A incrível improvisação lisérgica de Flávio
Nogueira
Início
de cena
[♪]: Som de campainha
Um
homem (Flavio Nogueira) com mais de cinquenta anos que está vestindo uma calça jeans
surrada e uma camisa básica puída abre a porta. Ele está descabelado, olhos
vermelhos e com um cigarro pela metade na boca. Do outro lado outro da porta,
um rapaz (Armando) por volta de vinte e poucos anos vestindo calça social e camisa
social de mangas curtas.
[Armando] Senhor Nogueira?
[Flávio Nogueira] Sou eu. Quem é você?
[Armando] Sou o Armando.
[Flávio Nogueira] Armando.
[Armando] Armando.
[Flávio Nogueira] Armando.
[Armando] Sim, Armando.
[Flávio Nogueira] Quem é você,
Armando?
[Armando] Sou o assistente do Tarcísio
Bulhões. O editor do jornal Folhetim Diário.
[Flávio Nogueira] Sim. Sim. Armando.
Sim. Armando assistente do Tarcisio. Grande Tarcisio! Não tão grande, né?
Quanto ele tem de altura? Um metro e setenta? Não, talvez menos. Mas um grande
profissional. Você concorda comigo?
[Armando] Sim, concordo, senhor.
[Flávio Nogueira] Concorda com ele ser
um grande profissional ou ele ter um metro e setenta?
[Armando] Ser um grande profissional.
[Flávio Nogueira] E quanto você acha
que ele tem de altura?
[Armando] Não sei precisar, senhor.
[Flávio Nogueira] Ele é mais alto ou
mais baixo que você? Qual seu nome mesmo?
[Armando] Ele é mais alto, senhor. Meu
nome é Armando.
[Flávio Nogueira] Sim. Sim. Armando.
Grande Armando! Não tão grande quanto o Tarcísio, não é, Armando? Essa foi boa.
Quanto você mede, Armando?
[Armando] Não tenho a menor ideia,
senhor. Eu estou aqui apenas...
[Flávio Nogueira] Entre, Armando!
Entre. Eu tenho uma fita métrica aqui. Vamos medir a sua altura.
Flávio
Nogueira conduz Armando para dentro da sua casa. A sala é muito bagunçada.
Livros, garrafas de cerveja e bitucas de cigarro para todos os lados. Em uma
mesa de centro, Armando visualiza um baseado, cocaína e copos vazios. Flavio Nogueira
sai em direção a algum quarto enquanto na sala Armando fica espantado com o
cenário. Um tempo depois Flavio Nogueira volta.
[Flávio Nogueira] Olá. Quem é você?
[Armando] Sou Armando, senhor
Nogueira.
[Flávio Nogueira] Armando?
[Armando] Sim, senhor Nogueira. Sou
assistente do editor chefe do jornal...
[Flávio Nogueira] Ah sim. Sim. Sim.
Lembrei. Você veio me entregar uma fita métrica.
[Armando] Não, senhor Nogueira. Eu vim
aqui para... O senhor está bem?
[Flávio Nogueira] Sim. Claro. Não.
Quero dizer. Depende. Quando fecho os olhos vejo figuras infinitas com cores
vibrantes. Sabe do que estou falando, Armando? É só fechar os olhos. Aqui.
Olha.
Flávio
Nogueira tapa os olhos com as mãos.
[Flávio Nogueira] Vou fechar os olhos.
Veja! Bonequinhos cabeçudos. Um do lado do outro. Vão diminuindo de tamanho
conforme se enfileiram na direção do horizonte. Vai ficando infinito. Veja! Não
acabam. São muitos! Muitos mesmo! Todos coloridinhos. Uma coisa linda. Nem
tenho coragem de abrir os olhos.
Flávio
Nogueira tira as mãos do rosto e abre os olhos.
[Flávio Nogueira] Olá. Quem é você?
[Armando] Sou Armando, senhor.
[Flávio Nogueira] O que está fazendo
aqui?
[Armando] Estou vendo você e seus
bonequinhos coloridos enfileirados até o infinito.
