ter culpa também. Ora, a única culpa que a torcida possui é de não vaiar em peso depois do terceiro gol e gritar “vergonha, time sem vergonha”, para, quem sabe, os jogadores tentarem correr um pouquinho e sair da inércia.
Passado o trauma, com a cabeça mais fria, mas ainda desprovido de capacidade intelectual, Felipão desiste de distribuir culpa e fala em apagão geral por seis minutos. Sabemos bem que não foi um apagão de seis minutos que aconteceu. Todos viram que, de fato, o ocorrido foram sofridos sessenta minutos de benevolência da seleção alemã que, depois de trinta minutos e cinco gols feitos, desistiu de jogar para valer. No segundo tempo, inclusive, era notório o constrangimento deles em atacar e marcar mais dois gols.
Não sei quanto a vocês, mas, para mim, se a Alemanha continuasse naquele ritmo, alcançaria fácil o segundo dígito ainda no primeiro tempo. Fora a possibilidade do Müller quebrar o recorde do Klose e do Ronaldo na mesma partida.
O fato é que, desde o início da partida até o sétimo gol, a Alemanha manteve a mesma dedicação tática e o mesmo esforço em campo. Ironicamente o Brasil também, mas no nível zero. Um rombo no meio de campo, o rapaz famoso por ser avantajado fisicamente nos glúteos, mas inversamente provido de talento futebolístico insistia em ficar escondido em uma ponta do campo, um atacante que não corre, não se apresenta e sequer causa preocupação à zaga adversária, o suposto cérebro da equipe jogando atrás dos volantes e com uma preguiça notável, uma zaga composta por máquinas de emocionar sem capacidade de desarmar e laterais que não sabem cruzar ou marcar formavam a cena daquela partida. Aliás, cena comum em todas as partidas que a antecederam.
Sempre falei que temos um time fraco. Sim, falo time! Recuso-me a usar o termo seleção para esse bando de “inhos” e moleques preocupados com o penteado e/ou a roupa que usam. Ganham uma fortuna e acham que chorar durante o hino é a maior prova de patriotismo que podem dar. Fazem cara de mau quando entram em campo, dedicam amor incondicional um ao outro, usam o momento do hino para promover “a união” do grupo, inclusive com quem está fora por contusão, mas quando a bola rola, voltam a ser burocratas bem pagos. Estão longe de ser uma seleção, aliás, a última seleção brasileira que reconheço foi eliminada em 1986 com um improvável Zico perdendo pênalti. De lá para cá, temos bandos esforçados com um ou dois talentos perdidos ajudando. Por isso repito, é um time e nada além.
E como se não bastasse a procura por explicações, existe também a procura pelo herói, pelo pobre coitado, pelo que será absolvido da tragédia. Elegeram Davi Luiz, aquele que ao final da partida aos prantos disse que queria apenas trazer alegria ao povo dele. Pois bem, mas lembro-me que chorar depois dessa tragédia era o mínimo que se esperava. Todos choraram! De vergonha, de raiva, de rir (o caso dos argentinos, por exemplo). O Davi Luiz é um fofo por ter chorado tanto, mas o brutamontes espancado e algemado na delegacia é engraçado. Nosso povo, como diz o próprio Davi Luiz, é muito engraçado ao eleger heróis. Por mim, Davi Luiz não seria um herói, mas receberia o título de homem mais corajoso do mundo. Levar dois gols na sua marcação, sumir em outros três e depois aparecer para dar entrevista requer muito colhão. Ou total falta de discernimento, que seja.
Só nos resta agora torcer para não fecharmos a chamada Copa das Copas da maneira mais melancólica possível, tomando outra sova (agora da Holanda) e ainda ver a Argentina ser campeã mundial em pleno Maracanã. Ocorrendo isso, confesso que não aguento nem um dia, tenho uma morte por parada digestiva ou cometo um suicídio moral. Vejamos.