quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Amargura por Extenso




Golpes e ofensa
Dependendo da sua geração, com certeza você teve o prazer de assistir a algum capítulo da série para TV do Batman protagonizada por um barrigudinho e excêntrico Adam West. Aliás, justiça seja feita, poucas são as gerações que não puderam se divertir com as aventuras do homem-morcego e do garoto prodígio em carne e osso.
Alguns amigos, que se intitulam especialistas no Cavalheiro das Trevas, garantem que, desde o início, o propósito da série era fazer algo descaradamente ridículo, beirando à tosquice (perdoem o neologismo necessário). Tanto que era comum ver cenas dos dois em trajes normais surfando, escalando paredes em posições estranhas, dancinhas pitorescas, dentre outras bizarrices que só quem assistiu sabe do que estou falando.
A minha parte favorita era das lutas. Tratava-se de algo nunca antes imaginado. Era uma espécie de coreografia estilo Bud Spencer e Terence Hill, como objetos e pessoas voando com o mais simples golpe. Além disso, como se não fosse suficiente, eles criaram a sonoplastia impressa, a cada porrada dada, aparecia em enormes letras estilizadas e coloridas o som da pancada. Eram SOC, POW, PAF, CRASH, TUM e o sempre incompreensível WAM. Don Martin devia morrer de inveja dessas cenas com tantas onomatopeias rústicas.
Com tantos anos assistindo a essas cenas, fiquei na cabeça com a ideia de que isto deveria ser possível na vida real. Foi um bom tempo a cada movimento fazendo um sonzinho que se tornou uma coisa irritante, primeiro para os outros, depois para mim. Daí, pensei, por que não poderíamos expressar nossos golpes com palavras? E a resposta veio de imediato. Se fosse para expressar um golpe, que fosse com uma ofensa. Nada era tão compatível quanto isso, o problema estava em escolher o par perfeito: golpe e ofensa.
O primeiro golpe que me veio à cabeça foi o tapa. Clássico nas novelas, filmes e discussões acaloradas. Seu ruído estalado e agudo é espalhafatoso, ocupa todo o ambiente chamando a atenção de quem está ao redor. Precisava de alguma ofensa que fosse similar a sua sonoridade. A escolha de babaca foi óbvia por conta da sua igual pronúncia estalada. O problema consistia nas pessoas que insistem em chamar tapa de tabefe. Para elas, e apenas para elas, abrimos uma exceção. Por usar um termo tão cafona e piegas, autorizamos substituir a ofensa pelo também canastrão patife, que ainda assim tem som estalado.
Nas brigas entres homens, o chute no saco talvez seja o mais eficiente de todos os golpes. Para esses casos, o mais ideal é o ofensivo filho da puta. Contudo, para que se tenha sucesso nessa combinação, é necessário que o golpe esteja perfeitamente alinhado com a ofensa. Enquanto carrega o chute, o homem deve pronunciar o “filho”, durante o deslocamento da perna fala-se o “da” e no momento do golpe acertado em cheio solta-se apenas a sílaba “pu” de puta e na retirada da perna termina pronunciando a sílaba “ta”. Isso deve ser feito exatamente dessa forma, pois no momento do fatídico encontro do peito do pé do agressor com as joias da família do agredido, inevitavelmente o futuro eunuco irá uivar de dor, logo, ele ajudará na sonoridade da pronúncia da sílaba “pu”. O resultado final será um belíssimo dueto de imagem e som em perfeita sintonia. Palmas e gritos de “bis” são sempre escutados quando feito com precisão, apesar do agredido relutar em repetir a cena.
Já nas brigas entre mulheres temos o sempre inevitável puxão de cabelo. Não adianta. Mulher que vai brigar, puxa sempre o cabelo. Mesmo sendo comigo, elas puxam o cabelo, só que o do peito, pois sou careca. O que dói muito mais, diga-se de passagem. Para esse tipo de golpe, a sugestão fica para o sempre difamador piranha. Todavia, devemos ressaltar que a combinação neste caso, se assemelha ao caso dos homens recém citado. A sonoridade precisa estar alinhada com o golpe, para tal, basta seguir estes passos. Ao encher a mão com o cabelo da sirigaita, você, donzela educada e fina, pronuncia apenas a sílaba “pi”. Depois, durante toda trajetória de puxar o cabelo dela até encostar a cabeça dela no chão, você deverá prolongar ao máximo a sílaba “ra”. Se estivermos falando de uma mulher de um metro e oitenta, é esperado que essa sílaba demore aproximadamente 10 segundos para ser totalmente pronunciada. A sílaba final “nha” deve ser falada no momento que larga o crânio parcialmente descabelado e careca da rameira no chão.
Em um último minuto, recebi uma notificação dizendo que seria discriminação não colocar a opção de briga entre homossexuais. Portanto, fui obrigado a escrever o próximo e último parágrafo.
Na briga entre gays (já é considerado pejorativo usar este termo?) raramente temos agressão direta entre os interlocutores exaltados. Na maioria dos casos, o que temos são objetos arremessados. E, por mais irônico que pareça, a ofensa que aqui melhor se encaixa (sem trocadilhos) é vai tomar no cu, mesmo soando mais como sugestão que qualquer outra coisa. O propósito é que a cada objeto arremessado seja pronunciada uma sílaba da ofensa e como, em média, temos cinco objetos disponíveis em uma mesa a situação fica bem adequada. Fala “vai” e joga a carteira, depois “to” jogando o paliteiro, em seguida “mar” arremessando o saleiro, depois “no” jogando o porta-guardanapos e finaliza com o “cu” jogando o cinzeiro (aposto que imaginou um cu arremessando um cinzeiro). Note que necessariamente o último objeto precisa ser o mais pesado, não apenas para encerrar com um golpe contundente, mas também para ficar com passível com “cu” que pede algo enfático. Em alguns casos temos mais de cinco objetos disponíveis, para tal aconselhamos o uso de variantes como vai tomar no olho do seu cu, ou vai tomar no prolongamento final do olho do seu cu caso esteja na casa da avó que insiste em deixar a mesa cheia de quinquilharias à sua disposição. Em hipótese alguma deve-se usar o termo meio, pois algumas pessoas têm dificuldades na separação de sílabas.