[Flávio Nogueira] Você também os viu?
[Armando] Não, não os vi, senhor. Eu
na verdade estou aqui para...
[Flávio Nogueira] Deveria ter visto.
São muitos! Muitos para valer. Tipo uns trinta. NÃO! Muito mais! Muito mais
mesmo! Uns vinte. Não. Isso é menos. Não é? Quanto falei antes?
[Armando] Senhor Nogueira, por favor,
posso falar?
[Flávio Nogueira] Sim, claro, rapaz.
Você quer uma água? Nem te ofereci. Que falta de educação a minha. Tem água,
tem cerveja e uísque. Tenho também um baseado nervoso aqui. Não fui eu que
apertei. Eu não sei fazer essas coisas. Mentira! Claro que sei. Eu sou muito
ansioso mesmo. Não consigo ficar enrolando e arrumando. Me dá umas coisas,
acabo colocando tudo no cachimbo e fumo lá mesmo. CACHIMBO! Você fuma uma
pedrinha? Tem também. Tem pó, mas ele é meio ruim. Vou reclamar inclusive com a
Marlene. Ela é a minha diarista. Faxineira! Ela arruma essa bagulhada toda que
estou consumindo e ainda aperta o baseado. Ela aperta o baseado. Indiquei a
Marlene para uma vizinha daqui e ela ficou decepcionada porque não sabia passar
roupa. Minha senhora, ela sabe apertar um baseado como ninguém, para quê passar
roupa? Enfim, o pó é ruim. Vou reclamar com ela. Tem LSD também. Sabe? Papel?
Vocês chamam agora de doce, né? Doce é o cacete! Se eu fosse traficante ia
ficar muito puto. Chega o cara perguntando “tem doce?”. Enfiaria minha pistola
na cara dele e diria “eu tenho cara de Halloween?”. Será que traficante sabe
falar Halloween? Enfim, tem papel. Mentira! Acabou. Gastei tudo hoje.
[Armando] É, eu estou percebendo. Mas
não precisa. Obrigado.
[Flávio Nogueira] Então, no que posso
ser útil?
[Armando] O Tarcísio está te ligando o
dia todo e não consegue falar com o senhor. Agora imagino o motivo. Enfim, já
passou do prazo do senhor enviar a sua coluna que será publicada no domingo.
Ele pediu para tentar pegar pessoalmente com o senhor.
[Flávio Nogueira] Rapaz, eu esqueci.
Esqueci totalmente. Estou nessa já tem uns dias e esqueci. É impossível se
concentrar com os bonequinhos...
[Armando] Infinitos com cores
vibrante. Eu sei, senhor.
[Flávio Nogueira] Você viu? É só
fechar os olhos e...
[Armando] Não feche os olhos, por
favor, senhor.
[Flávio Nogueira] Ok.
[Armando] Só preciso do texto.
[Flávio Nogueira] Posso te falar uma
coisa?
[Armando] Sim, pode, senhor.
[Flávio Nogueira] Você já viu aquelas
bicicletas de andar acompanhado que alugam lá na Lagoa Rodrigo de Freitas? Não
literalmente na Lagoa. Literalmente na Lagoa seriam pedalinhos, né? Estou
falando daquelas bicicletas que são duas rodas atrás e uma na frente. Bem lá na
frente. Tem um ferro comprido toda vida e no final a rodinha. Podem sentar até
três pessoas. Não na rodinha. Na casinha que vem atrás sobre as duas outras
rodas. Estou explicando direito? Então, lá tem essas bicicletas. Ontem, eu
estava vendo várias delas por aqui. Só que no lugar da bicicleta, as pessoas
ficam em cima de um enorme cachorro salsicha. Veja só que doideira.
[Armando] Senhor...
[Flávio Nogueira] Qual o nome do
cachorro salsicha mesmo?
[Armando] Dachshund.
[Flávio Nogueira] Tem certeza? Não é
Cocker alguma coisa?
[Armando] Cocker Spaniel.
