Ai que delícia! Ai que brinde! Ai que decepção!
Uma das polêmicas mais banais que já vi
sobre comida, e nesse ponto leia-se gordices, é sobre o artifício de conquistar
o consumidor infantil com brindes na compra de algo. Mc Donald’s usa
frequentemente esse recurso e não é ali que está o problema, até mesmo porque,
olhando para a minha timeline, só vejo galalau desesperado atrás de brindes do
Mc Lanche Feliz supostamente esgotados para completar a coleção.
Engana-se quem pensa que com brindes
você cria uma criança dependente de comidas ruins e açúcar. Uma família com má
alimentação e dieta nada regrada de açúcar que cria uma criança assim. Eu sou
um caso de que uma coisa nada tem a ver com a outra. Sempre tive uma relação
ruim com brindes e ainda assim sou viciado em açúcar (chocolate
principalmente), além de priorizar sempre a pior alimentação possível.
Na minha infância, a relação gordice e
brinde não era tão sofisticada como é hoje em dia. A lembrança mais antiga que
tenho remete ao biscoito de chocolate que hoje leva o nome de Bono. Naquela
época, ele nem tinha nome, era apenas biscoito de chocolate da São Luiz. Já o
brinde era um adesivo daqueles fofos (no sentido de apertar e afundar mesmo) da
Turma do Snoopy. Confesso que comi muitos pacotes, mas nunca completei a
coleção. Eram sempre os mesmo que apareciam: Lucy, Marcie e Paty Pimentinha.
Como não ligava muito para brindes, só queria mesmo comer o biscoito, aquilo
não me incomodava tanto.
Passado um tempo, veio o chocolate
Surpresa. O nome é obviamente explicado por trazer uma surpresa, cuja, diga-se
de passagem, era de uma pobreza sem tamanho: um cartão com a foto de um animal
e informações sobre ele na parte de trás. Se fosse hoje em dia, isso seria
motivo para um filho dessa geração bunda-mole justificar um trauma e sair
matando todos os coleguinhas na escola, somente porque ganhou um brinde ridículo
dos pais. Mais uma vez, minha relação com os brindes não era a melhor de todas.
O brinde do chocolate Surpresa era voltado para algum assunto em específico em
cada época do ano. Tivemos Feras da África, Animais do Cerrado, Mundo Marinho e
por aí vai. Na época de Animais do Cerrado, sempre tirava o veado campeiro.
Quando foi Feras da África, revezava entre gazela e antílope, mas
esporadicamente aparecia um gnu, que nada mais do que uma gazela metrossexual
bombada com chifres estilo Lady Gaga. Na época do Mundo Marinho era a minha
chance de tirar algo um pouco diferente, mas, aparentemente, a diversidade dos
setes mares também é grande o suficiente para me pregar peças. Quando achava se
tratar da oportunidade de tirar um temido tubarão branco ou o cobiçado marlin
azul, me apareciam a estrela-do-mar, a moréia e o peixe-espada (que nem é tão
másculo quanto o nome sugere).
Na época em que o Kinder Ovo chegou ao
mercado, eu já era suficientemente viciado em chocolate para me abalar com
brindes ruins e, convenhamos, esses eram o piores. Não que sejam de baixa
qualidade ou não existia interesse nos temas que eles escolhiam. Não! Muito
pelo contrário! Vi diversos conhecidos colecionando miniaturas da
Hanna-Barbera, veículos bem transados de todos os tipos, peças que quando
reunidas formavam robôs irados e até personagens de mundos fantasiosos de elfos
e ogros. Mas comigo, bem, comigo nada disto aparecia. Comigo era sempre peça
para montar uma réplica da Barbie. Eu podia comprar uma caixa fechada com 50
Kinder Ovo (seria o plural Kinderes Ovos?) que não sairia, sequer, um brinde
diferente de uma peça para montar a cópia fajuta da Barbie. Se comprasse por
teimosia a caixa com 50 unidades, ao final teria uma Barbie feia de três metros
de altura.
Era claro que alguma entidade
relacionada a chocolate e brindes estava tentando me mandar alguma mensagem
subliminar. Até mesmo para alguém da minha idade na época isso estava bem
óbvio, tanto que passei a observar melhor a rotina das outras pessoas para
tentar identificar em qual gordice teria mais sorte com os brindes. Foi então
que notei os picolés de fruta da Kibon. Existiam quatro sabores: coco, limão,
tangerina e uva. Ao final sempre era possível encontrar uma frase no palito, ou
dizendo para ter mais sorte na próxima vez, ou anunciando que acabara de ganhar
outro picolé grátis. A premissa ali envolvida era a ideal, não tinha surpresa
desagradável. Existiam apenas duas opções e ambas, mesmo sendo uma delas nula,
me agradavam. Passei então a notar o padrão da Kibon de influenciar a demanda
dos picolés. Os sabores que tinham mais saída raramente eram premiados, já o de
limão, o qual poucas pessoas compravam, sempre era premiado. Estratégia
estabelecida, lá fui eu na padaria comprar o picolé de limão, somente pelo
prazer de ganhar algo. Optei por comprar quatro de uma só vez, assim teria
quatro palitos premiados, três deles trocaria pelos de outros sabores e o
quarto trocaria por outro de limão para dar continuidade ao suposto fluxo
infinito de sorvete de limão grátis. Chegando então em casa, terminado o
primeiro veio a mensagem: “Não foi dessa
vez. Kibon agradece!”. Fiquei um pouco frustrado, confesso, mas as chances
permitiam essa possibilidade. Segui para o segundo com a certeza de ter mais
chances: “Não foi dessa vez. Kibon
agradece!”. Parecia que tinha conseguido comprar do único lote não premiado
de picolés de limão, mas não desisti e segui para o terceiro certo da vitória:
“Não foi dessa vez. Kibon agradece!”.
Sobrou apenas um e nem pensei duas vezes, mesmo com a cabeça doendo de tanto
gelo, fui voraz para chegar logo ao final e terminado me deparei com a mensagem:
“Mas vai gostar de chupar assim lá em
casa, hein?”.
Pois é, e aí, vai insistir em falar que brindes e má alimentação andam
juntos? Só não entreguem este texto ao Feliciano, ou ele vai ligar os pontos e
criar a relação entre brindes e homossexualidade.