sábado, 30 de julho de 2016

Pedaços de uma vida encenada

Mercenário
Cena externa em uma rua de madrugada. Um homem [Mercenário] faz sinal para um táxi que para. Ele está com duas grandes bolsas esportivas.
Cena interna simulando a parte interna de um taxi em movimento.
[Mercenário] Rua José Henrique Afonso, por favor.
[Taxista] É aquela rua do morro...
[Mercenário] Sim, essa mesma.
Alguns segundos de silêncio.
[Taxista] Senhor, aquele é um morro muito violento. Inclusive durante o dia. Imagine agora em plena...
[Mercenário] Meu senhor, não vou lhe pedir para entrar na favela e subir aquelas ruas. Você vai parar na entrada e ir embora. Pode ficar tranquilo.
[Taxista] Ainda assim, senhor. É um local ermo e que mesmo naquela rua...
[Mercenário] Quando fica uma corrida até lá?
[Taxista] Ah não sei. Talvez uns 35 ou 40.
[Mercenário] Acha que passa de 50?
[Taxista] Com certeza não.
[Mercenário] Ótimo. Tome aqui 50. Pode ficar com o troco. Chegando lá nem precisaremos perder tempo para que não se sinta que esteja em risco. Basta parar, eu desço e você vai logo embora.
Alguns segundos de silêncio.
[Taxista] Senhor, desculpe-me insistir, mas tem certeza que deseja ir para lá? É realmente necessário?
[Mercenário] Meu senhor, sinto que esteja muito aflito com o meu destino.
[Taxista] Sim, estou bastante. São anos trabalhando na madrugada e não tem ideia do que já vimos ou ouvimos.
[Mercenário] Acredite, meu senhor, eu sei de tudo isso e um pouco mais. Pode ficar tranquilo.
[Taxista] Tranquilo é impossível. Você não se parece nem um pouco com uma pessoa que frequentaria uma favela de madrugada. Muito menos a...
[Mercenário] Não tenho cara de quem frequenta favela?
[Taxista] Oh não! Nem um pouco.
[Mercenário] E tenho cara de que frequenta que tipo de lugar?
[Taxista] Eu diria uma academia com certeza. Você tem um biótipo atlético. É alto, forte e bem apessoado.
[Mercenário] Bem apessoado?
[Taxista] Ah sim, bem apessoado. Caso contrário, jamais pararia para você numa hora dessas.
[Mercenário] Bom argumento. Quer dizer que pareço aqueles caras fúteis que vivem em uma academia?
[Taxista] Não, não quis dizer isso. Você parece mais um professor de academia. Tem o biótipo de profissional de educação física. Imaginei que fosse isso por conta da camisa justa na manga deixando os braços mais fortes. Sem falar nessas duas bolsas.
[Mercenário] O que tem as bolsas?
[Taxista] São bolas, certo? Para atividades esportivas, não?
[Mercenário] Talvez. Talvez. Quem sabe, não?
[Taxista] Então acertei, correto?
[Mercenário] Para quem já viu muito e ouviu demais sobre a madrugada, você pergunta muito.
[Taxista] Oh me desculpe, senhor. Não quis ser inconveniente.
[Mercenário] Esqueça sobre ser inconveniente. Você está sendo imprudente. Fazer muitas perguntas para estranhos na madrugada é bastante arriscado. Ainda mais para um cara que está indo para a favela mais perigosa da cidade.
[Taxista] Tem sentido o que disse. Tem sentido. Mas o que quero dizer é que você me pareceu uma pessoa do bem. Logo eu não estaria correndo riscos fazendo essas perguntas. Por outro lado, uma pessoa do bem como você, naquela favela, correria muitos riscos.
[Mercenário] Por que estaria correndo riscos por lá? Você acha que uma pessoa de bem é alvo fácil por lá? Você acredita que iria me envolver com os bandidos de lá?
