Luciana – Parte I
Não dava mais! Estava precisando
reduzir o ritmo havia um tempo. Aquela rotina estava me levando para o colapso
em uma velocidade altíssima. Eu já estive em colapso e, acredite, não quero
voltar lá. Era cada vez mais necessário ter um final de semana sossegado. Nem
digo colocar trabalhos, leitura ou alguma atividade doméstica em dia. Só
precisava frear o frenesi. Coincidentemente com essa minha decisão, descobri
que minha ex-cunhada viajaria no final de semana para comemorar o aniversário
de casamento e, com isso, os meninos ficariam com avó. Aproveitei então para
ter a desculpa de fazer, finalmente, um programa que não terminasse ébrio e, ao
mesmo tempo, mataria a saudade dos meninos, além de dar as caras, pois, segundo
a própria mãe, eles perguntavam por mim com frequência.
No sábado então, quase no final da
tarde, cheguei à casa deles. Paulinho abriu a porta só de cueca e com um tablet na mão. Pedrinho, no colo da avó,
chorava. Ok, terei de lidar com uma criança de cinco anos com um apetrecho
tecnológico e outra de um ano irritada com algo:
- Titio, posso andar na sua motoca?
Paulinho possuía uma crescente relação
de perguntas quando me encontrava. Primeiro sobre a motoca, depois o baixo, os
gatos, as tatuagens e por aí vai. Respondi todas pacientemente. Pelo menos ele
largou o tablet. Já tinha notado que,
apesar de gostar de estar com eles, aquilo seria um martírio se permanecêssemos
por lá. Poucas opções de entretenimento, uma televisão ligada gritando pela
minha atenção e minha ex-sogra com diversos assuntos que não conseguiria dar conta.
Pois bem, algo precisava ser feito:
- Festa junina – Exclamei em voz alta
e depois falei perguntei à avó das crianças – Zezé, onde tem uma festa junina
por aqui?
- Tem a da escola da Marianinha –
respondeu Paulinho mais rápido.
Ótimo! Era alguma coisa. Festa de
escola tem opções para crianças, bebidas para mim e comidas farelentas para
deixar a ex-sogra com a boca fechada por um bom tempo. Arrumei Paulinho rapidamente
e ao pegar Pedrinho, Zezé me disse que era melhor levar só o primeiro, pois
Pedrinho estava irritado de sono e assim seria um transtorno. Ok, vamos eu e
Paulinho:
- De motoca, titio?
Após uma eternidade para percorrer
quatro quarteirões com uma criança na moto, enfim, chegamos. Festa de escola
pequena de classe média alta. Pessoas de boa aparência, tudo bem arrumado e
nada de pré-adolescentes irritantes. Comprei vários tíquetes de brincadeiras,
comida, bebida, estalinhos, rifa, meu dinheiro todo foi embora. Não tenho muita
certeza, mas deveria ficar feliz por eles não aceitarem cartão. Paulinho não
conseguia se decidir por onde começar de tantas opções disponíveis. Pescaria,
Boca do Palhaço, Argola e outras com luzes e barulho que sequer consegui
entender como funcionavam. Cinco minutos passados e ele não se decidiu ainda.
Pedi que esperasse ali que iria pegar uma cerveja e já voltava. Comprei, abri,
bebi um gole e voltei. Lá estava ele no mesmo lugar me olhando com uma
expressão engraçada. Ele é muito bom fazendo caras e bocas:
- Você me deixou aqui sozinho!
- Nada disso – respondi. – Te dei
espaço para pensar com calma por qual brincadeira vamos começar.
Acho que não o convenci muito bem.
Aliás, pelo olhar atravessado, nem a senhorinha que ouvia a nossa conversa se
convenceu. Mas convenhamos, era uma festa fechada, pessoas civilizadas,
famílias, funcionários por todos os lados. Que mal poderia acontecer? Ok,
admito que só um irresponsável faria isso. Com muito esforço então, ele optou
por uma das brincadeiras cheias de luzes que aparentemente não fazia sentido
algum. Ela consistia em uma parede com muitas lâmpadas coloridas e alguns
botões em um painel. Atrás do balcão, uma jovem de aproximadamente 23 anos,
cabelos curtos e com pinta de que era uma das professoras do colégio. Para não
passar vergonha, resolvi perguntar como funcionava. Ela pacientemente explicou
algo como ele tem de apertar um botão, então acende uma luz azul, daí ela
aperta outro botão e acende uma luz vermelha. Ganha quem tiver mais luzes da
própria cor no final. É, eu acho que era isso. Não prestei muita atenção no que
ela falava, apesar de ter ficado um bom tempo encarando o sorriso natural dela
enquanto me explicava.