[Flávio Nogueira] Isso! Sabia!
[Armando] Não, senhor. Cocker Spaniel
é outro cachorro.
[Flávio Nogueira] Outro? Qual?
[Armando] Ele é de pequeno porte
também. Tem as orelhas um pouco compridas. Costuma ter um problema de mau
cheiro por conta de uma glândula.
[Flávio Nogueira] Isso não é um gambá?
[Armando] Não, senhor.
[Flávio Nogueira] Tem certeza?
[Armando] Absoluta.
[Flávio Nogueira] Você é veterinário?
[Armando] Não, senhor. Sou assistente
do...
[Flávio Nogueira] Estou brincando. Sei
quem você é. Qual o nome mesmo?
[Armando] Armando.
[Flávio Nogueira] Não, garoto! Está
doidão? Do cachorro! Qual o nome dele mesmo?
[Armando] Ahn! Dachshund.
[Flávio Nogueira] Eita que nome
difícil. Por isso que ficou popular o nome cachorro salsicha. Ninguém sabe
escreve esse demônio de nome. Na verdade, muito não sabem escrever sequer
salsicha.
[Armando] Por falar em escrever,
senhor...
[Flávio Nogueira] Exato! Você sabe
escrever salsicha?
[Armando] Claro que sei, senhor.
[Flávio Nogueira] Soletre, por favor.
[Armando] Senhor, preciso da sua
coluna para publicar no domingo.
[Flávio Nogueira] Menino, já disse que
não escrevi. Essa semana foi toda nesse ritmo. Não gosto de ser pressionado.
[Armando] Não me leve a mal, senhor. Para
mim, estar na casa do grande autor Flavio Nogueira é uma grande honra. Logo,
fazer cobranças ao senhor me deixa muito desconfortável. O problema é que o senhor
Tarcísio me orientou a não voltar sem uma coluna sua. Claro que ele antecipou
que pudesse presenciar uma situação peculiar, mas não imaginava algo deste
tipo.
[Flávio Nogueira] É, rapaz. Seu chefe
estava certo.
[Armando] Enfim, como pode me ajudar?
Não tem um backup ou alguns textos inéditos guardados para situações como
estas?
[Flávio Nogueira] Backup! Claro! Tenho
alguns textos em um pendrive. Está
ali em cima da mesa. Ali. Aquele negócio branco.
[Armando] Senhor, isto não é um pendrive. Isto é um dado.
[Flávio Nogueira] Um dado?
[Armando] Sim, um dado.
[Flávio Nogueira] Que tipo de dado?
[Armando] Um dado erótico.
[Flávio Nogueira] Um dado erótico? Papagaio!
Jogue para cá.
Armando
joga o dado com pouca força e acaba caindo no chão próximo aos pés de Flávio
Nogueira.
[Flávio Nogueira] Tire uma peça de
roupa.
[Armando] Ahn?
[Flávio Nogueira] Tire uma peça de
roupa. Está aqui! O que sai no dado precisa ser feito. Você jogou o dado e
agora precisa cumprir.
[Armando] Eu não joguei o dado. O
senhor pediu.
[Flávio Nogueira] Mas você jogou. Tire
uma peça.
[Armando] Eu não joguei de jogar. Eu
joguei de arremessar.
[Flávio Nogueira] Você jogou. Acabou
de confessar. Pode tirar uma peça.
[Armando] Senhor, tente me entender.
Eu joguei o dado. Digo. Eu arremessei o dado porque você pediu. Isso não significa
que joguei porque estava jogando o jogo. Ah, o senhor me entendeu.
[Flávio Nogueira] Rapaz, a regra é
clara. Arremessou o dado, tem de fazer o que saiu. Tire uma peça. Vamos.
[Armando] Ok. Peraí. Pronto. Tirei.
[Flávio Nogueira] Você tirou um
sapato.
[Armando] E daí?
[Flávio Nogueira] E daí que isso não
conta como uma peça.
[Armando] Claro que conta.
