segunda-feira, 25 de julho de 2016

Volúvel

Luciana – Parte I
Não dava mais! Estava precisando reduzir o ritmo havia um tempo. Aquela rotina estava me levando para o colapso em uma velocidade altíssima. Eu já estive em colapso e, acredite, não quero voltar lá. Era cada vez mais necessário ter um final de semana sossegado. Nem digo colocar trabalhos, leitura ou alguma atividade doméstica em dia. Só precisava frear o frenesi. Coincidentemente com essa minha decisão, descobri que minha ex-cunhada viajaria no final de semana para comemorar o aniversário de casamento e, com isso, os meninos ficariam com avó. Aproveitei então para ter a desculpa de fazer, finalmente, um programa que não terminasse ébrio e, ao mesmo tempo, mataria a saudade dos meninos, além de dar as caras, pois, segundo a própria mãe, eles perguntavam por mim com frequência.
No sábado então, quase no final da tarde, cheguei à casa deles. Paulinho abriu a porta só de cueca e com um tablet na mão. Pedrinho, no colo da avó, chorava. Ok, terei de lidar com uma criança de cinco anos com um apetrecho tecnológico e outra de um ano irritada com algo:
- Titio, posso andar na sua motoca?
Paulinho possuía uma crescente relação de perguntas quando me encontrava. Primeiro sobre a motoca, depois o baixo, os gatos, as tatuagens e por aí vai. Respondi todas pacientemente. Pelo menos ele largou o tablet. Já tinha notado que, apesar de gostar de estar com eles, aquilo seria um martírio se permanecêssemos por lá. Poucas opções de entretenimento, uma televisão ligada gritando pela minha atenção e minha ex-sogra com diversos assuntos que não conseguiria dar conta. Pois bem, algo precisava ser feito:
- Festa junina – Exclamei em voz alta e depois falei perguntei à avó das crianças – Zezé, onde tem uma festa junina por aqui?
- Tem a da escola da Marianinha – respondeu Paulinho mais rápido.
Ótimo! Era alguma coisa. Festa de escola tem opções para crianças, bebidas para mim e comidas farelentas para deixar a ex-sogra com a boca fechada por um bom tempo. Arrumei Paulinho rapidamente e ao pegar Pedrinho, Zezé me disse que era melhor levar só o primeiro, pois Pedrinho estava irritado de sono e assim seria um transtorno. Ok, vamos eu e Paulinho:
- De motoca, titio?
Após uma eternidade para percorrer quatro quarteirões com uma criança na moto, enfim, chegamos. Festa de escola pequena de classe média alta. Pessoas de boa aparência, tudo bem arrumado e nada de pré-adolescentes irritantes. Comprei vários tíquetes de brincadeiras, comida, bebida, estalinhos, rifa, meu dinheiro todo foi embora. Não tenho muita certeza, mas deveria ficar feliz por eles não aceitarem cartão. Paulinho não conseguia se decidir por onde começar de tantas opções disponíveis. Pescaria, Boca do Palhaço, Argola e outras com luzes e barulho que sequer consegui entender como funcionavam. Cinco minutos passados e ele não se decidiu ainda. Pedi que esperasse ali que iria pegar uma cerveja e já voltava. Comprei, abri, bebi um gole e voltei. Lá estava ele no mesmo lugar me olhando com uma expressão engraçada. Ele é muito bom fazendo caras e bocas:
- Você me deixou aqui sozinho!
- Nada disso – respondi. – Te dei espaço para pensar com calma por qual brincadeira vamos começar.
Acho que não o convenci muito bem. Aliás, pelo olhar atravessado, nem a senhorinha que ouvia a nossa conversa se convenceu. Mas convenhamos, era uma festa fechada, pessoas civilizadas, famílias, funcionários por todos os lados. Que mal poderia acontecer? Ok, admito que só um irresponsável faria isso. Com muito esforço então, ele optou por uma das brincadeiras cheias de luzes que aparentemente não fazia sentido algum. Ela consistia em uma parede com muitas lâmpadas coloridas e alguns botões em um painel. Atrás do balcão, uma jovem de aproximadamente 23 anos, cabelos curtos e com pinta de que era uma das professoras do colégio. Para não passar vergonha, resolvi perguntar como funcionava. Ela pacientemente explicou algo como ele tem de apertar um botão, então acende uma luz azul, daí ela aperta outro botão e acende uma luz vermelha. Ganha quem tiver mais luzes da própria cor no final. É, eu acho que era isso. Não prestei muita atenção no que ela falava, apesar de ter ficado um bom tempo encarando o sorriso natural dela enquanto me explicava.
