Aniversários
Nunca gostei de comemorar o meu
aniversário e várias pessoas sabem disso. Talvez seja por conta do meu complexo
de adolescência tardia. Mentira! Não tenho isso. Para sofre disso, preciso
primeiro sair da adolescência e depois, quando já adulto, tentar reviver essa
época. Eu nunca saí da adolescência! O que tenho é complexo de Peter Pan. De
qualquer forma, o fato é que não gosto mesmo! E acredito que isso tenha causado
estranheza quando decidi comemorar por cinco dias seguidos este ano.
Sendo justo, eu não optei por comemorar,
optei por exorcizar esse trauma de aniversário que possuo. Não deve ser muito
normal uma pessoa não gostar de comemorar o próprio aniversário. Ficar velho
até entendo, mas comemorar? Não, de fato isso nada tem relação com o desejo de
permanecer sempre jovem.
Sou da bandeira que toda pessoa deve
fazer terapia. O problema está em encontrar um profissional bom o suficiente
para lidar com seus dilemas e frescuras intraneurais (sic?). Já tive alguns
terapeutas e mais alguns tarjas-preta, mas nenhum que fosse satisfatoriamente
capaz de abordar esse assunto. E, na falta de, nada como o bom e velho papel.
Bem, nesse caso, o Word mesmo.
Minha recordação mais antiga de
aniversário deve ser de quando fiz dois ou três anos. Festinha dentro de casa,
bolo Pullman com jujubas ao redor (era uma época difícil), várias tias,
senhoras, pessoas de idade e nenhuma criança. Minhas duas avós resolveram me
dar o mesmo presente, um triciclo. A avó paterna, por possuir uma situação mais
apertada, me deu um modelo mais simples: banco de duro, guidão de ferro cru e
buzina de plástico. Já minha avó materna, sempre elitista, deu um modelo
completo: banco ergonomicamente projetado, guidão com pegada mais fácil (quase
uma direção hidráulica), na frente o rosto de um palhaço e rafias penduradas na
manete. Foi um duelo entre elas, qual modelo ele vai gostar mais? Teremos de
trocar o que for rejeitado? Acho que acabei ficando com ambos e, ainda assim,
meu presente favorito foi um quadro-negro. Minha mãe odiou aquilo:
- Mas nem a pau que o Rafael vai brincar
com isso! Vai cagar a casa toda de giz!
Ela sempre foi muito enfática ao
expressar sua opinião e, sem opções, fui uma criança muito obediente. De fato,
não me lembro de ter brincado com ele. Assim como não me lembro de ter brincado
com a barraca de índio e a da Turma da Mônica que supostamente faziam muita
bagunça na casa.
Quando minhas festas começaram a ser
comemoradas fora de casa e com crianças, elas adquiriram uma característica
bastante peculiar dentre as outras: ninguém roubava brigadeiro antes do
“parabéns”. Como disse, minha mãe era muito enfática e, naquela época, além de
expressar bem que era contra o consumo precipitado de doces, ela andava pela
festa com um apito em mãos. Isso é sério! Se algum fedelho ameaçasse mover a
mão na direção da mesa, o apito era soado em alto som. Bastou uma festa para a
fama de Dona Sonia e seu apito se espalharem. Nunca mais uma criança ousou
roubar um brigadeiro nas minhas festas. Alguns amigos desenvolveram diabetes
psicológica só para não cair em tentação. Aquilo foi a Era do Terror.
- Muitas felicidades – cantavam todos
batendo palmas. – Muitos anos de vida!
E ao final todos ficavam paralisados
olhando para minha mãe. Daí, ela dava o sinal de positivo e todos avançavam
seguindo as regras dela:
- UM DE CADA VEZ – ela berrava! – E SÓ
CINCO PARA CADA UM!
Graças à Dona Sonia, era uma época sem
obesidade infantil. E o mais engraçado nisso era que, mesmo com o sistema
comunista do brigadeiro imposto por ela, em casa tinha sempre uma caixa lotada
só para mim. Deve ser por isso que até hoje sou viciado em chocolate. Coisas de
filho único.