[Flávio Nogueira] Claro que não! Para
sapatos, uma peça é o par. É a unidade comercializada. Onde já se viu comprar
apenas um sapato? Até um perneta compra dois sapatos, não compra? Ou não? Como
será que eles fazem? Será que compram só um e ganham cinquenta por cento de
desconto? Não, não é possível. Imagine uma loja que esteja com má sorte e só
atendeu ultimamente pessoas sem a perna direita. Não é justo. Além do mais,
nunca vi uma loja com cartaz escrito “grande saldão de pés direitos”. Eles
compram o par com certeza. Engraçado. Fiquei intrigado. O que eles fazem com o
outro pé? Será que jogam fora? Será que existe algum aplicativo tipo Tinder
para encontrar a sua cara metade? Digo, seu par de sapatos metade. Imagine só a
descrição: “Meu nome é Jorge e procuro pessoas sem o pé direito para dividir
pares de sapatos. Calço 42 e possuo joanete. É importante que sejam
confortáveis. Não sou preconceituoso, mas dispenso sapatênis.”.
[Armando] Senhor, é uma interessante
reflexão. Veja, tirei o outro sapato. Podemos ver o seu texto? Onde está o pendrive?
[Flávio Nogueira] Não sei! Era para
estar aí! Provavelmente a menina que trouxe o dado erótico para brincar comigo
foi embora com o pendrive por engano.
[Armando] Senhor Nogueira, isto é muito
grave. Como faremos agora? Não posso voltar para a redação sem a sua coluna.
Meu emprego depende disto.
[Flávio Nogueira] Ok. Não se preocupe,
rapaz. Vamos improvisar um agora mesmo. Sou muito bom nisto. Precisamos de um
assunto. Fale algo.
[Armando] Desculpe-me, senhor. Estou
muito nervoso com a possibilidade de perder o meu emprego. Nada mais me vem à
cabeça.
[Flávio Nogueira] Tudo bem. Tudo bem.
Sem pânico, rapaz. Sem pânico, Flávio Amaral. Vou escrever sobre algo que
falamos hoje. Será um tema recente e fluirá facilmente. PERNETAS! Sim! Um conto
fantasia. Uma nova síndrome. As pessoas são vacinadas com genes de lagartixa para
se regenerarem em caso de amputação. Isso! Mas vai dar errado! A pessoa tem a
perna amputada, só que não nasce outra perna. Não! Vai acontecer ao contrário
com as pessoas. A partir do membro amputado começa a surgir uma pessoa. Um
gêmeo do amputado, só que sem a outra perna. Daí, todo amputado vai ter um novo
gêmeo, mas faltando exatamente a perna que ele tem. Entendeu? É isso!
Excelente! Com isso, cada um tendo o seu gêmeo amputado simétrico, os problemas
dos pares de tênis pela metade se resolvem.
[Armando] Senhor Nogueira, mesmo para
os seus leitores acostumados com seus textos, acredito que esse será muito
agressivo. Melhor pensar em outra coisa mais dentro da sua linha habitual.
[Flávio Nogueira] Bem pensado. O que
tem em mente? Que linha minha?
[Armando] O senhor costuma escrever
muito sobre sexo. Que tal? É um tema fácil. Quero dizer. Para o senhor, deve
ser um tema fácil.
[Flávio Nogueira] Sexo? Sim. Sexo!
Todos gostam de ler sobre sexo. Eu escrevo muito sobre sexo. Adoro escrever
sobre sexo. Vamos pensar em algo. Deixe-me acender apenas o baseado para dar
aquela ajuda.
Flávio
Nogueira pega o baseado na mesa de centro e acende. Amaral aumenta seu olhar de
preocupação com a cena. Após dois tragos bem longos, Flávio Nogueira prossegue.
[Flávio Nogueira] Uma mulher que
cansou de responder para os homens se ela gozou. Rosana o nome dela. Sempre que
transava, os homens ao final perguntavam para Rosana se ela tinha gozado.