- E aí, entendeu? – Perguntei a ele.
- Sim – ele respondeu enfaticamente.
- Então tá – falei olhando para a
professorinha. – Porque acho que não entendi muito bem.
- Mas ele é um rapaz muito esperto –
disse ela. – Não é mesmo?
- É igual ao jogo das bolinhas do meu
“tlabet” – ele conseguia pronunciar
da maneira mais difícil de todas.
Pois bem, iniciaram a partida e tentei
me manter o mais distante possível para não atrapalhar, até porque sabia que ajudar
não seria possível. Paulinho apertava os botões aleatoriamente, ou então
existia uma lógica implícita ali impossível de se decifrar. A professorinha
também apertava os botões em um aparente padrão indefinido. Ao menos ela
sorria, o que já fazia valer a pena ver aquelas várias luzes acendendo e
apagando freneticamente sem um propósito definido. A cena remetia àquelas
varandas no Natal que o dono comprou vários jogos diferentes de lâmpadas
decorativas, prendeu tudo na grade e o resultado final é uma fachada de
estabelecimento que nunca sabemos se é uma casa de forró, puteiro ou painel de
nave espacial de filme da década de sessenta. E com isso, a cena de acende e
apaga foi se prologando por intermináveis e convulsivos dez minutos, até que,
como esperado, aleatoriamente, a professorinha ergueu os braços e anunciou
Paulinho como vencedor. Foi algo tão estranho e picareta que não me contive:
- Olhe só! Você ganhou e ninguém aqui
nunca vai saber explicar o motivo.
A professorinha riu e, logo depois, me
encarando, reforçou que ele ganhou e era isso que importava. Não era eu que
iria discordar dela, até porque uma revanche naquele ritmo poderia provocar um
apagão no quarteirão. Apesar de a vontade de continuar naquela barraca ser
maior, uma partida naquela noite era o suficiente. Então, definido o vencedor,
ela entregou para ele o prêmio, um daqueles clássicos jogos de boliche de
plástico que são tão leves que, para os pinos permanecerem de pé, é necessário
colar no chão.
- Muito bem – disse. – Agora agradeça
à titia.
- Obrigado, titia.
- Não, Paulinho – falei para ele. –
Agradeça direito. Pergunte o nome dela e agradeça.
- Qual seu nome, titia?
- Meu nome é Bruna – ela respondeu
dando um sorriso irresistível.
- Obrigado, titia Bruna.
- Muito bem – falei passando a mão na
cabeça dele. – Agora pergunte o telefone dela e se ela tem planos para mais
tarde.
- Ora, ora – disse ela. – Quer dizer
que seu pai gosta de usar você para dar cantadas.
- Ele não é meu papai – respondeu o
Paulinho. – Ele era casado com a minha dindinha.
- Que coisa – ela responde olhando
para mim com olhar de deboche. – Não é mais casado com sua dindinha? Será que
ele não pediu para você falar isso? O que sua dindinha diria sobre isso?
- A minha dindinha diz que agora o meu
titio só anda bêbado e cercado de piranhas.
Vamos revisar então. O plano original
era fazer um programa tranquilo para desacelerar. Naquele espaço de tempo, já
tinha deixado o Paulinho em uma situação passível de se perder, dado em cima de
uma pessoa, passado a primeira vergonha e caminhava para a segunda lata de
cerveja. Será que existe uma competição de quem faz essas merdas em menos tempo?
Enfim, vamos pegar outra cerveja e tentar uma brincadeira diferente.
Sugeri a pescaria. De longe vi que na
barraca estava uma pessoa que fugia totalmente dos meus padrões e por isso não
existia o risco de soltar gracinhas ou entrar em mais uma situação
constrangedora. Não obtive sucesso. Ele escolheu aquela de jogar a bolinha por
um labirinto inclinado. Na barraca, mais uma professorinha encantadora. Estou ligeiramente
desconfiado que esse puto faz isso de sacanagem comigo.
- Boa noite – falei para a
professorinha loura. – Este é Paulinho, meu sobrinho. Eu era casado com a
madrinha dele, mas atualmente passo a maior parte do meu tempo bêbado na
companhia de jovens com pouca autoestima e muita volúpia, ou como minha
ex-mulher prefere chamar intimamente, piranhas.