- E aí, entendeu? – Perguntei a ele.
- Sim – ele respondeu enfaticamente.
- Então tá – falei olhando para a professorinha. – Porque acho que não entendi muito bem.
- Mas ele é um rapaz muito esperto – disse ela. – Não é mesmo?
- É igual ao jogo das bolinhas do meu “tlabet” – ele conseguia pronunciar da maneira mais difícil de todas.
Pois bem, iniciaram a partida e tentei me manter o mais distante possível para não atrapalhar, até porque sabia que ajudar não seria possível. Paulinho apertava os botões aleatoriamente, ou então existia uma lógica implícita ali impossível de se decifrar. A professorinha também apertava os botões em um aparente padrão indefinido. Ao menos ela sorria, o que já fazia valer a pena ver aquelas várias luzes acendendo e apagando freneticamente sem um propósito definido. A cena remetia àquelas varandas no Natal que o dono comprou vários jogos diferentes de lâmpadas decorativas, prendeu tudo na grade e o resultado final é uma fachada de estabelecimento que nunca sabemos se é uma casa de forró, puteiro ou painel de nave espacial de filme da década de sessenta. E com isso, a cena de acende e apaga foi se prologando por intermináveis e convulsivos dez minutos, até que, como esperado, aleatoriamente, a professorinha ergueu os braços e anunciou Paulinho como vencedor. Foi algo tão estranho e picareta que não me contive:
- Olhe só! Você ganhou e ninguém aqui nunca vai saber explicar o motivo.
A professorinha riu e, logo depois, me encarando, reforçou que ele ganhou e era isso que importava. Não era eu que iria discordar dela, até porque uma revanche naquele ritmo poderia provocar um apagão no quarteirão. Apesar de a vontade de continuar naquela barraca ser maior, uma partida naquela noite era o suficiente. Então, definido o vencedor, ela entregou para ele o prêmio, um daqueles clássicos jogos de boliche de plástico que são tão leves que, para os pinos permanecerem de pé, é necessário colar no chão.
- Muito bem – disse. – Agora agradeça à titia.
- Obrigado, titia.
- Não, Paulinho – falei para ele. – Agradeça direito. Pergunte o nome dela e agradeça.
- Qual seu nome, titia?
- Meu nome é Bruna – ela respondeu dando um sorriso irresistível.
- Obrigado, titia Bruna.
- Muito bem – falei passando a mão na cabeça dele. – Agora pergunte o telefone dela e se ela tem planos para mais tarde.
- Ora, ora – disse ela. – Quer dizer que seu pai gosta de usar você para dar cantadas.
- Ele não é meu papai – respondeu o Paulinho. – Ele era casado com a minha dindinha.
- Que coisa – ela responde olhando para mim com olhar de deboche. – Não é mais casado com sua dindinha? Será que ele não pediu para você falar isso? O que sua dindinha diria sobre isso?
- A minha dindinha diz que agora o meu titio só anda bêbado e cercado de piranhas.
Vamos revisar então. O plano original era fazer um programa tranquilo para desacelerar. Naquele espaço de tempo, já tinha deixado o Paulinho em uma situação passível de se perder, dado em cima de uma pessoa, passado a primeira vergonha e caminhava para a segunda lata de cerveja. Será que existe uma competição de quem faz essas merdas em menos tempo? Enfim, vamos pegar outra cerveja e tentar uma brincadeira diferente.
Sugeri a pescaria. De longe vi que na barraca estava uma pessoa que fugia totalmente dos meus padrões e por isso não existia o risco de soltar gracinhas ou entrar em mais uma situação constrangedora. Não obtive sucesso. Ele escolheu aquela de jogar a bolinha por um labirinto inclinado. Na barraca, mais uma professorinha encantadora. Estou ligeiramente desconfiado que esse puto faz isso de sacanagem comigo.
- Boa noite – falei para a professorinha loura. – Este é Paulinho, meu sobrinho. Eu era casado com a madrinha dele, mas atualmente passo a maior parte do meu tempo bêbado na companhia de jovens com pouca autoestima e muita volúpia, ou como minha ex-mulher prefere chamar intimamente, piranhas.