Cansada disto, ela passa a emitir certificados para eles: “Parabéns, você me
fez alcançar um orgasmo.”. Isso! Não! Melhor ainda. Ela não entrega o
certificado na hora. Acabou a transa, o cara pergunta se ela gozou e Rosana
responde “compareça no dia 18 de agosto no auditório principal da UFRJ para a
entrega de graus.”. Vai ter toda uma cerimônia. Hino nacional no início e tudo.
Os homens que transaram com ela perfilados usando beca. Discursos padrões.
Homenagem aos pais: “Queremos agradecer aos nossos pais pela educação dada e
nunca ter interferido nas nossas punhetas escondidas durante o banho que nos
ajudou a conhecer melhor o corpo.”. Homenagem a Deus também: “Agradecemos a
Deus por colocar Rosana em nossas vidas e por não nos mandar para o inferno
pelo sexo sem fins reprodutivos.”. E, claro, homenagem aos ausentes: “Queremos
agradecer aos ausentes. Aos que se foram. Principalmente ao tio Célio que
partiu quando eu tinha apenas cinco anos. Tio Célio, se você ainda fosse vivo,
estaria me molestando até hoje e provavelmente não teria condições de manter
relações com a Rosana.”. Depois, um por um é chamado para receber seu
certificado diretamente das mãos de Rosana. Ao final, ao som de Je T’aime Moi
Non Plus e sob uma chuva de embalagens de camisinhas, eles tiram a beca e celebram
nus.
[Armando] Senhor Nogueira, preciso
dizer que estou impressionado com esse baseado. Que história! Ainda assim, acho
melhor pensarmos em algo diferente. Não tenho certeza se as pessoas acompanharão
a sua linha de raciocínio.
[Flávio Nogueira] Está complicado
segurar as ideias dentro de mim agora. É muita coisa vindo de uma só vez. Estou
pensando em Copa do Mundo e ao mesmo tempo em remédio controlado.
[Armando] Não sei se são assuntos
possíveis de correlação, senhor.
[Flávio Nogueira] Claro que são! Uma
pessoa trabalha na coordenação da Copa do Mundo. Rosana! Sim, Rosana! Estou com
este nome na cabeça. Vai ver é o nome da menina que deixou o dado erótico aqui
e levou meu pendrive. Rosana toma
remédio controlado e, caso se esqueça, fica incoerente. Abertura da Copa do
Mundo. França e África do Sul. Os times entram em campo. O locutor se espanta: “Meu
senhor, o time da África do Sul tem 68 jogadores em campo!”. O repórter de
campo explica: “Pois é! Acontece que, no momento de credenciar os times, a
responsável tinha se esquecido de tomar sua medicação e errou um pouco no
controle dos jogadores.”. O locutor ainda surpreso indaga: “Mas a Copa do Mundo
será com 68 jogadores cada time?”. Eis que o repórter responde: “Não! Assim que
terminou de credenciar o time da casa, ela tomou sua medicação e voltou ao
normal. Só a África do Sul vai jogar com 68 jogadores.”. O locutor fica
indignado dizendo que isso era um absurdo. O repórter concorda e prossegue: “Sim,
um absurdo. Para se ter uma ideia, a África do Sul precisou fazer um processo
de imigração de atletas porque sequer conseguiu encontrar 32 sul africanos
aptos a jogar pela seleção, imagine 68. Se reparar com calma, tem ali dois
japoneses, um australiano, alguns chineses e três cubanos. Na verdade, dois
cubanos, pois um já pediu asilo político e foi substituído por um cachorro salsicha
cujo nome é difícil de se escrever. Vamos torcer para que sejam eliminados
ainda na fase de grupos.”.
[Armando] É, definitivamente estou
desempregado. Senhor Nogueira, seria muito abuso pedir um pouco do seu baseado
para amenizar a minha dor pela perda do emprego?
[Flávio Nogueira] Pare de falar
bobagens, rapaz. Vai sair esse texto de qualquer jeito e você vai garantir seu
emprego. Vai garantir seu emprego e ganhar uma dedicatória. Será o melhor texto
da minha história e será em sua homenagem.
