Dilemas juvenis
Ela deitada na própria cama de barriga
para cima mexendo no celular. Ele sentado no chão, encostado na cama. Os dois
falavam amenidades e futilidades o dia todo. Alguns momentos de silêncio, nada
muito longo, eram sempre quebrados por um comentário qualquer que gerava um
longo assunto. Era assim por toda à tarde.
- Como está a minha avaliação?
- Ahn?
- A minha avaliação no Lulu – ele
repete se prolongando. – Aquele aplicativo que vocês avaliam os caras com quem
saem. Acho que andaram detonando a minha nota.
- Jura? Peraí – ela responde sem tirar
os olhos do celular. – Vou ver para você.
- Aposto que foi aquela dentuça de
merda – ele seguia falando, quase que sozinho, pois ela não tirava os olhos do
celular. – Muito babaquinha. Incrível! Não aguentou a brincadeira que fizemos
no shopping outro dia e agora está nessa de me fuder nessa parada.
- Ih rapaz!
- O que foi? Caiu muito?
- Não, peraí.
- Ela me detonou, né?
- Não, merda – ela gesticula com a mão
para que ele faça silêncio. – Deu uma merda aqui.
- Como assim? O que houve?
- Não está mais aparecendo você.
- Como não?
- Vou procurar de novo?
- Será que meu perfil bombando
derrubou o servidor?
- Não! Para, porra!
- Então?
- Não aparece na lista de homens. Será
que trocaram seu sexo no Facebook?
- Ei, pode parar! A sapata aqui é
você!
- Ah tá – ela gesticula com o dedo
médio para ele. – No seu cu arrombado!
- Pare de perder tempo vendo perfil de
mulher de biquíni e me ache aí.
- Não estava vendo nada disso.
- Claro que estava! Daí o programa
achou que era uma sapata e não deixa mais ver homens.
- Onde que estava vendo menina de
biquíni?
- Aquela menina estranha de biquíni na
beira da praia com uma frase do Gonzaguinha que ironicamente tinha alergia à
areia.
- A minha prima?
- Sei lá! Ela tinha um corpo estranho
em forma de moringa!
- Era minha prima, porra! Não fala
assim dela!
- Mas ela é assim!
- Nada disso. Ela é muito bonitinha,
tá?
- Você pegaria?
- Claro que não!
- Viu? Baita canhão!
- Eu não pegaria porque não sou
lésbica!
- Sapata!
- Lésbica! Odeio esse termo. Tão
ofensivo.
- Ficou ofendida?
- Claro!
- Lésbica sensível!
- Imbecil! Fiquei ofendida por achar
que sou lésbica, não pelo termo que usou. Ah porra! Vai pedir para outra pessoa
ver então.
- Foi mal! Veja aí!
- Não está aparecendo! Sumiu!
- Você escangalhou o meu Lulu!
- Não! Eu não!
- Você quebrou o meu Lulu, sua
invejosa?
- Por que disso agora?
- Isso é por que fiquei com alguma
menina que você gostava?
- Não, merda!
- Então por qual motivo escangalhou
meu Lulu?
- Nunca nem cheguei perto dele, tá?
- Como fico com um Lulu com defeito?
- Sei lá!
- Não precisava fazer isso.
- Para!
- Cruel! Cruel demais da sua parte!
- Não fiz nada! Pede pra outra menina
ver o seu Lulu!
- Como? Como que ela vai ver meu Lulu,
se ele está escondido? Você afugentou o meu Lulu! Ele já não era grandes
coisas, mas pelo menos divertia algumas meninas.
- Cara, não estou achando.
- Pois continue procurando, você quem
perdeu. Agora não tenho nem mais o primeiro L de Lulu. Como pode fazer algo do
tipo com meu Lulu?
- Eu não cheguei perto dele! Só não
sei onde está!
- Pode procurando! Chame a Madre
Vasconcelos.
- Quem?
- Madre Vasconcelos.
- Quem é?
- A minha mãe costumava chamar a Madre
Vasconcelos quando perdia algo.
- Nunca ouvi falar. Funcionava?
- Ela usava com frequência. Devia
funcionar.
- E acha que a Madre Barcelos é capaz
de...
- Vasconcelos!
- Sim, a Madre Vasconcelos é capaz de
achar seu Lulu?
- Falando assim soou meio heresia.
- Eu uso São Longuinho.
- O dos pulinhos?
- Sim, parece mais simpático também.
Madre Vasconcelos é um nome muito sério. Acho que depois que ela mostrar onde
está o que perdi, vai dar um sermão sobre ser relaxada e tal. São Longuinho é
mais bonzinho. Nem cobra os três pulinhos.
- Então pede para qualquer um. Ache o
meu Lulu que você não sabe onde enfiou.
- Ei, não enfiei seu Lulu em lugar
algum.
- Nem chegou perto?
- Nem um pouco.
- Nem gosta?
- Não! Nadinha!
- Sapata!
- Babaca.
- Vai, pode procurando.
- Por que procuraria?
- Porque você quem perdeu. Toda
relaxada.
- Sou nada relaxada.
- Claro que é! Olha esse armário
abarrotado de roupa! Tem quatro blusas em cada cabide.
- Eu tenho muitas.
- Que seja. Olha essa gaveta toda
torta com excesso de peso que nem fecha. Vazando calcinha para todo lado.
Parece o Titanic afundando e as calcinhas tentando fugir. “Hope e Victoria
Secrect’s primeiro!”.
- Larga de ser exagerado.
- “Capitão, as calcinhas da Marisa e
da C&A estão presas no fundo da gaveta.”.
- Para!
- “Salve todas! Menos as furadas e com
freada!”.
- Não tem calcinha furada, nem com freada
na minha gaveta!
- Ali! Toda esgarçada! Não serve nem
para polir carro.
- Nenhuma calcinha serve para polir
carro. Todo homem sabe disso.
- Sapata!
- Vai se foder. Não vou mais procurar
coisa alguma.
O silêncio retorna ao quarto. Ele, no
mesmo lugar, dá umas tímidas batucadas no joelho. Ela, agora de bruços na cama,
continua mexendo no celular.
- Ih, achei!
- Viu? E aí?
- Caiu mesmo sua nota.
- Dentuça arrombada! Já falei que ela
tem uma queda por você?
- Jura?
- Sapata!