[Taxista] Não, por favor! Oh não! Jamais imaginaria algo do tipo. Exatamente por ser alguém de boa índole, tenho certeza que está indo para lá por outros propósitos. Como disse, deve ser um professor de educação física levando bolas para alguma atividade de recuperação dos jovens da comunidade. Claro que sua ida de madrugada é estranha e arriscada. Ainda assim, acredito que seu intuito é bom.
[Mercenário] Então, já que tem a certeza que não irei me envolver com os bandidos de lá e que minha ida é motivada por boas intenções, qual a sua preocupação?
[Taxista] Ah nunca se sabe, não é mesmo, senhor? Não viu semana passada o que aconteceu na Favela da Serrinha? Houve uma invasão por lá e mataram todos os traficantes de lá. Encontraram vários corpos. Uma chacina que, mesmo envolvendo marginais, é de chocar. Agora imagine você está subindo a favela na mesma hora que acontece isso. Não tem essa de quem é de boa índole, quem é bem intencionado ou quem é coisa ruim. Todo mundo vira alvo, todo mundo vira escudo. É cada um por si. Se carta que tem CEP vai parar em casa errada, imagine bala que é anônima.
[Mercenário] O senhor parece ser um bom homem. Não sei quanto tempo trabalha na madrugada, mas ela, sem dúvidas, te afetou e moldou uma nova pessoa. Deveria cogitar voltar para o dia.
[Taxista] Sim, são muitos anos. Mesmo assim, nunca mais volto para o dia. Engarrafamento, pessoas estressadas, muita concorrência...
[Mercenário] Meu senhor, acredite em mim. Acredite no homem que trabalha na madrugada também. Volte para o dia o quanto antes. Você não tem ideia do que a madrugada pode fazer com um homem.
[Taxista] Como assim? O que você quis dizer com...
[Mercenário] Apenas pense no que disse. Pode parar ali do lado daquela caçamba. Muito obrigado e boa noite.
[Taxista] Boa noite e tome cuidado. Por favor, senhor, tome muito cuidado.
[Mercenário] Deixa comigo.
Cena externa em uma rua escura de comunidade. O Mercenário sobre uma rua íngreme da favela. A rua é escura e deserta. À frente tem duas motos com um jovem sobre cada uma delas e mais um terceiro [Soldado] de pé ao lado segurando uma metralhadora.
[Soldado] Opa! Opa! Opa! Onde tu pensa que vai, mermão?
[Mercenário] Vou bater um papo com seu chefe.
[Soldado] Bater papo com o meu... [risos do Soldado] Está pensando que isso aqui é supermercado que pode ir falar com o responsável por qualquer motivo? O que foi? O que tá pegando? Comprou pó e não deu onda? Foi isso? Que reclamar que esse nariz de tamanduá não dá mais conta e precisa de algo mais forte?
[Mercenário] Rapaz, você...
[Soldado] Rapaz é o cacete. Preste atenção que só vou falar uma parada contigo e se não entender vou te colocar para conversar com esse cano aqui, entendido? Quer pó? É comigo! Que algo mais forte? É comigo! Agora, se for para fazer reclamaçãozinha de bunda mole, é com a puta que o pariu. Entendido? Entendido? Então, qual vai ser?
[Mercenário] Rapaz, até que você é bastante comprometido com seu trabalho e tenho certeza que o Feijão deve ter muito orgulho de você na linha de frente. Ainda assim, também tenho certeza que se ele souber que estive aqui e não pude falar com ele porque você me impediu... ou me embarrerou como costumam falar... Ah rapaz... De funcionário do mês, vai para carvão do micro-ondas do mês. Entendido? Entendido? E então, qual vai ser? Vai continuar na posição de cão de guarda que só late e não pensa ou vai deixar o chefe orgulhoso?
[Soldado] Tu é abusado mermo? Deve ter o colhão maior que o cérebro. O que você quer com o Feijão?
[Mercenário] Tenho uma entrega e uma proposta para ele.
[Soldado] Essas bolsas aí?
[Mercenário] É, as bolsas aqui.
[Soldado] Abre aí.
[Mercenário] Não.