[Armando] Muito obrigado, senhor. Fico
lisonjeado, mas não vejo como isso será possível.
[Flávio Nogueira] Um texto sobre música.
[Armando] Bem, música é um tema
bastante recorrente nas suas colunas.
[Flávio Nogueira] Viu? Música! Um
texto sobre música com um tema de apelo coletivo.
[Armando] É uma boa estratégica.
Muitos irão se simpatizar com ele assim.
[Flávio Nogueira] Exato! Um texto que
fale de Chico Buarque.
[Armando] Chico Buarque. Está aí algo
que muitas pessoas falam e gostam de ler. Parece que está em um bom caminho.
[Flávio Nogueira] Um texto sobre Chico
Buarque que seja polêmico. Um texto que deboche dele.
[Armando] Ai meu pai...
[Flávio Nogueira] Calma. Está saindo!
Transmissões neurais sendo feitas. A história é sobre uma vitrola que só toca
Chico Buarque. É isso! A vitrola só toca Chico Buarque porque sua dona só
escuta Chico Buarque. A vitrola é muito frustrada com isso, pois adoraria tocar
Billie Holiday, Sinatra, João Gilberto e Rolling Stones. Isto não acontece. Sua
dona só quer saber de Chico Buarque. Ela se masturba ouvindo Chico Buarque. A
vitrola, se pudesse, falaria para ela: “Isso é muito chato. É muito
superestimado. Como dizem por aí, ele nem é tudo isso. Chico é na verdade um
sambista que comprou um dicionário de rimas.”.
[Armando] Senhor Nogueira, de fato, o
senhor conseguiu algo bem polêmico mesmo. Não tenho certeza se isso é
publicável.
[Flávio Nogueira] Calma! Preciso
explicar a dona.
[Armando] Deixe-me adivinhar. Ela se
chama Rosana?
[Flávio Nogueira] Não! Ela não merece
o nome Rosana. Ela se chama Marli. É uma lésbica quase da minha idade,
encalhada, feminista xiita que não depila a virilha desde a adolescência. Parece
que tem dois judeus ortodoxos no meio das suas pernas. Isaac e Jacó. Não! Muito
clichê. Renan e Maicon. Não! Com esse nome ela teria dois evangélicos no meio
das pernas.
[Armando] Senhor Nogueira, agora tenho
certeza que isso não somente não é publicável, como, caso o faça, será preso.
[Flávio Nogueira] Meu rapaz, estou
tentando te ajudar, mas você está muito pessimista. Não é possível que as
ideias sejam totalmente desprezíveis. Não acredito que nada se salve.
[Armando] Senhor Nogueira, espero que
não me leve a mal, pois lhe respeito e considero um dos maiores escritores
vivos, mas nada se aproveita. Para não ser tão radical, digo que a ideia do
perneta seria viável se o senhor tivesse optado a contar uma história sobre o Saci
Pererê.
[Flávio Nogueira] Está aí! Já tive
algumas colunas que apenas falavam como as coisas surgiam. Posso fazer uma
contando a história do Saci Pererê. Você sabia que o Saci Pererê perdeu uma das
pernas jogando capoeira? E tem mais! Ele, em outras regiões, pode ser conhecido
como Saci Cererê, Saci Trique, Saci Saçurá, Matita Perê ou Matimpererê. Aliás,
Matimpererê é uma palavra tupi-guarani que provavelmente deve significar não dê
golpe de capoeira naquela serra elétrica ligada que vai dar merda.
[Armando] Senhor Nogueira, muito
obrigado, mas voltarei com as mãos vazias mesmo. Amanhã o senhor Tarcísio entrará
em contato com o senhor. Adeus.
Armando
vai embora. Flavio Nogueira fecha a porta e vai para seu quarto. Deitada na
cama, uma mulher.
[Mulher] Meu Deus, homem! Que demora!
Cadê cerveja que foi buscar? Que sapatos são esses em suas mãos?
[Flávio Nogueira] Olá! Quem é você?
[Mulher] ROSANA, HOMEM! ROSANA!
Fim de cena