Caso ainda esteja lendo isto, saiba que
a parte dos presentes era a pior. Nunca na história um convidado me
cumprimentou com o presente em mãos. Ao chegar à festa, o convidado entregava o
presente para algum encarregado de Dona Sonia que o devidamente identificava e
guardava em um baú (o presente, não o convidado). No dia seguinte, antes que
pudesse tocar no presente, ele era minuciosamente aberto para não estragar o
papel de presente (era importante ter o papel em bom estado para casos de
troca) e catalogado em uma lista com o nome de quem deu e o que era. Minha mãe
praticamente tinha inventado o sistema de segurança hoje utilizado na Casa
Branca. Imagine o demônio que ela seria hoje com o Excel e SQLs da vida.
Naquela época era muito comum a presença
de animação e/ou pessoas fantasiadas nas festas. Em uma delas contrataram
quatro personagens da Disney: Mickey, Pateta, Pluto e Pato Donald. E só podemos
afirmar que eram eles porque olhei com muita atenção na época, eram feios de
dar dó. Posso dizer que tive na minha festa um protótipo da Carreta Furação. Juro
que me senti lisonjeado ao ter ilustres presenças no meu aniversário. Mas isso
só durou uns dias, mais precisamente, até a inauguração da primeira Drogaria
Pacheco da Praça Saens Peña com os mesmos personagens lá presentes.
Dois anos depois tive a minha primeira
experiência nerd, contrataram três super-heróis para a minha festa. Não posso
negar que foi um alvoroço: Homem-Aranha, Capitão América e Mulher Maravilha.
Contudo, como sabemos bem, eram os anos oitenta. Acontecia de tudo e nada era
considerado estranho. O Homem-Aranha visivelmente era viciado em algo, pois
ficava traqueando o tempo todo. Acredito que a fantasia era muito conveniente
para esconder as marcas de pico. O Capitão América era uma bichona. Todo
afetado, calça entrando na bunda e bulinando as crianças na hora do aperto em
volta da mesa do “parabéns”. Diz a lenda que ele fazia performance na Galeria
Alaska como Cindy Lauper. E a Mulher Maravilha, segundo alguns pais, era uma
garota de programa bem conhecida na região. Com seu short deliciosamente curto,
pernocas de fora e fama de fazer preços promocionais, ela provocou um problema
sério. As mães ficaram possuídas com os pais que não paravam de babar sobre
ela. Inclusive, teve um que babou literalmente nela depois da festa no banheiro
e acabou ganhando um divórcio. Mas isso é outra história. De qualquer forma,
acabara de completar oito anos e finalmente ganhara minha primeira boa
recordação de aniversário: uma puta paga!
Com a chegada da puberdade tivemos as
famigeradas Festas Surpresa que deveriam mudar o nome para Festa Óbvia Modinha.
TODOS ganhavam esta festa. Ficava claro que, se no seu aniversário TODOS
esqueciam de te desejar felicidades, era porque teria essa festa e, de quebra,
era muito mais barato, nada que meia dúzia de refrigerantes, alguns salgadinho
e bolo não resolvesse. Ainda dispensava a necessidade de brigadeiros e sua
vigilância antissaques.
Na adolescência, foram as festas com DJ,
música alta e nenhum adulto. Tios, avós e parentes com mais de 30 anos, como
era falado na época, seria mico na certa. Só os meninos com tênis da Redley,
camisa da Company e bermuda da Píer e as meninas de vestido que esnobavam
todos. Ainda assim, na festa de 15 anos todos se divertiram bastante. Desta nada
posso reclamar. O problema foi no ano seguinte. O rigor sobre o controle de
brigadeiro virou saudade quando Dona Sonia criou o regime facista anti-álcool.
Agora imagine uma festa de 16 com adolescentes problemáticos e rebeldes sem uma
gota de álcool sequer. É claro que foi um tédio! Mesmo com o DJ se esforçando
colocando todos os lixos dance music
da época, o clima era de funeral. Enquanto na maioria das festas da época as
pessoas faziam esquemas mirabolantes para penetrar onde não eram convidados, na
minha rolava túnel secreto e corte na grade do prédio para fugir sem ser
notado.