[Soldado] Então não sobe.
[Mercenário] Rapaz, reflita mais uma vez.
[Soldado] Mermão, ou tu mostra ou você não sobe. Tu acha que sou otário? Vai que isso está cheio de arma, você chega lá e dizima geral.
[Mercenário] Rapaz, mais uma vez, pense. Você está com essa arma aí na mão. Até eu abrir a bolsa, pegar uma arma e começar a atirar, você já me matou três vezes e rezou um pai nosso.
[Soldado] Porra, mermão, não dificulta a parada. Isso aqui não é uma pracinha com recreação.
[Mercenário] Ok, vou facilitar para você. Eu tenho apenas uma arma na minha cintura aqui atrás. Pode pegar. Nas bolsas não tem armas. Se mesmo assim você duvida de mim, faremos de uma forma mais segura. Eu vou de garupa naquela moto com as bolsas. Você vai de garupa na outra apontando a sua arma para mim. Caso eu seja burro e apronte alguma, você larga o dedo. Simples.
[Soldado] Estou pensando em outra possibilidade. Se essas bolsas são tão importantes assim para o Feijão, o que acha de dar um tiro no meio da sua cabeça e eu subir apenas com as bolsas?
[Mercenário] Rapaz, não seja burro. Você não me conhece. Eu sou tão importante quanto as bolsas. Assim que o Feijão souber que me matou, ele vai te mandar para a mesma vala que você me mandou. Pegue aqui a minha pistola. Vai logo. Vamos agilizar logo essa merda que eu não tenho a madrugada toda, nem o Feijão. Chegando lá, se não for exatamente o que estou falando, pode ter certeza que o Feijão vai ser o primeiro a estourar os meus miolos.
[Soldado] Puta que o pariu. Isso vai dar merda. Vai dar merda mesmo. Vamos lá mesmo assim. Sobe naquela ali. Vambora, seus molengas. Vamos subir para bunker.
[Mercenário] Sabia que você era um cara esperto.
[Soldado] Cara esperto era meu pai que me fez. Sem gracinhas, entendeu? Sem gracinhas.
[Mercenário] Deixa comigo, filho de um cara esperto.
Cena externa pelas ruas da favela acima. As duas motos emparelhadas. Mercenário na garupa de uma com as duas bolsas e o soldado na garupa da segunda moto o tempo todo com a arma apontada para o outro. A cena se encerra quando eles param em frente a um portão de garagem de ferro grande.
Cena interna. Uma grande sala com mesas com drogas sendo pesadas em embaladas. Pó, dinheiro, armas e pacotes sobre as mesas. No total são onze pessoas dentro da sala mais o Feijão. Os quatro que subiram nas motos entram e fecham a porta.
[Feijão] QUE PORRA É ESSA? QUEM É ESSE CARA?
[Soldado] Desculpe, Feijão. Ele disse que tinha uma encomenda do seu interesse. Já revistei e só estava com essa arma.
[Feijão] MESMO ASSIM, CARALHO! COMO QUE VOCÊ ME SOBRE COM A PORRA DE UM ESTRANHO ASSIM? VOCÊ NEM SABE QUEM É, SEU MERDA!
[Mercenário] Preciso dizer que o erro dele foi influenciado por...
[Feijão] VOCÊ CALA A BOCA QUE AINDA NÃO ESTOU FALANDO COM VOCÊ. REPONDE, SEU MERDA! O QUE VOCÊ TEM NA CABEÇA PARA SUBIR COM UM ESTRANHO...
[Mercenário] Olha só. Eu não vou ficar ouvindo você dar esporro no seu cão de guarda. Estou aqui para negócios e meu tempo é curto. Guarde o esporro para mais tarde e trate de se acalmar que o que tenho para você é do seu interesse e vai me agradecer.
[Feijão] AH PUTA QUE PARIU. O ESTRANHO AGORA QUER ME DAR ORDEM E ASSUMIR O CONTROLE DA CONVERSA AQUI NA MINHA ÁREA. NO MEU BUNKER. VOCÊ TEM MERDA NA CABEÇA?