- Ok – disse ela assustada. – E por que está me falando isso?
- Ah acredite, cedo ou tarde isso viria à tona – respondi. – Uma partida para ele, por favor.
Aparentemente, tanto esta partida como as seguintes transcorreram normalmente. Em pouco tempo ele torrou todas as fichas de brincadeiras e ganhou diversos brinquedos que nunca irá tocar na vida depois que chegar em casa. Quem era eu para julgar algo? Precisávamos comer, quero dizer, ele precisava comer. Eu só precisava de mais uma cerveja. Pelas minhas contas, estava indo para a sexta.
- Boa noite – disse para uma senhorinha sentada. – Poderia tomar conta do meu sobrinho enquanto compro comida?
- Claro – ela respondeu. – Sente ele aqui.
- Vou tentar ser o mais rápido possível. Ele já está na fase de comer meleca para matar a fome.
Ela não entendeu muito bem a piada e ficou olhando com uma cara estranha para o Paulinho. Ainda mais porque ele ficou rindo do que falei. Como pode uma criança acompanhar o meu sarcasmo, mas uma pessoa tão vivida não? Enfim, precisava ser rápido e fui. Cinco minutos depois estava de volta. Mate, cerveja, salsichão, pipoca, milho e churrasquinho. Viva o fast food de festa típica! Enquanto comíamos, ouvi uma voz feminina vindo por trás perguntando se era meu filho. Respondi que não sem olhar para quem perguntava. Logo depois ela comentou que ele era uma gracinha. Fiz um barulho parecido como concordando, mas permaneci virado. Descrevendo dessa forma parecia que estava fazendo charme, mas não era isso. Comer salsichão é muito complicado e requer muita atenção. Principalmente quando se está na parte mais delicada, a segunda metade. Nessa hora, uma mordida mal calculada pode culminar com ele caindo inteiro do palito. Não suficiente, ainda tinha farinha espalhada pela minha camisa, calça, sapatos, chão. A qualquer momento poderia ser atacado por diversos pombos famintos. Trata-se de fato de um momento complexo. Para piorar, dei a pior mordida que se pode dar. Aquela que é suficiente para soltar o recheio, mas que não corta a pele do salsichão. Daí você puxa e fica meio que desenrolando como um rolo de papel higiênico do diabo. A tal pele não se parte e vai desenrolando, desenrolando, desenrolando. Você fica com o corpo inclinado para frente, voa farinha para todos os lados e não termina jamais. A cena remete a uma cirurgia de fimose feita por um canibal em alguém que acabou de sair da praia. É absurdamente constrangedora! Não tinha como dar atenção a quem falava comigo.
- Está bastante enrolado aí – disse a voz feminina.
Virei-me para trás. Era uma mulher de aparentemente quarenta anos, bem vestida, cabelos louros, sobrancelha preta (acredite, é um detalhe importante), pouca maquiagem, aliança na mão esquerda, lata de cerveja na direita e roupa não muito justa para, possivelmente, não delinear o corpo que já foi um dia mais em forma.
- Seu sobrinho – disse ela apontando para o Paulinho. – Ele estuda aqui? Nunca o vi.
- Não – respondeu o próprio Paulinho. – Quem estuda aqui é a minha amiga Marianinha.
- Nossa, que rapaz mais comunicativo – ela disse daquele jeito retardado que todo mundo usa para se comunicar com crianças. – Você deve falar muito!
- Até demais – eu disse para ela. – Até demais.
- Ah, não seja rabugento – disse ela. – Aposto que adora.
- Sim, adoro. Mas normalmente só cinco minutos depois que ele fala. Na hora mesmo, é bastante constrangedor.
A partir daí se desenrolaram aquelas conversas típicas que apenas quem tem filho gosta. Falar como as crianças são espontâneas, que aprendemos muito com elas e vai muito da criação. Enfim, apesar de adorar meus sobrinhos, esse tipo de conversa não me apetece nem um pouco. E, como tinha colocado na cabeça que iria me comportar até o final do dia, não dei muita trela. Ainda assim, ela se apresentou como Luciana, apesar de achar que o nome não era verdadeiro. Sei lá, parecia algo esperado de uma mulher casada puxando assunto com um cara dez anos mais novo em uma festa. Sabe quando a pessoa tem essas atitudes só para medir se ainda está no mercado, ou receber uma resposta positiva que será encarada como um elogio? Fazia sentido. Provavelmente estava na fase entediante do casamento, o marido não a elogiava mais e ela, ao mesmo tempo, não tinha coragem de ter um caso. O mais inteligente nessas horas é tentar flertar com alguém apenas para levantar a moral.