- Ok – disse ela assustada. – E por
que está me falando isso?
- Ah acredite, cedo ou tarde isso
viria à tona – respondi. – Uma partida para ele, por favor.
Aparentemente, tanto esta partida como
as seguintes transcorreram normalmente. Em pouco tempo ele torrou todas as
fichas de brincadeiras e ganhou diversos brinquedos que nunca irá tocar na vida
depois que chegar em casa. Quem era eu para julgar algo? Precisávamos comer,
quero dizer, ele precisava comer. Eu só precisava de mais uma cerveja. Pelas
minhas contas, estava indo para a sexta.
- Boa noite – disse para uma
senhorinha sentada. – Poderia tomar conta do meu sobrinho enquanto compro
comida?
- Claro – ela respondeu. – Sente ele
aqui.
- Vou tentar ser o mais rápido
possível. Ele já está na fase de comer meleca para matar a fome.
Ela não entendeu muito bem a piada e
ficou olhando com uma cara estranha para o Paulinho. Ainda mais porque ele
ficou rindo do que falei. Como pode uma criança acompanhar o meu sarcasmo, mas
uma pessoa tão vivida não? Enfim, precisava ser rápido e fui. Cinco minutos
depois estava de volta. Mate, cerveja, salsichão, pipoca, milho e
churrasquinho. Viva o fast food de festa típica! Enquanto comíamos,
ouvi uma voz feminina vindo por trás perguntando se era meu filho. Respondi que
não sem olhar para quem perguntava. Logo depois ela comentou que ele era uma
gracinha. Fiz um barulho parecido como concordando, mas permaneci virado. Descrevendo
dessa forma parecia que estava fazendo charme, mas não era isso. Comer
salsichão é muito complicado e requer muita atenção. Principalmente quando se está
na parte mais delicada, a segunda metade. Nessa hora, uma mordida mal calculada
pode culminar com ele caindo inteiro do palito. Não suficiente, ainda tinha
farinha espalhada pela minha camisa, calça, sapatos, chão. A qualquer momento
poderia ser atacado por diversos pombos famintos. Trata-se de fato de um
momento complexo. Para piorar, dei a pior mordida que se pode dar. Aquela que é
suficiente para soltar o recheio, mas que não corta a pele do salsichão. Daí
você puxa e fica meio que desenrolando como um rolo de papel higiênico do
diabo. A tal pele não se parte e vai desenrolando, desenrolando, desenrolando.
Você fica com o corpo inclinado para frente, voa farinha para todos os lados e
não termina jamais. A cena remete a uma cirurgia de fimose feita por um canibal
em alguém que acabou de sair da praia. É absurdamente constrangedora! Não tinha
como dar atenção a quem falava comigo.
- Está bastante enrolado aí – disse a
voz feminina.
Virei-me para trás. Era uma mulher de
aparentemente quarenta anos, bem vestida, cabelos louros, sobrancelha preta
(acredite, é um detalhe importante), pouca maquiagem, aliança na mão esquerda,
lata de cerveja na direita e roupa não muito justa para, possivelmente, não
delinear o corpo que já foi um dia mais em forma.
- Seu sobrinho – disse ela apontando
para o Paulinho. – Ele estuda aqui? Nunca o vi.
- Não – respondeu o próprio Paulinho.
– Quem estuda aqui é a minha amiga Marianinha.
- Nossa, que rapaz mais comunicativo –
ela disse daquele jeito retardado que todo mundo usa para se comunicar com
crianças. – Você deve falar muito!
- Até demais – eu disse para ela. –
Até demais.
- Ah, não seja rabugento – disse ela.
– Aposto que adora.
- Sim, adoro. Mas normalmente só cinco
minutos depois que ele fala. Na hora mesmo, é bastante constrangedor.
A partir daí se desenrolaram aquelas
conversas típicas que apenas quem tem filho gosta. Falar como as crianças são
espontâneas, que aprendemos muito com elas e vai muito da criação. Enfim,
apesar de adorar meus sobrinhos, esse tipo de conversa não me apetece nem um
pouco. E, como tinha colocado na cabeça que iria me comportar até o final do
dia, não dei muita trela. Ainda assim, ela se apresentou como Luciana, apesar
de achar que o nome não era verdadeiro. Sei lá, parecia algo esperado de uma
mulher casada puxando assunto com um cara dez anos mais novo em uma festa. Sabe
quando a pessoa tem essas atitudes só para medir se ainda está no mercado, ou
receber uma resposta positiva que será encarada como um elogio? Fazia sentido.