[Mercenário] Massacre da Serrinha.
[Feijão] O que? Massacre da Serrinha? Do que está falando?
[Mercenário] Semana passada aconteceu um massacre na Favela da Serrinha e...
[Feijão] Isso eu sei, porra! Do que está falando? Por que está falando isso para mim?
[Mercenário] Porque assim que terminou o massacre, a favela ficou quase vinte quatro horas sem nenhum grupo tomando conta da região. Até que o pessoal do Maré Mansa chegou e tomou conta do morro. Se você soubesse com antecedência, teria tomado conta do morro antes deles e teria mais uma comunidade sob seu controle, aumentando seus territórios na cidade.
[Feijão] O Maré Mansa assumiu a Favela da Serrinha porque foram eles que invadiram e mataram todos por lá. Não existia a possibilidade de a favela ficar sob o meu comando.
[Mercenário] Errado. Eles não deram um tiro, uma facada, um soco sequer. Eles apenas souberam que a favela foi invadida, que todos do grupo do Nonô morreram e subiu o morro com a maior tranquilidade do mundo. Foi a coisa mais fácil da história para eles.
[Feijão] Claro que não! Foram eles que invadiram. Você acha que sou idiota?
[Mercenário] Não, não te acho um idiota. Mesmo assim, afirmo para você que não foram os caras do Maré Mansa.
[Feijão] Ah não? Então quem foi? A polícia? Os porcos invadiram, mataram todos como se fossem açougueiros e depois deixaram tudo à disposição do primeiro grupo que aparecesse?
[Mercenário] Não, errado novamente. Quem fez o serviço foi apenas um homem. Ele entrou, matou todos para mostrar que pode e agora está aqui disponível para vender seus serviços para você.
[Feijão] Você está... Quer dizer que [Feijão gargalha e os outros o acompanham em seguida] Você acha que sou idiota, seu desgraçado? Você está subestimando muito a minha inteligência.
[Mercenário] Ok, te entendo perfeitamente. É complicado acreditar nisso. Por isto trouxe as duas bolsas. Aceite-as como se fosse um cartão de visitas meu.
Feijão abre uma das bolsas enquanto outro homem abre a outra. Tiram sacos pretos de dentro, cada um com um objeto grande e pesado dentro.
[Feijão] PUTA QUE PARIU, SEU PSICOPATA DE MERDA! [Feijão abre um dos sacos e é uma cabeça] SEU MANÍACO DE MERDA! VOCÊ É MUITO MAIS MALUCO QUE IMAGINEI. SÃO TODOS ELES?
[Mercenário] Ora, abra as sacolas.
[Feijão] Olhem isso! [Feijão vai abrindo as sacolas, cabeças são reveladas e ele ri de euforia] Isso é incrível. Olhem aqui aquele desgraçado magrelo que matou o Fabinho. Filho de uma puta. Se fudeu.
[Mercenário] Podemos prosseguir?
[Feijão] Você pode o que quiser agora. Bem que reparei que você tem uma cara de assassino. Mulambo, fez bem em não matar esse doido e trazer ele vivo para mim.
[Soldado] Viu, chefe? Sabia que não iria dar uma bola fora. Nunca te decepcionaria.
[Mercenário] Não te disse, funcionário do mês?
[Soldado] Percebi que você podia não ser apenas um maluco. Tinha de ter algo por trás.
[Feijão] Foi sorte. Você precisa saber que foi sorte, mulambo. Enfim, pode voltar para lá com o novinho para a subida da ladeira não ficar abandonada. Leva a arma desse psicopata também. Quando ele sair, você devolve para ele.
[Soldado] Deixa comigo, chefe.
[Feijão] Agora me responda uma coisa. Por que a Favela da Serrinha?
[Mercenário] Precisava de dinheiro. Dos seis territórios deles, a Favela da Serrinha era a que tinha maior movimentação de dinheiro e maior facilidade para uma intervenção minha. Fui lá, executei todos e peguei a grana para mim.