Posso precisar que foi nesse fatídico
aniversário que estabeleci de vez que comemorar aniversário não era comigo. A
porrada final foi quando precisei ir em casa para pegar algo (provavelmente
gasolina e fósforos para tacar fogo em mim e animar a festa). O elevador estava
muito tempo parado em um andar e isso é sempre sinal de casal. Não fui maldoso
e esperei pacientemente. Ao abrir a porta lá estava ela, minha paixonite da
época (hoje o termo é crush) que nunca
me deu bola (até hoje, que fique anotado) agarrada com um cara pelo menos 8
anos mais velho que ela. Se soltaram, disfarçaram como nada tinha acontecido e
o imbecil me solta: “Vamos embora dessa merda de festa! Vamos para um local
mais sossegado!”. Que ótimo não? Em um minuto ouvi o óbvio sobre a festa e
recebi em primeira mão que minha musa seria devidamente fodida pela mesma
pessoa. Por sorte, ela foi uma pessoa bem sensata. Notou que ele fizera um
comentário infeliz na frente do aniversariante e resolveu alertá-lo. Contudo,
no desespero de me fazer por superior, resolvi cumprimentá-lo e acabei dando um
tapa no pau dele, que diga-se de passagem,, estava bem duro. Ok, podíamos
encerrar por ali.
Dali em diante foram confraternizações
com pais e avós em pizzarias, grupinho de amigos em bar e nada de especial.
Sempre com a minha má vontade de sempre. E, convenhamos, com todo motivo. Tanto
que até atender ligações era chato:
- Parabéns!
- Êêêêêêh!
- Tudo de bom!
- Obrigado!
- Muita saúde e paz!
- Sempre!
- Dinheiro!
- Sim! Claro!
- E que todos os seus sonhos se
realizem!
- Vamos torcer!
Era sempre a mesma coisa. Em alguns anos
desligava o celular. Em outros, respondia tão automaticamente que a pessoa
poderia falar qualquer coisa que a resposta seria sempre a mesma:
- Seu verme maldito!
- Êêêêêêh!
- Que tenha gonorreia nos olhos!
- Obrigado!
- Que enfiem uma lança em chamas no cu!
- Sempre!
- NO CU!
- Sim! Claro!
- Espero que sangre lentamente até
morrer!
- Vamos torcer!
É sério! Odeio comemorar o meu
aniversário. Tanto que se perguntarem qual foi o melhor de todos, responderei
sem pensar duas vezes: Um ou dois anos atrás. Era ainda casado com a desgraçada
da minha ex-mulher. Não, ela não é uma desgraçada! Muito pelo contrário, é a
pessoa mais maravilhosa que conheci, mas qual a graça de se ter uma ex-mulher e
não chamar de desgraçada? É como ter um chefe e não chamar de maldito! Enfim,
retornando, naquele ano criamos uma mentira. Falamos para a família que iríamos
comemorar com o pessoal do trabalho, para o pessoal do trabalho falei que ia
comemorar com os amigos, para os amigos disse que ia comemorar com os alunos e
para os alunos bastou dizer que não ia ter aula que nem perguntaram o motivo. Ficamos
em casa. Foi uma depressão sem fim. Rádio e TV desligados, luzes apagadas e os
dois na cama refletindo sobre o rumo das nossas vidas. Rimos, choramos, ficamos
calados. Não teve “parabéns” e brigadeiros para tentar roubar. Adorei!
Este ano resolvi sair cinco noites
seguidas. Cinco! Dormi em cinco noites menos do que durmo em uma. Fui a lugares
completamente diferentes e opostos. Em nenhum cantaram parabéns. Recebi quase
200 mensagens de aniversário no Facebook. Não sei se exorcizei, mas me diverti.
Quem sabe ano que vem faço uma festa gigante? Bem, isso vai depender se a
Receita Federal permitir.
E neste momento, se ainda está lendo isto tudo, muito obrigado. Acaba de
me poupar algumas sessões de terapia. Talvez tenha te ajudado a refletir sobre
algo importante na sua vida. Como, por exemplo, como ocupar melhor o seu tempo.
Não sei. Aqui ajudou bastante.P elo menos a manhã passou mais rápida enquanto redigia este texto.