- E o maridão? Deve estar com as crianças por aí – disse na maldade para ver se caía como um balde de água fria e ela percebesse o que estava fazendo.
- Nada – respondeu sem parecer sequer um pouco abalada. – Ficou em casa vendo o jogo.
- Optou por ver um bando de marmanjo correndo atrás de uma bola ao invés de sair com a esposa? Depois reclama que caem em cima e não sabe o motivo.
Pronto, três erros graves em menos de meio minuto. O primeiro foi essa atitude pedante de quem recrimina um homem por escolher futebol como primeira opção. Todos já tivemos essa fase babaca de priorizar futebol. O segundo, fazer um comentário com suposta margem para ela pensar maldade e achar que estou flertando com ela. O terceiro e pior de todos, inconscientemente ter iniciado de fato um flerte com ela. Precisava corrigir pelo menos um deles, mas ela foi mais rápida, ergueu a lata e propôs um brinde:
- Aos maridos bundões!
- Às esposas bem resolvidas!
Está bem, eu admito, sou um cagalhão. Fiz exatamente o oposto. E para piorar, bebemos nossas latas em um gole só. Rumo à oitava lata na companhia de uma mulher casada que aparentemente não estava blefando. Ah, ainda tinha o Paulinho. Aliás, cadê o Paulinho?
- Pensei que tinha o visto indo naquela direção – Luciana respondeu apontando para uma grande piscina de bolas.
- Ai caceta – levantei-me às pressas resmungando. – Já volto!
- Traz cerveja!
Mulher maluca. Ainda ficou rindo da cena. Quando cheguei na piscina de bolas, olhei novamente para trás, ela deu um tchauzinho e gesticulou como quem bebe algo. Estava fudido, mais uma louca na minha vida.
- Ôh rapaz – disse para o Paulinho no meio da piscina de bolas. – O que está fazendo aí?
- Aqui, titio! Essa é a Marianinha!
Eu já conhecia a Marianinha. Ela é filha de uma amiga da minha ex-mulher e mora na mesma rua que eu morava quando era casado. Falei com ela que respondeu mostrando os dentes. A mãe veio falar comigo:
- Ué, você aqui?
- É, estou com o Paulinho.
- Mas sozinho?
- Sim.
- Que coragem!
- Nada. Nos damos bem e ele se comporta comigo.
- Não, digo coragem da...
Ela não completou a frase e nem era preciso. Entendi o que queria dizer e não poderia julgá-la. Acabara de chegar correndo na piscina procurando por ele dando a entender que não sabia ao certo onde estava. Não suficiente, estava com forte hálito de álcool. O mais irônico é que pelo pouco que a conheço, ela é tão escangalhada como eu. Mas enfim, a vida segue sapateando na minha imagem.
- Deixa ele aqui brincando com a Marianinha – ela disse para mim. – Depois eu o levo até você!
Vocês entenderam, não? De uma maneira muito sutil, ela pediu para que me mantivesse afastado dele e depois me entregaria são e salvo. Que coisa. Só me restava pegar a cerveja e voltar a falar com a esposa doida. Peguei um balde com seis latas e voltei para onde estava. Luciana estava com duas meninas e ao me ver soltou um sorriso. Não podia negar que ela era bastante simpática.
- Suas filhas?
- Sim – respondeu apontando para cada uma delas enquanto as apresentava. – Essa é a Malu, ela tem 5 anos. E essa é a Duda, ela tem 6 anos.
- Olá, meninas!
Elas me responderam rapidamente e se voltaram para a mãe. Pareciam implorar por algo, mas não consegui decifrar o que era. As duas pulavam com as mãos juntas seguidamente implorando pela aprovação da mãe. Depois de um bom tempo nessa cena angustiante, achei que seria interessante intervir:
- Posso ajudar?
- Claro – Luciana respondeu com um sorriso. – Meninas, quem vai decidir é o tio aqui.
- Vamos lá – falei para elas. – Digam qual é o dilema.
- Mamãe não quer nos deixar dormir na casa da Bianca – disseram as duas quase que simultaneamente.