[Feijão] Quanto tinha?
[Mercenário] Não passou de duzentos.
[Feijão] Eles são muito fracos. Aquele tal de Nonô sempre fui ruim de negócios. [Feijão e seus comparsas começam a rir] Duzentos mil é o que fazemos em uma semana por aqui.
[Mercenário] Não duvido disso. Por isto vim até aqui para oferecer meus serviços.
[Feijão] Você quer que eu te pague para matar o resto da galera do Nonô?
[Mercenário] Não, jamais pediria isso. Tenho certeza que você e seus homens são capazes de fazer isso. Estou vendendo outro serviço. A informação antecipada de uma favela totalmente desocupada de organização adversária. Zero. Ela estará lá vazia esperando pela sua entrada. E, o melhor de tudo, vocês sequer sujarão as mãos de sangue.
[Feijão] Sem sujar as mãos?
[Mercenário] Na realidade, se vocês pudesses apenas dar conta dos corpos, eu agradeceria por ser apenas eu.
[Feijão] Ok, acho justo. Deixe-me ver se entendi então. Você vai a uma favela da minha escolha, invade, apaga todos e vai embora deixando tudo de bandeja para mim e meus homens?
[Mercenário] Não será exatamente assim.
[Feijão] Então como?
[Mercenário] A favela não será da sua escolha. Eu preciso decidir qual será de acordo com a facilidade de invasão que detectar. Imagino que talvez não ajude nos seus planos estratégicos de expansão, mas é questão de tempo apenas.
[Feijão] Tá! Tá bom! Só isso?
[Mercenário] Não, tem mais. Não ficará tudo de bandeja para você. A grana que lá estiver, eu levo. Drogas, armas, equipamentos ou qualquer outra coisa podem ficar. Não faço questão.
[Feijão] Tudo bem! Também acho justo. Mais alguma coisa?
[Mercenário] Apenas isso.
Feijão fica pensando por alguns segundos.
[Feijão] E como você pode me garantir que depois não vai querer rifar minha cabeça para o Maré Mansa?
[Mercenário] Feijão, sejamos espertos. Atualmente, mesmo sem você conquistar os próximos territórios do Nonô, você tem muito mais poder que o Maré Mansa. Você acha que vou te ajudar a crescer para vender depois a sua cabeça para um cara que pode pagar menos?
[Feijão] Você então quer fazer parceria comigo porque a cada conquista conseguirá tirar mais dinheiro de mim, certo?
[Mercenário] Tirar dinheiro tem uma entonação que não concordo. Prefiro dizer que a cada vitória nossa, consigo ser mais bem pago por você. Ora, isso é estratégia de negócios.
[Feijão] Isso é ser mercenário.
[Mercenário] Quem não é mercenário nesse bunker, Feijão?
[Feijão] Que seja. Quanto mais dinheiro eu passar a ganhar, mais você vai levar. É isso que quis dizer.
[Mercenário] Você continua enxergando nossa parceria de forma invertida. Pense assim, quanto mais dinheiro investir em mim, mais dinheiro vai fazer depois. O valor que pagar por um novo território vai ser exatamente o quanto vai fazer no mesmo território em um mês. Qual negócio que se paga em um mês?
[Feijão] É, parece um bom negócio mesmo. E como são as condições?
[Mercenário] Você paga e eu te entrego os cinco territórios restantes. Caso permaneça interessado nos meus serviços, renegociaremos as áreas do Maré Mansa.
[Feijão] Você quer adiantado? ELE QUER ADIANTADO! VOCÊ ACHA QUE SOU IDIOTA? VOCÊ PENSA QUE SOU UM OTÁRIO?
[Mercenário] Feijão, exijo que me respeite. Sou um mercenário, não um trambiqueiro. Se fosse para pegar o seu dinheiro e fugir, não me daria ao trabalho de vir até aqui, gastar minha saliva e ainda correr o risco de levar uma bala na cabeça de algum cão de guarda seu precipitado. Era mais prático invadir como fiz na Serrinha e levar a grana, sem correr o risco de ser seguido por vocês, caso desse o golpe como falou.