Provavelmente estava na fase entediante do casamento, o marido não a elogiava
mais e ela, ao mesmo tempo, não tinha coragem de ter um caso. O mais
inteligente nessas horas é tentar flertar com alguém apenas para levantar a
moral.
- E o maridão? Deve estar com as
crianças por aí – disse na maldade para ver se caía como um balde de água fria
e ela percebesse o que estava fazendo.
- Nada – respondeu sem parecer sequer
um pouco abalada. – Ficou em casa vendo o jogo.
- Optou por ver um bando de marmanjo
correndo atrás de uma bola ao invés de sair com a esposa? Depois reclama que
caem em cima e não sabe o motivo.
Pronto, três erros graves em menos de
meio minuto. O primeiro foi essa atitude pedante de quem recrimina um homem por
escolher futebol como primeira opção. Todos já tivemos essa fase babaca de
priorizar futebol. O segundo, fazer um comentário com suposta margem para ela
pensar maldade e achar que estou flertando com ela. O terceiro e pior de todos,
inconscientemente ter iniciado de fato um flerte com ela. Precisava corrigir
pelo menos um deles, mas ela foi mais rápida, ergueu a lata e propôs um brinde:
- Aos maridos bundões!
- Às esposas bem resolvidas!
Está bem, eu admito, sou um cagalhão.
Fiz exatamente o oposto. E para piorar, bebemos nossas latas em um gole só.
Rumo à oitava lata na companhia de uma mulher casada que aparentemente não
estava blefando. Ah, ainda tinha o Paulinho. Aliás, cadê o Paulinho?
- Pensei que tinha o visto indo
naquela direção – Luciana respondeu apontando para uma grande piscina de bolas.
- Ai caceta – levantei-me às pressas
resmungando. – Já volto!
- Traz cerveja!
Mulher maluca. Ainda ficou rindo da
cena. Quando cheguei na piscina de bolas, olhei novamente para trás, ela deu um
tchauzinho e gesticulou como quem bebe algo. Estava fudido, mais uma louca na
minha vida.
- Ôh rapaz – disse para o Paulinho no
meio da piscina de bolas. – O que está fazendo aí?
- Aqui, titio! Essa é a Marianinha!
Eu já conhecia a Marianinha. Ela é
filha de uma amiga da minha ex-mulher e mora na mesma rua que eu morava quando
era casado. Falei com ela que respondeu mostrando os dentes. A mãe veio falar
comigo:
- Ué, você aqui?
- É, estou com o Paulinho.
- Mas sozinho?
- Sim.
- Que coragem!
- Nada. Nos damos bem e ele se
comporta comigo.
- Não, digo coragem da...
Ela não completou a frase e nem era
preciso. Entendi o que queria dizer e não poderia julgá-la. Acabara de chegar
correndo na piscina procurando por ele dando a entender que não sabia ao certo
onde estava. Não suficiente, estava com forte hálito de álcool. O mais irônico
é que pelo pouco que a conheço, ela é tão escangalhada como eu. Mas enfim, a
vida segue sapateando na minha imagem.
- Deixa ele aqui brincando com a
Marianinha – ela disse para mim. – Depois eu o levo até você!
Vocês entenderam, não? De uma maneira
muito sutil, ela pediu para que me mantivesse afastado dele e depois me
entregaria são e salvo. Que coisa. Só me restava pegar a cerveja e voltar a
falar com a esposa doida. Peguei um balde com seis latas e voltei para onde
estava. Luciana estava com duas meninas e ao me ver soltou um sorriso. Não
podia negar que ela era bastante simpática.
- Suas filhas?
- Sim – respondeu apontando para cada
uma delas enquanto as apresentava. – Essa é a Malu, ela tem 5 anos. E essa é a
Duda, ela tem 6 anos.
- Olá, meninas!
Elas me responderam rapidamente e se
voltaram para a mãe. Pareciam implorar por algo, mas não consegui decifrar o
que era. As duas pulavam com as mãos juntas seguidamente implorando pela
aprovação da mãe. Depois de um bom tempo nessa cena angustiante, achei que
seria interessante intervir:
- Posso ajudar?
- Claro – Luciana respondeu com um
sorriso. – Meninas, quem vai decidir é o tio aqui.
- Vamos lá – falei para elas. – Digam
qual é o dilema.
- Mamãe não quer nos deixar dormir na
casa da Bianca – disseram as duas quase que simultaneamente.