Droga! Achava que seria alguma coisa mais fácil se de decidir. Algo como se elas podiam comprar mais um doce, começar a fumar, fazer uma tatuagem. Precisava das consequências imediatas daquela decisão e Luciana não hesitou em explicar:
- Bem – ela disse olhando apenas para mim com um olhar muito sugestivo. – Elas indo agora dormir na casa da Bianca, passaria a ficar com o resto da noite livre, sozinha, sem crianças penduradas no pescoço ou sequer hora para voltar.
- Meninas, arrumem os pijamas, vocês vão e é agora!
As meninas, obviamente, saíram correndo aos berros comemorando. Luciana deu uma risada honesta e em seguida disse que eu era terrível. Eu abri mais duas latas e sugeri um brinde à Bianca. Ela sugeriu um brinde ao Paulinho. Céus, o Paulinho! Ele estava demorando muito a voltar. Sai correndo atrás dele e deixei Luciana mais uma vez rindo.
Uns dez minutos depois estava de volta carregando Paulinho no ombro. Luciana ainda me esperava com o balde no qual restavam três latas. Prendi Paulinho no meio das minhas pernas e ele pensou que era brincadeira de luta. Podemos dizer que criei uma nova categoria de esporte: rodeio de criança de cinco anos, bebendo cerveja ao mesmo tempo. Confesso que tenho talento para a coisa. Derramei poucas gotas e ainda consegui conversar um pouco mais com Luciana. Comigo nas olimpíadas, garantiria uma medalha de ouro nesse esporte sem esforço.
Restava apenas uma lata e optamos por dividir. Obviamente não tínhamos copos e, com isso, cada hora um dava um gole na lata. Foi nesse momento que me toquei que algumas pessoas nos encaravam. Estávamos agindo como em um botequim, falando besteira, rindo alto, compartilhando da mesma lata. Bem, por mim não tinha o menor problema, contudo para Luciana a coisa deveria ser estranha, pois suas filhas estudam naquele colégio, sabem que ela é casada e algumas pessoas supostamente devem conhecer o marido dela. Era uma boa hora para sairmos.
- Nossa, uma Harley – falou Luciana enquanto deslizava a ponta do dedo indicador pela moto. – Cheia de caveiras!
- Pois é, caveira me faz parecer mais magro.
- Praticamente um motoqueiro selvagem – disse enquanto terminava de passar o dedo pelo guidão e depois o colando nos meus lábios. – Imagino que seja muito malvado.
- Baby, alguns pais estão olhando.
Pela careta que fez, parecia não se importar muito. Pois bem, liguei a moto, fez o esporro de sempre, Luciana, como imaginava, reagiu dando um grito de euforia, os pais arregalaram mais ainda os olhos e lá fomos nós deixar Paulinho em casa. Estão notando que cada vez fico mais responsável? Agora alcoolizado em uma moto com mais duas pessoas, sendo ela uma criança, cuja, diga-se de passagem, dava menos trabalho que a outra pessoa adulta que me acompanhava. Enfim, seguindo, ao chegar, fui recebido por Zezé já de pijama. Devia ser pouco mais do que dez da noite:
- Essa sua moto esporrenta acordou o Pedrinho – disse Zezé. – Você bebeu?
- Vovó, o titio quando bebe é muito mais divertido!
- Ai, meu filho – Zezé me deu um tapinha na testa. – Olha o exemplo!
- Desculpa – falei já me despedindo com dois beijos. – Mas ele se divertiu muito. É verdade!
- Imagino, seu irresponsável. Imagino.
Desci a escada repensando a minha proposta do início do dia e como estava terminando a noite. Vai ver isso não tem mais volta. Abriram a caixa de Pandora e jogaram o cadeado fora. Talvez, em casos como esses, tentar ir de um extremo ao outro pode ser a pior das opções. De fato, não é possível sair de dias turbulentos com bebedeira sem fim e começar logo em seguida com noites tranquilas em casa tomando chá e lendo Agatha Christie. Quem sabe ter um mínimo controle das coisas já possa ser um grande avanço? Para isso, acho que vou tentar começando com uma boa noite de sono.
 - Oh fuck! - Falei em voz alta comigo mesmo.
Ao sair da portaria vi Luciana sentada na moto ajeitando o sutiã. Tinha esquecido totalmente dela. Lá vamos nós...


Segunda parte em breve