[Feijão] Mais prático? MAIS PRÁTICO? Você está pensando que isso aqui é a Favela da Serrinha que um homem sozinho invade?
[Mercenário] Feijão, não me leve a mal, mas sua favela possui pontos frágeis de segurança onde fica fácil chegar até você.
[Feijão] AH É? POIS ENTÃO FALE AGORA ONDE É FÁCIL ENTRAR AQUI?
[Mercenário] No ponto que entrei, estava apenas seu cão de guarda e dois motoboys.
[Feijão] Mas eles te viram chegar de longe. Nem teria chances.
[Mercenário] Imagino que esteja certo disso. Só que, caso fosse invadir essa região, jamais subiria a rua como fiz hoje.
[Feijão] Não tem outra maneira, espertalhão. Qualquer uma das quatro ladeiras que dão acesso ao topo tem o mesmo esquema.
[Mercenário] Sim, eu sei disso. Por isso os alcançaria por trás.
[Feijão] Como por trás se não tem outro acesso? Não ouviu o que acabei de falar?
[Mercenário] Sim, ouvi. O problema é que tem outro acesso, sim. Logo na rua principal no início da favela tem aquele bar, meio que um restaurante, que passando pela cozinha dá em uma área externa. Ali tem um muro que, pulando, você chega a uma espécie de corredor que liga os fundos de várias casas. Basta seguir o corredor até o final, entrar na última casa e, quando sair pela porta principal, você estará após o seu cão de guarda.
[Feijão] Eu nunca tinha pensado nisso.
[Mercenário] Pois acredite no profissional que é especialista em invasões. Como te disse, se fosse para sumir com sua grana, faria desta forma. Zero risco e gastaria metade do tempo que estou perdendo aqui.
[Feijão] VOCÊS SABIAM DA PORRA DESSE ACESSO? ESTAMOS COM A MERDA DO CU ARREGANHADO PARA OS OUTROS E NINGUÉM REPARA NISSO? POR QUE ESTOU PAGANDO VOCÊS AINDA? IDIOTAS! INCOMPETENTES! SÓ QUEREM SABER DE FICAR NA VIDA BOA AQUI EMBALANDO AS COISAS, VENDENDO NAS RUAS E COMENDO PLAYBOYZINHA NO BAILE. O ESSENCIAL, O PRIMORDIAL, A NOSSA RETAGUARDA, NINGUÉM SE PREOCUPA. PUTA QUE O PARIU.
[Mercenário] Ei! Feijão! Ei! Foco! Não tenho a noite toda. Vamos ou não vamos fazer negócios?
[Feijão] NÃO ME INTERROMPA QUE ESTOU PUTO.
[Mercenário] Sim, tem todo direito, mas, como já disse quando cheguei, guarde para depois. Não tenho a noite toda.
[Feijão] Você também é um sociopata apressado mesmo. Nunca vi um assassino de aluguel tão ansioso quanto você.
[Mercenário] Não sou assassino de aluguel. Não me confunda. Sou apenas um facilitador territorial. Meus métodos podem não ser os mais tradicionais, mas são eficientes.
[Feijão] Que seja. Já estou de saco cheio de olhar para a sua cara mesmo. Vamos fechar esse negócio então. Quanto quer pelos cinco territórios?
[Mercenário] Quanto você tem aí?
[Feijão] Você quer toda a minha grana?
[Mercenário] Não, quero saber apenas quanto tem neste momento.
[Feijão] No máximo uns quinhentos, quinhentos e cinquenta.
[Mercenário] Impossível. Você mesmo disse que faz duzentos por semana. Reveja esses números.
[Feijão] Ai porra! Mas você é abusado mesmo. Quanto que temos hoje?
[Homem à mesa do dinheiro] Uns quinhentos e cinquenta no máximo.
[Mercenário] Não minta!
[Feijão] Não minta! Pode falar a verdade logo para ele.
