quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Histórias reais inventadas por mim

Parceiro
Depois de dois meses de combate na floresta fechada, apenas Simon e Terence estavam vivos. Dentre os quarenta e cinco soldados do oitavo grupamento de infantaria, apenas eles sobreviveram. Já estavam na segunda semana vagando sozinhos mata adentro e a comida tinha acabado. Água não era problema, pois chovia muito na região. Pelos cálculos deles, mais seis dias andando quinze horas por dia em direção ao noroeste seriam suficientes para chegar a uma região onde outro grupamento estaria acampado.
Durante a segunda metade de caminhada daquele dia, eles foram surpreendidos com aviões procurando por soldados na região. Na tentativa de melhor identificar se eram aliados ou inimigos, acabaram sendo vistos. Eram aviões inimigos. Um deles retornou dando um rasante e disparou dezenas de tiros. Um acertou Terence no meio da barriga fazendo um grande estrago. O sangue não parava de jorrar pelo ferimento apesar dos esforços de Simon em tentar contê-lo.
- TERENCE, PORRA! PORRA! MAS QUE PORRA!
- Parceiro... Me... Desculpe...
- CARALHO! COREANOS FILHAS DA PUTA! MALDITOS SEJAM!
- Simon... Preciso que me escute... Por favor...
- Sim, claro! Pode falar, parceiro.
- Diga à minha esposa que... Que a amo... Diga que queria ter muitos... Muitos... Muitos filhos com ela... Obrigado.
- Pode deixar, parceiro. Assumo esta dívida agora com você e ela será a mais nova motivação para sair deste inferno. Que Deus esteja com você. Eu te amo.
Simon então fecha os olhos de Terence, faz o sinal da cruz, se levanta e inicia a caminhada. Seis ou sete passos depois ele escuta:
- Simon... Simon... Parceiro!
- Terence? – Ele retorna até o parceiro deitado no chão. – Terence?
- Eu não morri ainda.
- Mas sua fala estava fraca. Eu até fechei os seus olhos.
- É, eu sei. Achei bonitinho e achei melhor não estragar o seu momento.
- E como você está?
- Olha... Continuo sangrando bastante e o tiro está começando a arder para valer.
- Eu sei, parceiro. Que merda! QUE MERDA! Calma! Respire com calma, Terence. Você precisa ter paz neste momento. Feche os olhos. Pense em coisas boas.
- Simon?
- Sim, parceiro?
- Eu acho que ainda não vou morrer.
- Meu Deus, parceiro! Por favor! Por favor! Por favor, não me peça isso.
- Pedir... Pedir o quê, Simon?
- Pedir para te finalizar. Eu sou incapaz de fazer isso com você. Não quero conviver com isso o resto da minha vida.
- Não... Não, Simon! Não quero que me mate. Apenas fique comigo.
- Ah claro, parceiro! Pode contar comigo. Ficarei aqui ao seu lado o tempo todo. O que quer que eu faça?
- Aparentemente, nós... Nós não temos muitas opções, né? Apenas converse comigo.
- Sim! Sim, Terence. Tudo pelo seu conforto. O que quer falar?
- Ah... Simon... Qualquer coisa. Conversa comum. Apenas me ocupe a cabeça. Finja que acabamos de nos encontrar.
- OH MEU DEUS, TERENCE! VOCÊ FOI BALEADO! PUTA QUE...
- Não... Simon! Não... Finja que nos encontramos em uma situação normal. Preciso apenas jogar papo fora.
- Ah claro! Faz mais sentido. E aí, Terence? Como vai?
- Simon, como nunca notei que você era um idiota?
- Desculpe, Terence. Sinto muito mesmo. É que estou muito nervoso vendo você sangrando e agonizando à beira da morte.
- Bem, já que mencionou. Até que estou bem, Simon. Continuo sangrando como uma mula sacrificada, mas nem cheguei a agonizar ainda.
- Então não quer que te carregue e...
- Não! Simon, não! Eu vou morrer!
- OH CÉUS, TERENCE! EU NÃO QUERO VER ISSO! NÃO QUERO ESSA IMAGEM...
- Simon! Simon! Homem, eu vou morrer em breve, mas não agora. Não precisa me carregar.
- Ah sim! Agora entendi. Que alívio.
- Mas cedo ou tarde morrerei.
- Não diga isso, Terence! Isso atrai coisas ruins.
- Tipo o quê, Simon? Um contêiner cheio de médicos, gazes e curativos cair na minha cabeça?
- Claro! Que bobagem a minha.
- Pois é!
- E como está aí?
- Ainda sangrando.
- Demora, né?
- Mais do que eu esperava.
- Também estou achando isso. Nos filmes, normalmente o parceiro faz o último pedido e logo em seguida morre. Será que estamos fazendo algo errado? Será que esquecemos de algo?
- Com certeza, Simon. Com certeza nos esquecemos de algo. Eu esqueci de morrer.
- Poxa, Terence, estou preocupado. Não sei o que fazer enquanto está aí deitado sangrando sem parar como um chafariz – Simon coça a cabeça e segue falando. – Quer um pouco de água?
- Você falou em chafariz e ficou curioso para saber se, após beber a água, ela vai sair pela minha barriga?
- Sim, um pouco.
- Simon, eu não sou o Patolino.
- Eu sei. Eu sei, Terence. Tenha paciência.
- Ok... Me dê o cantil.
- Vai testar?
- Não, Simon. Estou com sede após sangrar uma cisterna de sangue.
- Ahn... Está aqui!
- Obrigado – Terence bebe um, dois, três goles. – Cof! Cof! Simon!
- Céus, Terence! É agora?
- Não, homem! Apenas engasguei.
- Desculpe, Terece. Preciso confessar que estou um pouco ansioso com isso. Essa morte que não chega está me deixando nervoso.
- Saia daqui, Simon.
- E agora?
- NÃO, SIMON! APENAS SAIA!
- E te deixar sozinho, parceiro?
- Não, Simon! Preciso apenas que se afaste um pouco. Essa água me deu gases.
- Peidar? Você quer peidar? Pare de bobagem, Terence. Ficarei do seu lado o tempo todo.
- Você está querendo ver se, na tentativa de peidar, farei bolinhas de sangue pelo tiro na barriga, não é?
- Sim!
- Cristo, eu não sou um desenho animado... Faz o seguinte, Simon. Por favor! Pegue aquela pistola e finalize logo comigo.
- Não! NÃO! JAMAIS!
- Simon, porra! Está escurecendo, você vai perder meio dia de caminhada e correr o risco de não encontrar com os aliados.
- Eu fico uma semana aqui com você, perco o ponto de encontro, mas não te sacrifico, parceiro.
- Larga de ser idiota, Simon! Preciso que você pegue o ponto de encontro para dar o recado à minha esposa. Por favor!
- Ok, Terence. É justo. Como prefere?
- Que tal um tiro na cabeça?
Simon então se virou de costas para Terence, puxou a pistola e apontou para trás na direção do seu parceiro. Os dois então fecharam os olhos juntos. Simon balbuciou algo que parecia uma breve prece e disparou. Ele fez o sinal da cruz e seguiu em frente com os olhos marejados. Tudo que ele queria agora era voltar para casa e dar o recado à esposa de Terence. Minutos depois ecoou pela floresta.
- SIMON, SEU IDIOTA! VOCÊ ERROU! E VOCÊ NÃO PEGOU O NOME E ENDEREÇO DA MINHA ESPOSA!