Droga! Achava que seria alguma coisa
mais fácil se de decidir. Algo como se elas podiam comprar mais um doce,
começar a fumar, fazer uma tatuagem. Precisava das consequências imediatas
daquela decisão e Luciana não hesitou em explicar:
- Bem – ela disse olhando apenas para
mim com um olhar muito sugestivo. – Elas indo agora dormir na casa da Bianca,
passaria a ficar com o resto da noite livre, sozinha, sem crianças penduradas
no pescoço ou sequer hora para voltar.
- Meninas, arrumem os pijamas, vocês
vão e é agora!
As meninas, obviamente, saíram
correndo aos berros comemorando. Luciana deu uma risada honesta e em seguida
disse que eu era terrível. Eu abri mais duas latas e sugeri um brinde à Bianca.
Ela sugeriu um brinde ao Paulinho. Céus, o Paulinho! Ele estava demorando muito
a voltar. Sai correndo atrás dele e deixei Luciana mais uma vez rindo.
Uns dez minutos depois estava de volta
carregando Paulinho no ombro. Luciana ainda me esperava com o balde no qual
restavam três latas. Prendi Paulinho no meio das minhas pernas e ele pensou que
era brincadeira de luta. Podemos dizer que criei uma nova categoria de esporte:
rodeio de criança de cinco anos, bebendo cerveja ao mesmo tempo. Confesso que
tenho talento para a coisa. Derramei poucas gotas e ainda consegui conversar um
pouco mais com Luciana. Comigo nas olimpíadas, garantiria uma medalha de ouro
nesse esporte sem esforço.
Restava apenas uma lata e optamos por
dividir. Obviamente não tínhamos copos e, com isso, cada hora um dava um gole
na lata. Foi nesse momento que me toquei que algumas pessoas nos encaravam.
Estávamos agindo como em um botequim, falando besteira, rindo alto,
compartilhando da mesma lata. Bem, por mim não tinha o menor problema, contudo para
Luciana a coisa deveria ser estranha, pois suas filhas estudam naquele colégio,
sabem que ela é casada e algumas pessoas supostamente devem conhecer o marido
dela. Era uma boa hora para sairmos.
- Nossa, uma Harley – falou Luciana
enquanto deslizava a ponta do dedo indicador pela moto. – Cheia de caveiras!
- Pois é, caveira me faz parecer mais
magro.
- Praticamente um motoqueiro selvagem
– disse enquanto terminava de passar o dedo pelo guidão e depois o colando nos
meus lábios. – Imagino que seja muito malvado.
- Baby, alguns pais estão olhando.
Pela careta que fez, parecia não se
importar muito. Pois bem, liguei a moto, fez o esporro de sempre, Luciana, como
imaginava, reagiu dando um grito de euforia, os pais arregalaram mais ainda os
olhos e lá fomos nós deixar Paulinho em casa. Estão notando que cada vez fico
mais responsável? Agora alcoolizado em uma moto com mais duas pessoas, sendo
ela uma criança, cuja, diga-se de passagem, dava menos trabalho que a outra
pessoa adulta que me acompanhava. Enfim, seguindo, ao chegar, fui recebido por Zezé
já de pijama. Devia ser pouco mais do que dez da noite:
- Essa sua moto esporrenta acordou o
Pedrinho – disse Zezé. – Você bebeu?
- Vovó, o titio quando bebe é muito
mais divertido!
- Ai, meu filho – Zezé me deu um
tapinha na testa. – Olha o exemplo!
- Desculpa – falei já me despedindo
com dois beijos. – Mas ele se divertiu muito. É verdade!
- Imagino, seu irresponsável. Imagino.
Desci a escada repensando a minha proposta
do início do dia e como estava terminando a noite. Vai ver isso não tem mais
volta. Abriram a caixa de Pandora e jogaram o cadeado fora. Talvez, em casos
como esses, tentar ir de um extremo ao outro pode ser a pior das opções. De
fato, não é possível sair de dias turbulentos com bebedeira sem fim e começar logo
em seguida com noites tranquilas em casa tomando chá e lendo Agatha Christie. Quem
sabe ter um mínimo controle das coisas já possa ser um grande avanço? Para
isso, acho que vou tentar começando com uma boa noite de sono.
- Oh fuck! - Falei em voz alta comigo mesmo.
Ao sair da portaria vi Luciana sentada
na moto ajeitando o sutiã. Tinha esquecido totalmente dela. Lá vamos nós...
Segunda parte em breve