[Homem à mesa do dinheiro] Pouco mais de setecentos. Uns setecentos e vinte.
[Mercenário] Fechado!
[Feijão] PORRA! TUDO?
[Mercenário] Você acha que os cinco territórios restantes não valem isso?
[Feijão] Claro que valem! Valem até mais! Esperava apenas que pudesse fazer os pagamentos aos poucos.
[Mercenário] Você quer financiar os meus serviços? Está achando que sou Casas Bahia?
[Feijão] Você é muito abusado mesmo. Eu devia meter uma bala na sua cabeça.
[Mercenário] Eu sei disto. E é por conta dessa certeza que quero o pagamento de uma só vez. Somente assim terei a certeza que não vai tentar me apagar antes de terminar o serviço. Vai precisar fazer com que valha a pena tamanho pagamento.
[Feijão] Sim, faz sentido. E depois? Quem te garante que não irei te apagar depois?
[Mercenário] Dando tudo certo? Você vai ser meu fã número um e ainda implorará para eu aceitar fazer o mesmo com os territórios do Maré Mansa.
[Feijão] Vejam só que coisa. O calhorda além de ser bom no que faz, é esperto e pensa certo.
[Mercenário] Uma coisa está ligada da na outra. Podem colocar o dinheiro nas bolsas?
[Feijão] E as cabeças?
[Mercenário] São meus cartões de visita, se esqueceu?
[Feijão] Ah foda-se mesmo. Iremos praticar tiro ao alvo com elas. Vocês dois podem encher as bolsas. Sabe, nunca achei que uma cabeça fosse tão pesada. Por que elas estão com o topo e as bocas costuradas?
[Mercenário] As coisas nunca acontecem como se espera, daí costurei para ficarem de uma maneira mais apresentável. É melhor assim do que despedaçada ou caindo aos pedaços.
[Feijão] Você é doente! Estão aqui as bolsas. Pegue esse celular para falar comigo. O único número salvo é um que fica aqui comigo. Como vamos fazer?
[Mercenário] Na próxima terça-feira de noite te ligo confirmando onde atuarei. Provavelmente será na Favela do Arruda. Sendo lá, entro na madrugada de quarta para quinta. Você junta uma galera e fica nas redondezas pronto para entrar antes do amanhecer.
[Feijão] Combinado.
[Mercenário] E minha arma?
[Feijão] Está lá embaixo com o vacilão. Ele vai te entregar.
[Mercenário] Ok. Até terça.
[Feijão] Até terça, seu maníaco abusado.
Cena externa. O Mercenário sobe na moto que o esperava e desce a favela até o ponto inicial onde está o Soldado e o outro motoboy.
[Mercenário] Feijão disse para me entregar a minha arma.
[Soldado] Tudo bem lá em cima?
[Mercenário] Tudo encerrado perfeitamente. Não te disse que era do interesse dele?
[Feijão] É! Ele ficou orgulhoso de mim. Está aqui a arma.
Mercenário assim que recebe a arma, atira matando o Soldado e os dois motoboys. Em seguida, pega o celular, abre um aplicativo e aperta alguns botões.
Cena interna. Bunker do Feijão. Ele e seus comparsas estão festejando o acordo. Eles brincam com as cabeças que começam a fazer som de bipe. O som vai acelerando rapidamente. Eles não conseguem reagir. As cabeças explodem e toda a sala vai para os ares.
Cena externa. O Mercenário já na rua que fica no início da favela faz sinal, um táxi para e ele entra.
Cena interna simulando o interior de um táxi.
[Taxista] Boa noite. Para onde?
[Mercenário] Rua Francisco Albuquerque, por favor.
[Taxista] Não é a rua da favela do...
[Mercenário] Sim, é ela mesma. Sem perguntas, por favor. Nada de ruim vai acontecer com você. [Mercenário pega o celular e faz uma ligação] Alô? Maré Mansa? Pode pedir para o menino descer com a minha sacola, sua encomenda já foi entregue no inferno.