quinta-feira, 29 de março de 2012

Histórias Reais Inventadas por Mim

Pan's Lightball (Efeito Vibe)



Alçapão e inocência (Parte I)


     O antigo estádio do América em Vila Isabel foi por muitos anos um clássico do futebol carioca. Era pequeno, desconfortável, mal cuidado, mas vivia com um bom público. Todos possuíam um espaço no coração para o Ameriquinha. Era comum vascaenses na torcida vermelha em jogos contra o Flamengo, por exemplo, assim como tricoletes e flamenguistas em jogos dos seus rivais. Só era difícil encontrar torcedor do Botafogo fazendo isto. Vai ver que era pela disputa direta com o próprio América de o maior dos menores clubes.
     Era um sábado, jogo contra o Fluminense no meio da tarde. Fazia sol, mas não estava muito quente. Com pouco mais de uma hora de antecedência, Silvinho, um moleque flamenguista de 15 anos já estava na arquibancada atrás de um dos gols. Ele se infiltrou na torcida Sangue Jovem, ajudou a separar as bandeiras, rolos de papel higiênico e instrumentos musicais. Conversou com algumas pessoas por lá, decorou algumas músicas e a escalação dos times. Sem sombras de dúvidas, Silvinho estava lá apenas pela bagunça. Morava perto, não pagava a entrada, não tinha o que fazer em casa, então nada melhor do que ir infernizar (com trocadilho com o mascote do América) a vida dos outros.
     Os times entram em campo. Euforia com a entrada do time do América e vaias para o time do Fluminense. Do outro lado do estádio, atrás do outro gol, a torcida do Fluminense fazia o inverso. Silvinho aguardou ansiosamente por este momento. Ficou quase quarenta minutos com dois rolos de papel higiênico, um em cada mão. Treinou como jogaria diversas vezes para que tivesse certeza que passaria por cima do alambrado e cairia no campo. Quando chegado o momento, o primeiro rolo foi jogado, bateu no meio da grade e voltou. Ele desceu correndo a arquibancada, uns dez degraus, pegou o rolo e jogou novamente, agora ali debaixo. Ideia pior ainda. Se antes não conseguiu porque estava muito longe e acabou batendo no meio da grade, agora estava perto demais, mas também muito baixo. Acabou batendo quase que na mesma altura de antes. Ele tentou umas trinta vezes sem soltar o outro. No início, ninguém na torcida notara aquela cena ridícula. Se fosse uma guerra e no lugar do rolo, uma granada, estavam todos mortos.
     Quando acabou o entusiasmo com a entrada das equipes, finalmente, grande parte da torcida notou a árdua missão de Silvinho em jogar o rolo de papel higiênico sobre o alambrado. Virou algo coletivo. Silvinho pegava o rolo e enquanto se preparava a torcida gritava em coro:
     – Vai! Vai! Vai! Vai! – Até que batia na grade e voltava, para que todos também em coro gritassem. – Uuuuuuuh!
     Dentro de campo, os jogadores nada entendiam. Mesmo focados no início da partida, era inevitável, os gritos da torcida estava chamando muita atenção. Principalmente quando o primeiro rolo, finalmente, passou sobre o alambrado. Parecia gol do América. Comemoração generalizada. Silvinho, que não dominava a arte do sarcasmo, achava que estavam mesmo solidários a sua epopeia. Tanto que na comemoração pulou com os braços erguidos, todo sorridente, virado para a horda animada. Era quase um atacante comemorando seu gol à beira do gramado com a torcida inflamada. Tamanha emoção, que ele se virou para o campo, preparou o arremesso do outro rolo, quando:
     – Agora chega, moleque – disse um cara bem alto tomando o rolo de suas mãos. – O jogo vai começar. Chega de palhaçada!
     Parte da torcida riu, outra parte lamentou, outra ficou a seu favor. Virou um verdadeiro furdunço! Silvinho mesmo assim achou que virou o mascote da rapaziada. Bem, pelo menos foi assim que entendi a versão que ele me contou.